Revista Exame

Hotel, uma máquina limpa de gerar empregos

O executivo francês diz que o grupo Accor vai investir 600 milhões de dólares em hotéis no Brasil. E criar 5 000 novos postos de trabalho

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 10h36.

Última atualização em 10 de fevereiro de 2021 às 18h29.

Responda rápido: quem gera mais empregos, uma fábrica de automóveis ou um hotel? Acertou quem cravou a segunda alternativa. Alguma dúvida? Pois então compare: a General Motors está investindo 600 milhões de dólares em sua nova fábrica em Gravataí, no Rio Grande do Sul, na qual deverão trabalhar 2 000 funcionários. A mesma quantia já foi separada pelo grupo francês Accor e um punhado de sócios para a construção de 80 novos hotéis e flats no país, nos próximos cinco anos. (Com um dos sócios, a Previ, os investimentos somarão 300 milhões de dólares.) Total de empregos diretos criados: 5 000, aos quais devem ser acrescidos cerca de 10 000 indiretos. </p>

"O setor turístico é um dos maiores geradores de emprego do mundo, abrangendo perto de 10% da população economicamente ativa", diz Benjamin Cohen, vice-presidente mundial de finanças do Accor, o maior grupo hoteleiro do mundo (sozinho, o Accor possui mais leitos do que todos os hotéis brasileiros somados - 280 000 contra 200 000 leitos). Para Cohen, com a estabilização da economia e a melhora na renda da população, foram criadas as condições para que o Brasil aproveite o potencial do turismo internacional, que movimenta mais de 400 bilhões de dólares por ano. Com 4 bilhões de dólares de receitas no ano passado, o país absorve apenas 1% desse dinheiro.

"Mas é preciso melhorar e baratear o sistema de transportes, além de investir na infra-estrutura hoteleira", diz Cohen. Caso as condições favoráveis se mantenham, o Accor, até aqui mais conhecido no Brasil por sua atuação no setor de alimentação por intermédio da Ticket, poderá até ampliar seus investimentos na hotelaria. "Temos condições de canalizar 1 bilhão de dólares de investimentos diretos para a hotelaria", diz Cohen. Há apenas uma condição, segundo ele: o retorno do investimento não pode ser inferior a 15% ao ano. A seguir, trechos de sua entrevista a EXAME:


EXAME - No passado recente, o grupo Accor passou por certos problemas, como o da existência de um elevado endividamento, que acabavam freando seu crescimento. Esses obstáculos foram superados?

BENJAMIN COHEN - Nos últimos anos, nosso ritmo de crescimento realmente foi reduzido em função de um endividamento que ficara muito pesado. Isso nos levou a promover um grande plano de reengenharia, a partir de 1997, no qual foi repensada toda a organização. Ao lado da rentabilidade, procuramos fazer com que nossas diferentes marcas trabalhem em conjunto, isto é, que as diferentes atividades apóiem mais umas às outras. A idéia é substituir o mosaico de marcas que tínhamos pela vontade de construir um grupo forte, unido e que apóie seu poderio no conjunto dessa rede. Felizmente, graças a esse esforço, batizado internamente de Accor 2 000, e à desmobilização de ativos não essenciais, a dívida foi equacionada. Atualmente, estamos conseguindo dobrar o ritmo de desenvolvimento do grupo. Até 1995, estávamos abrindo 120 hotéis por ano. Não chegava a ser um mau número, mas estava aquém das oportunidades oferecidas pelo mercado. Depois da reestruturação, passamos a inaugurar pelo menos 250 hotéis a cada exercício, em média. No ano passado, por exemplo, investimos 1 bilhão de dólares, contra 500 milhões em 1996. O resultado é que nossas ações estiveram entre as mais valorizadas na Bolsa de Paris em 1997: seu valor aumentou em 70%, contra uma média de 30% do mercado. Nosso valor de bolsa passou, nesse período, de 3 bilhões para 8 bilhões de dólares.

O que é o grupo Accor no mundo?

Somos uma rede com 2 600 hotéis que oferecem 280 000 leitos em 130 países. Isso é 40% mais do que o total de leitos disponíveis no Brasil pela rede hoteleira. Temos a segunda rede de agências de viagens, a Carson-Wagonlit, a segunda maior locadora de automóveis da Europa, a Europcar. Também controlamos o que é, de longe, a maior organização de tíquetes, com cerca de 45% do mercado mundial. Ao todo, temos 120 000 funcionários, dos quais 17 000 na operação brasileira, que é a maior do Accor fora da França. No conjunto, temos meios, marcas e homens. Desatado o nó do endividamento, temos hoje sérios motivos para estarmos confiantes com relação a nosso futuro.

Que motivos são esses?

O turismo internacional movimenta mais de 400 bilhões de dólares a cada ano. Em 20 anos, essas cifras quintuplicarão para 2 trilhões de dólares, pois será inevitável que o crescimento da economia mundial e a redução dos preços das passagens aéreas gerem mais viagens internacionais. O Accor, que se transformou num ator muito importante nesse cenário, vai fazer de tudo para aproveitar essa onda.

Quais são as regiões mais promissoras em relação ao turismo e nas quais o Accor deverá concentrar seus esforços?

Em primeiro lugar, há a região conhecida como Ásia-Pacífico. Acreditamos que, apesar das recentes turbulências econômicas, é uma zona que terá uma grande importância nos próximos 5 a 10 anos. A atração dos países dessa região para os turistas e para os homens de negócios deverá crescer. Mas é inegável que por algum tempo, durante um ou dois anos, ela terá uma certa retração. Aí é que aparece a chance para a América Latina: no meu entender, ela deve aproveitar essa pequena baixa da Ásia para atrair os turistas, os investidores. Refiro-me principalmente aos países líderes como o Brasil, Argentina e México, que contam com economias estabilizadas e oferecem excelentes oportunidades de negócios no setor.


Com que trunfos conta o Brasil?

Atualmente, o país atrai 3 milhões de turistas por ano. Creio que há condições de fazer com que esse número cresça muito mais, multiplicando-o por seis ou sete nos próximos 20 anos. É preciso, entretanto, vencer alguns obstáculos.

Quais são eles?

O primeiro é o do transporte aéreo. É necessário que seja mais barato, porque o Brasil é um país muito longínquo para os europeus e mesmo para os americanos. É necessário também investir pesadamente em infra-estrutura, em bons hotéis, em pessoal especializado. Criar também mecanismos de financiamento para o investimento hoteleiro. Um grupo como o nosso está disposto a investir mais aqui. Nós já temos, entre flats e hotéis econômicos e de médio preço, 70 unidades. Atualmente, há em nossa carteira 80 novos hotéis e flats previstos. A maior parte desses projetos já está com todos os detalhes resolvidos, como a compra de terrenos, a identificação dos investidores que se associarão a nós. Com isso, chegaremos a 150 unidades no país, numa hipótese mais conservadora. Esse número, porém, poderá facilmente se ampliar para 200 nesse período. No mínimo, faremos em cinco anos o equivalente a tudo o que fizemos nos 20 anos anteriores. Isso representa investimentos de 650 milhões de dólares na hipótese mais conservadora ou de 1 bilhão de dólares na mais otimista.

De que forma será bancado esse investimento?

Esse investimento deverá ser feito com parceiros - nós entraremos com 10% dos recursos. Esses parceiros são dos mais diferentes tipos. Há bancos e investidores que costumam aplicar seu dinheiro em nossos projetos, há parceiros que deterão a propriedade dos imóveis, deixando conosco a gestão. Há os fundos de pensão, como o Previ, com quem construiremos hotéis da marca Ibis em 40 cidades, no valor total de 300 milhões de dólares. Das 2 600 unidades que temos no mundo, aliás, somente 44% são totalmente de propriedade nossa.

Nos investimentos previstos para o Brasil predominarão os hotéis ou os flats?

No passado, os flats predominaram. São um produto formidável, perfeitamente adaptado ao país. Não só porque são convenientes para os clientes mas também porque contavam com fontes de financiamento privado. No entanto, a partir da nova situação econômica do Brasil, acreditamos que as fontes de financiamento tradicional renascerão. Com isso, a hotelaria de médio padrão e econômica poderá se desenvolver mais rapidamente nos próximos 10 anos. Há no país uma boa oferta de hotéis de alto padrão, mas o que falta mesmo são os hotéis médios e baratos. Essa é a grande demanda do mercado brasileiro: hotéis mais em conta, com uma boa estrutura de acolhimento. Haverá, portanto, boas oportunidades para nossa rede Ibis, de três estrelas, e para a Mercur, que atua na mesma faixa de nossa rede Novotel, de quatro estrelas. A diferença entre eles é que os hotéis Novotel são iguais em todo o mundo; os Mercur têm arquitetura, restaurantes diferentes, de acordo com cada país ou região. Esses estabelecimentos são os que mais têm chance de desenvolvimento, embora haja boas oportunidades para os cinco estrelas, como o Sofitel.


Qual é o público-alvo desses hotéis mais econômicos?

São os homens de negócios internos, aqueles que circulam pelas médias cidades brasileiras. É gente que está disposta a pagar uma diária em torno de 60 dólares. Essa, aliás, é nossa vocação: o turismo de negócios, muito mais do que o turismo de lazer. Isso não quer dizer que não atuemos com lazer: atualmente, temos 154 hotéis, com cerca de 22 000 leitos nessa área. É o mesmo número que possui o Club Mediterranée, por exemplo.

Como os investimentos turísticos impactam sobre a geração de empregos?

O setor é um grande gerador de empregos. Há, atualmente, cerca de 250 milhões de pessoas que trabalham com turismo no mundo: estou falando de gente empregada na hotelaria, nas agências de viagens, no transporte, entre outros. É perto de 10% da população economicamente ativa mundial. Para tomar o nosso caso no Brasil: as 80 novas unidades que pretendemos criar nos próximos cinco anos, representariam 10 000 novos quartos. Para tocá-las, serão criados 5 000 novos empregos diretos e 10 000 indiretos.

Qual é sua avaliação do parque hoteleiro brasileiro?

Ainda é muito pequeno, em comparação aos padrões internacionais. Nos Estados Unidos, por exemplo, há um leito para cada 70 habitantes, na França um para 100. No Brasil, essa relação é de um leito para cada 1 000 habitantes. O que mostra não só as necessidades como o imenso potencial existente para crescimento. Com um certo aumento do nível de renda e melhora e barateamento dos transportes, a população brasileira passará a viajar mais, criando uma demanda por mais leitos, principalmente em hotéis mais baratos.

Além da hotelaria, o grupo tem um outro grande braço que é o de alimentação. Qual é o peso de cada um nos negócios no Brasil?

A alimentação representa cerca de 70% dos negócios do grupo no Brasil. As demais atividades, como hotelaria e agências de viagem, ficam com os outros 30%. Há uma explicação para isso: foi um setor que pudemos desenvolver com pouco investimento. Internacionalmente, ocorre o contrário: a hotelaria e viagens representam 75% das receitas. Mas a tendência é de aumentar aceleradamente as posições na área de hotelaria e viagens aqui.

Isso implica uma desaceleração nos serviços de alimentação?

Não. Hoje somos o maior grupo de serviços empresariais no Brasil e pretendemos continuar a sê-lo. Temos 60 000 empresas clientes, a maioria delas compradora de serviços de alimentação, sejam tíquetes ou restaurantes industriais. Isso representa 5 milhões de usuários por dia (400 000 deles em nossos restaurantes). É uma área que absorve cerca de 13 000 de nossos 17 000 funcionários. Vai crescer a uma média de 15% ao ano. Atualmente, as empresas de alimentação atendem a perto de 15 milhões de pessoas, no país. Ficam de fora, ainda, pelo menos de 15 a 20 milhões de trabalhadores que pertencem à parte organizada da população economicamente ativa. Esse é um mercado formidável a ser explorado, principalmente junto às pequenas e médias empresas. Em dinheiro, significa que o setor passará dos 10 bilhões de dólares atuais para 20 bilhões de dólares de receitas em pouco tempo.

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