Revista Exame

A guerra das gôndolas

O crescimento das compras de supermercado feitas pela internet e por aplicativos atrai startups e gigantes do varejo que brigam pelo mercado

Funcionárias da Rappi em uma loja do Carrefour: operação dedicada a atender aos pedidos feitos pelo aplicativo | Leandro Fonseca /

Funcionárias da Rappi em uma loja do Carrefour: operação dedicada a atender aos pedidos feitos pelo aplicativo | Leandro Fonseca /

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Rodrigo Loureiro

Publicado em 13 de fevereiro de 2020 às 05h25.

Última atualização em 13 de fevereiro de 2020 às 17h11.

Um dos efeitos mais evidentes do avanço tecnológico é como as novas ferramentas digitais fazem as pessoas repensar a forma como consomem produtos e serviços no dia a dia. Hábitos comuns, como pedir um táxi na rua, praticamente desapareceram depois do surgimento dos aplicativos de transporte, por exemplo. Nos últimos anos, outro questionamento tem ganhado força nas grandes cidades: será que ainda faz sentido pegar o carro -— ou o transporte público, a bicicleta etc. —, passar até 1 hora ou mais num supermercado procurando e escolhendo produtos nas prateleiras e depois ainda enfrentar fila no caixa só para abastecer a casa com alimentos, bebidas, além de produtos de limpeza e higiene? Para muita gente, a resposta tem sido não. Melhor: tem sido resolver tudo por meio de um aplicativo e receber os produtos em casa, especialmente os itens que são comprados todos os meses.

Fundada em 2015, a startup colombiana Rappi não deu o pontapé inicial nas vendas de supermercados pela internet no Brasil, mas fez crescer um segmento que era quase inexistente. Com mais de 1,4 bilhão de dólares de investimentos de fundos como SoftBank, DST Global e Sequoia Capital, a startup dona de um aplicativo para a entrega de pedidos feitos a restaurantes, farmácias, petshops, entre outros estabelecimentos, ganhou terreno a partir de 2017 por intermédio de uma parceria com o GPA. O negócio permitia que a rede varejista terceirizasse a chamada “última milha”, a etapa final da entrega de um item ao consumidor. O aplicativo fica responsável pela exposição dos produtos, pelo pagamento e pela logística da operação. Em troca, recebe um percentual de cada compra. As empresas não revelam os números, mas analistas entrevistados por EXAME estimam que a porcentagem fique entre 10% e 14% do valor.

Com presença em sete países (Brasil, México, Argentina, Chile, Colômbia, Peru e Uruguai) e um volume de entregas que somou 70 milhões de pedidos entre junho de 2018 e junho de 2019, a companhia cresce em torno de 30% ao mês. Sem o GPA, que deixou a plataforma em 2019 após a compra do aplicativo concorrente James Delivery, a Rappi buscou no Carrefour sua grande parceria nos supermercados. “A venda de alimentos pela internet é a última barreira do e-commerce”, diz Paula Cardoso, presidente do Carrefour eBusiness, unidade dedicada ao varejo online do grupo.

Para manter a operação digital, o Carrefour conta com 12 side stores, lojas acopladas aos hipermercados que servem apenas para a retirada de itens comprados pela internet. As side stores foram responsáveis por 25% das vendas online do Carrefour  no quarto trimestre do ano passado. O restante é abastecido por hipermercados e centros de distribuição. A varejista não revela dados específicos da parceria com a Rappi, mas informa em seu balanço financeiro um crescimento de 10% nas vendas da operação brasileira em 2019 e um faturamento bruto de 62,2 bilhões de reais. “Não é só um empurrãozinho. Em alguns casos, a venda por meio de aplicativos chega a representar 10% do faturamento de certas lojas”, diz Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo.

O negócio digital é interessante também por causa de outros aspectos. O primeiro é a conquista de um público que não era cliente da empresa. De acordo com o Carrefour, 63% dos consumidores do e-commerce não faziam compras na rede antes. O segundo ponto diz respeito à chamada “economia dos dados”. O acordo com a Rappi permite ao Carrefour saber que produtos cada cliente comprou pelo aplicativo. Em um mercado em que as experiências personalizadas contam muito, deter esse tipo de informação é quase obrigatório para poder competir.

Escritório do iFood: a startup de entregas já atende 400 supermercados | Leandro Fonseca

Se o Carrefour aposta suas fichas na Rappi, o Grupo Pão de Açúcar preferiu ter um aplicativo próprio. Comprada em dezembro de 2018, a startup curitibana James Delivery permite a entrega de encomendas de farmácias, restaurantes, floriculturas, além, é claro, de supermercados. Desde a venda ao GPA, a operação foi multiplicada por 15. “Dobramos de tamanho a cada 70 dias”, diz Lucas Ceschin, cofundador do aplicativo. Em um ano, a área de atuação foi expandida de duas para 18 cidades e a previsão é terminar 2020 com presença em 25 municípios. “As empresas não têm tempo para fazer tudo. Elas não serão melhores em tudo e precisam de parceiros”, diz Rodrigo Pimentel, diretor da área de e-commerce alimentar do GPA.

Mais do que realizar entregas rápidas, a compra da startup curitibana teve como objetivo intensificar uma operação online iniciada ainda em 1995, nos primórdios da internet brasileira. O negócio virtual só foi impulsionado de fato nos últimos cinco anos, quando a companhia aumentou sua capacidade operacional para atender à demanda digital crescente. Em 2019, o comércio eletrônico do Pão de Açúcar teve alta de 40% e a estimativa é que haja um crescimento de 50% em 2020 graças à expansão da operação física para atender clientes virtuais. Está prevista a inauguração de quatro “minicentros de distribuição” e 70 shipment stores, lojas físicas que atendem entregadores. Hoje são 130 estabelecimentos desse tipo e dois centros de distribuição.

Na esteira da Rappi e do James Delivery está o iFood. O aplicativo fundado em 2011 e que pertence ao grupo de tecnologia Movile entrou nessa briga em junho de 2019, aproveitando sua grande base de consumidores. Com crescimento de 20% por semana, seu serviço de entrega de supermercados atende mais de 400 estabelecimentos em 80 cidades do país. Entre eles está a rede BIG (ex-Walmart), que passou a fazer parte da operação em janeiro. “A conta fecha porque o tíquete médio das compras é muito superior ao dos restaurantes”, diz Lucas Passos, diretor de desenvolvimento de negócios do iFood. A meta para 2020 é chegar a 200 cidades e a 1.000 supermercados cadastrados.

A competição será acirrada. Em janeiro, a B2W, empresa dona das lojas online Submarino, Americanas.com e Shoptime, adquiriu a startup SupermercadoNow, serviço de compras de supermercado pela internet, por um valor não revelado. Fundada em 2015, a empresa paulista tem mais de 200.000 usuários ativos e opera com mais de 30 redes, como Hirota e Lopes Supermercados. A B2W afirma que o negócio permitirá à empresa “expandir sua presença na categoria de supermercado, abrindo uma nova frente de crescimento”.

O movimento da B2W é semelhante ao da Uber, que comprou em 2019 uma participação majoritária na startup chilena Cornershop, que faz entregas de supermercado. O serviço já opera no Brasil, no México, no Peru e no Canadá e ajudará a Uber a incluir a nova categoria de alimentos e bebidas no serviço Uber Eats. “Seja para fazer uma viagem, seja para pedir comida no restaurante favorito ou, muito em breve, para receber compras em casa, queremos que a Uber seja o sistema operacional de seu dia a dia”, disse, na época, o presidente da empresa, Dara Khosrowshahi.

O mercado também conta com start-ups que ainda buscam um lugar ao sol com estratégias diferentes. A HomeRefill, por exemplo, opera desde 2016 e aposta em um nicho. Em vez oferecer entregas rápidas e com poucos itens, a startup paulista quer que os clientes usem a plataforma para fazer “a grande compra do mês”. Por não trabalhar com produtos perecíveis, a startup compra os alimentos no atacado por um preço mais baixo. Nesse caso, o frete pode sair de graça. Essa é a mesma estratégia da concorrente Shopper, também de São Paulo. “Como compramos dos fabricantes, é possível ter uma margem de lucro saudável e ainda ter preços, em média, 12% mais baixos”, diz Fábio Rodas, presidente e cofundador da Shopper. Atualmente, são 700 bairros em oito cidades atendidas na Grande São Paulo. Segundo Rodas, a empresa dobra de tamanho a cada quatro meses. 

Centro de distribuição da Amazon Fresh, nos Estados Unidos: concorrência com o Walmart | Monika Skolimowska/picture alliance / Getty Images

O objetivo de todos os serviços de supermercado online é crescer num mercado que ainda engatinha no Brasil. Segundo dados da consultoria Ebit/Nielsen, as vendas de itens de supermercados representam menos de 1% do varejo online. Os números de 2019 ainda não foram calculados, mas houve uma alta de 12% nas vendas no primeiro semestre. O desafio para aumentar a participação não é apenas logístico ou tecnológico, mas também cultural. Dados de uma pesquisa da Associação Paulista de Supermercados com o Ibope mostram que apenas 15% dos brasileiros já realizaram compras de supermercado pela internet.

Nos Estados Unidos, onde a Amazon e o Walmart travam uma disputa acirrada no segmento, os números são maiores. A previsão é de um crescimento de 66% no número de consumidores de supermercados online até 2022, que deve chegar a 30 milhões. O faturamento deverá saltar de 24 bilhões para 49 bilhões de dólares, segundo dados consolidados pela empresa de pesquisas Statista. A Amazon, aliás, já vende alimentos em seu site no Brasil. É possível adquirir massas, grãos, arroz, óleo, café, bolachas, entre outros produtos não perecíveis. Mas a oferta ainda é limitada. Já nos Estados Unidos a Amazon tem intensi-ficado sua operação de supermercado desde a compra da rede WholeFoods,- em 2017, por 13,7 bilhões de dólares, e a criação da subsidiária de entregas de alimentos Amazon Fresh. Enquanto a ameaça da Amazon não se concretiza por aqui, os aplicativos e as redes varejistas correm para encher os carrinhos virtuais de seus consumidores. 

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