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Uma briga ajudou as ações da Unipar a subir 1.000%

A empresa química Unipar viveu dois anos tensos, com dono envolvido na Lava-Jato e novos controladores. Em meio a tudo isso, suas ações subiram 1.000%

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Fábrica da Unipar: ganhos de eficiência levam a 40% de aumento na produção de ácido clorídrico, sem investimento em capacidade (Unipar/Divulgação)

Fábrica da Unipar: ganhos de eficiência levam a 40% de aumento na produção de ácido clorídrico, sem investimento em capacidade (Unipar/Divulgação)

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Denyse Godoy

Publicado em 22 de novembro de 2018, 05h52.

Última atualização em 27 de novembro de 2018, 12h36.

A bolsa brasileira subiu bastante desde o fim de 2016, quando começaram a melhorar as expectativas para a economia. A ação que mais valorizou no período foi a da varejista Magazine Luiza. A segunda maior alta, entre os papéis mais negociados do pregão, ficou por conta de uma empresa bem menos conhecida, a fabricante de produtos químicos Unipar. Suas ações preferenciais, que valiam 3,85 reais há dois anos, custam aproximadamente 40 reais hoje, um ganho próximo de 1.000%. Companhias geralmente dão um salto desse tipo quando passam por reestruturações ou fazem aquisições bem-sucedidas. A Unipar fez as duas coisas, mas o processo que deu origem a essa empresa maior, mais lucrativa e bem mais valiosa foi cercado de disputas que deixaram marcas nos negócios.

A história da nova Unipar — empresa fundada em 1969 pelo empresário carioca Paulo Geyer — começou em 2015. Frank Geyer, neto do fundador e então presidente da empresa, estava negociando a compra da Indupa, fabricante argentina de plásticos tipo PVC e soda cáustica, que era controlada pela Solvay, maior empresa química da Bélgica. A Indupa usa como principal matéria-prima o cloro, um dos produtos da empresa brasileira, que também produz soda e PVC. Vendo o potencial de sinergias, a operação foi proposta a Geyer por Pércio de Souza, dono da consultoria de negócios Estáter, que estava assessorando um grupo americano (o nome não foi revelado) em busca de um sócio brasileiro para comprar a Indupa. Os americanos desistiram, e a Unipar passou a ser a única interessada. “Os grandes grupos químicos estavam abandonando setores mais tradicionais, como o PVC e o cloro, para investir em segmentos tecnológicos. Uma fusão criaria espaço para aumentar a eficiência e melhorar as margens de lucro. Era uma grande oportunidade”, diz um executivo diretamente envolvido na transação.

O problema era que a Unipar precisava de financiamento para comprar a Indupa — os argentinos estavam vendendo 70% da empresa por 18 milhões de dólares, e também era necessário desembolsar 8 milhões para pagar acionistas minoritários e assumir 200 milhões de dólares em dívidas e investimentos já contratados. As linhas de crédito da Unipar nos principais bancos, porém, estavam fechadas porque Frank Geyer havia sido envolvido nas investigações da Operação Lava-Jato. Geyer confessou ter cometido irregularidades quando vendeu a participação na Quattor, subsidiária da Unipar, à petroquímica Braskem, controlada pelo grupo Odebrecht, em 2010. Em seu acordo de delação premiada, Marcelo Odebrecht disse que pagou 150 milhões de reais a Geyer para facilitar a aprovação da transação no conselho de administração da Unipar. Geyer admitiu ter recebido o dinheiro e também reconheceu ter pagado 18 milhões de reais em propina a Mario Negromonte, ex-ministro das Cidades, e ao ex-deputado José Janene, morto em 2010, na época da criação da Quattor, em 2007. Fez um acordo com o Ministério Público Federal para devolver 32 milhões de reais à União.

EXAME apurou que, depois disso, a Solvay não quis dar continuidade à negociação com a Unipar. Geyer, então, decidiu se afastar da empresa e transferiu o controle para a Estáter. Por contrato, a consultoria passou a ter o usufruto de 51% do capital votante da Unipar até dezembro de 2017, prazo que poderia ser estendido até 2022. Com o novo arranjo, a Solvay concordou em parcelar o montante que teria a receber com a venda da Indupa. Assim, o negócio saiu. A compra foi anunciada em maio de 2016 e aprovada pelo Cade, órgão que analisa as práticas concorrenciais no Brasil, em dezembro de 2016.

Daí em diante, Souza e sua equipe iniciaram uma reestruturação na Indupa e outra na Unipar. Para liderar o processo, foi contratado um novo diretor-superintendente, Luís Felli, que havia trabalhado na Braskem e na fabricante de celulose Eldorado Brasil. As operações foram unificadas, permitindo que os escritórios das duas companhias fossem reduzidos, aumentando a eficiência. Na Argentina, sobraram 15 das 48 gerências originais. Além disso, foram feitos investimentos em máquinas e equipamentos com o objetivo de aumentar a produtividade, e as áreas comerciais das duas empresas foram reformuladas.

No Brasil, outra preo­cupação era melhorar a governança e a gestão da empresa. Foi criado um novo sistema de avaliação e remuneração dos funcionários e 12 executivos foram contratados, como parte de um programa de formação de lideranças, para que houvesse opções de sucessão em cargos-­chave. Além disso, outros membros da família Geyer foram afastados. Os resultados apareceram, também ajudados pela valorização do real. De janeiro a setembro de 2018, as receitas da Unipar cresceram 22% em comparação com igual intervalo de 2017, para 886 milhões de reais, enquanto as da Indupa aumentaram 11%, para 1,7 bilhão. O lucro da Unipar quase dobrou no período, alcançando 374 milhões de reais, e o da Indupa teve alta de 60%, para 8 milhões de reais (a margem da empresa argentina é bem menor porque suas máquinas e seu processo de produção ainda são antigos).

Pércio de Souza: arrependido do contrato que fechou | Germano Lüders

Outro plano dos donos e da Estáter era fechar o capital da Unipar. A ideia era concluir a reorganização e vender a empresa, ou abrir seu capital novamente num prazo de cinco anos. Os acionistas minoritários se opuseram à operação por achar baixo demais o preço oferecido — 6 reais, 50% mais do que no fechamento de 2015. Argumentavam que a ação valeria bem mais em pouco tempo graças às mudanças que estavam sendo feitas, o que, de fato, aconteceu, e queriam uma parte dos ganhos. “O tempo mostrou que estávamos certos, e a empresa valia muito mais do que se pensava. Agimos de forma correta”, diz Luiz Barsi, segundo maior acionista da Unipar, com 17% do capital.

De acordo com pessoas próximas a Frank Geyer, ao ver a reestruturação dando certo, o empresário quis voltar à Unipar e participar do processo. Souza foi contra, por achar que isso seria visto como um retrocesso por funcionários e investidores e poderia atrapalhar a reorganização. Depois disso, a relação entre os dois, que eram bastante próximos, azedou. Eles se conheciam desde 2008 (eram sócios na empresa de pás eólicas Tecsis) e, ao longo das negociações para a compra da Indupa, tornaram-se amigos — Geyer dizia a conhecidos que Souza era seu mentor. Depois das revelações da Lava-Jato, segundo um banqueiro, Souza deu o aval para que Geyer conseguisse um empréstimo no banco Santander para pagar o que devia ao Ministério Público. O Santander não comentou.

Com 22% do capital da Unipar, Geyer decidiu se unir aos acionistas minoritários. Uma oferta de compra de ações para fechar o capital da Unipar foi lançada em agosto de 2017, mas fracassou porque não houve adesão dos investidores. Em outubro, Geyer encerrou o contrato com a Estáter — o contrato permitia isso, e Souza diz a pessoas próximas que incluir essa cláusula foi um de seus grandes erros. Geyer transferiu para a consultoria sua participação na Tecsis e tornou-se o presidente do conselho de administração da Unipar. Barsi é o vice. O presidente executivo é Aníbal do Vale, que está na Unipar desde 2000. Felli, o superintendente indicado pela Estáter, saiu em menos de um ano.

Procurados, Geyer, Pércio de Souza e a Unipar não deram entrevista. Por e-mail, a Estáter afirmou: “Já havíamos participado de aquisições que transformaram grupos, mas esta foi a primeira vez em que fizemos a gestão de empresas pós-fusão. Os resultados vieram rápido para a Unipar e seus acionistas. A interrupção abrupta foi uma quebra do princípio do acordo — mas ficam as conquistas e as lições aprendidas”.

A nova gestão deu continuidade às melhorias, ampliando a transparência das informações prestadas ao mercado. ­EXAME apurou que a companhia pretende comprar prestadoras de serviços para baratear custos. “Ainda há espaço para a ação subir, porque o negócio vem apresentando crescimento acelerado e a administração está trabalhando para melhorar a empresa”, diz Bruce Barbosa, analista da consultoria de investimentos Nord Research.­ Se a recuperação da economia brasileira continuar, a Unipar deve se beneficiar com o reaquecimento do setor de construção civil e com o crescimento da demanda por tubos e conexões de PVC.

A expectativa dos analistas é que isso neutralize potenciais efeitos negativos da Argentina, país que está em crise e hoje responde por 28% das vendas. E a disputa entre os sócios? Alguns investidores da empresa ainda veem o herdeiro da família Geyer com desconfiança, por isso defendem que suas ideias e decisões sejam acompanhadas de perto. Uma reunião por telefone semanal entre os conselheiros foi instituída a fim de discutir novas propostas. Barsi, no entanto, discorda dessa cisma. “Ainda vou ver o mercado e a imprensa reconhecendo o Frank como um excelente gestor”, ele afirma. Agora, Geyer ganhou uma segunda chance.

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