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A Índia quer ser a China. Mas será que vai conseguir?

Com a maior reforma fiscal desde sua independência, a Índia quer fazer sua economia crescer. Mas não vai ser fácil mimetizar o sucesso do poderoso vizinho

Portal da Índia, na cidade de Mumbai: menos de 1% no país paga imposto de renda (Divulgação/Getty Images)

Portal da Índia, na cidade de Mumbai: menos de 1% no país paga imposto de renda (Divulgação/Getty Images)

RS

Raphaela Sereno

Publicado em 28 de julho de 2017 às 06h00.

Última atualização em 28 de julho de 2017 às 06h00.

São Paulo — Durante séculos, mercadores europeus fizeram expedições em busca de produtos exóticos para revendê-los com lucros exorbitantes no Velho Mundo. Eles lançavam suas caravelas ao mar, navegavam em direção ao Oriente e, quando atracavam em um dos portos da rota das especiarias, podiam sentir a mistura de aromas de temperos e perfumes. Um dos principais destinos desses navegadores era a Índia, país que agora pretende tornar seu tradicional comércio mais competitivo ao lançar a maior reforma fiscal desde sua independência do Reino Unido em 1947. A expectativa do primeiro-ministro Narendra Modi é que as mudanças, que entraram em vigor em julho, simplifiquem o comércio, reduzam a informalidade na economia e aumentem a arrecadação de impostos para que o país possa investir mais em áreas como saúde, educação e infraestrutura. “Mais do que uma reforma econômica, esta é uma reforma social”, disse Modi ao anunciar as medidas.

Em um país onde menos de 1% da população paga imposto de renda e o mercado informal representa mais de 20% do PIB, o governo quer ampliar sua base de arrecadação. Para isso, mirou o comércio de bens e serviços. Não será uma tarefa fácil. A complexidade da taxação de mercadorias faz com que se formem filas e mais filas de caminhões nos postos fiscais instalados nas divisas dos 29 estados que compõem o país. O processo de inspeção dos produtos e a cobrança dos impostos são tão confusos que tomam até 60% do tempo gasto nas entregas, de acordo com um levantamento do Banco Mundial. Para resolver esse problema, o novo sistema tributário unificou 17 impostos indiretos estaduais e federais que incidiam sobre bens e serviços no país. Agora as alíquotas variam de zero para itens considerados essenciais (como serviços de educação e preservativos) a 28% para artigos tidos como supérfluos (como xampus e papéis de parede). O sistema prevê tarifas diferenciadas para um mesmo tipo de produto ou serviço. Os restaurantes, por exemplo, recolhem 12% de impostos, exceto os pequenos estabelecimentos, cuja alíquota cai para 5%. Caso ofereça aos clientes um ambiente com ar-condicionado, a tarifa sobe para 18%.

- (Divulgação/Exame)

Guardadas as proporções, o novo sistema tributário indiano é uma versão bem mais complexa do regime brasileiro do Simples Nacional, que possibilita o recolhimento de todos os impostos federais, estaduais e municipais com uma única guia de arrecadação. No Brasil, porém, o regime simplificado beneficia apenas micro e pequenas empresas de determinadas atividades com receita bruta anual de até 3,6 milhões de reais. Na Índia, um país com 1,3 bilhão de habitantes — seis vezes a população do Brasil —, o novo sistema tributário atinge todas as empresas. Não à toa, a reforma fiscal vem causando muito barulho no país. Empresários criticam o governo por não terem mais tempo para se adaptar ao novo sistema. Em algumas localidades houve uma corrida às lojas de consumidores temerosos com a alta de preços. Para acalmar a população, o ministro da Fazenda, Hasmukh Adhia, no dia seguinte à entrada em vigor do novo imposto, usou sua conta no Twitter para negar que tivesse havido aumento de tributos. Segundo ele, o novo sistema simplesmente tornou tudo mais transparente. “Antes, eram cobradas taxas que não eram visíveis”, afirmou.

Se a reforma fiscal conseguir reduzir à metade o tempo gasto na entrega de mercadorias, como pretende o governo, os custos de produção de bens manufaturados poderão cair de 30% a 40%, tornando o país mais competitivo internacionalmente e dando um alívio ao bolso do consumidor. “Se der certo, o novo sistema tributário conseguirá aumentar o poder de compra da população sem precisar elevar a renda”, diz Sachin Menon, sócio da consultoria KPMG na Índia.

Para Anurag Srivastava, presidente no Brasil do grupo indiano Aditya Birla, conglomerado industrial que fabrica de tecidos a fertilizantes e fatura 41 bilhões de dólares por ano, as pequenas e médias empresas terão de investir em soluções tecnológicas para conseguir pagar os impostos pela internet. “Isso causa uma dificuldade inicial, mas, no longo prazo, será criado um mercado comum, sem diferenças entre os estados, e vai haver uma redução da burocracia.” Burocracia que, por sinal, coloca a Índia em 130o lugar entre os 190 países do ranking de facilidade para fazer negócios elaborado pelo Banco Mundial. (O Brasil está apenas sete posições à frente da Índia.)

A expectativa é que a redução dos entraves também ajude a gerar empregos. De acordo com um estudo realizado pela consultoria indiana de recursos humanos TeamLease, o sistema fiscal unificado pode aumentar a oferta de vagas em 11%. Isso seria extremamente importante num país populoso como a Índia, em que o alto número de habitantes pode ser tanto um motor quanto um entrave para o crescimento econômico. Outro estudo, da consultoria PwC, estima que o país precisa gerar de 10 milhões a 12 milhões de empregos novos a cada ano para absorver a leva de jovens que ingressam no mercado de trabalho. Além disso, seria necessário que o PIB crescesse 9% ao ano para que os indianos pudessem desfrutar de maior qualidade de vida. A combinação desses dois fatores resultaria em uma elevação da renda per capita dos atuais 1 500 para 7 000 dólares em 2034.

Transformar as projeções em realidade não é nada simples. O desemprego na Índia está em 4% e é baixo para os padrões internacionais — de acordo com a Organização Internacional do Trabalho, o país- deverá fechar este ano com 17,8 milhões de desempregados (o Brasil tem 14,2 milhões, segundo o IBGE). O que as estatísticas não revelam é que, na Índia, mais de 90% das pessoas trabalham na informalidade, sem nenhum benefício. Um avanço de 9% no PIB também não está no radar no curto prazo. A Índia é a economia emergente que mais cresceu nos últimos anos, mas a projeção do governo é que o PIB aumente 7,1% no ano fiscal de 2016-2017, ante os 7,6% do período anterior. Já para o próximo exercício a estimativa é de um avanço de 6,8% a 7,5%. Um dos motivos para esse recuo é a alta esperada de 10% a 15% no preço do barril de petróleo em 2017, o que deve diminuir em 0,5 ponto percentual o crescimento da Índia, país dependente da importação de combustíveis. Outra justificativa para a desaceleração é o decreto do ano passado que fez com que notas de 500 e 1 000 rúpias deixassem de ter valor. Essa medida, conhecida como desmonetização, teve como objetivo combater a evasão fiscal e incentivar a bancarização do país, reduzindo, assim, o grau de informalidade.

Mesmo com as dificuldades, o primeiro-ministro Modi tem conseguido alguns avanços. A inflação recuou de dois dígitos, em 2013, para menos de 5%, no ano passado, e a moeda nacional tornou-se menos volátil. “O premiê indiano tem demonstrado coerência em suas decisões políticas”, diz Leonardo Ananda, presidente da Câmara de Comércio Índia-Brasil. Investidores parecem concordar com essa avaliação. O principal índice da bolsa indiana atingiu seu recorde em maio, reflexo da boa safra de resultados das empresas. Os investimentos estrangeiros diretos também bateram recorde e ultrapassaram os 60 bilhões de dólares depois que Modi liberalizou a participação estrangeira em alguns setores. Os eleitores também parecem estar satisfeitos com os rumos do país, pois deram a Modi e a seu partido, o Bharatiya Janata Party (BJP), mais um voto de confiança nas eleições regionais, realizadas em maio. Com isso, aumentam as especulações de que Modi pode ser reeleito primeiro-ministro em 2019. Até lá, porém, ele terá muito trabalho pela frente.

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