Leonardo Horta, da Vulcabras: prejuízo, mesmo após cortes drásticos (Germano Lüders/EXAME)
Da Redação
Publicado em 12 de julho de 2014 às 08h39.
São Paulo - Qual é o limite do corte de custos? Muitas empresas são obrigadas pelas circunstâncias a fazer essa pergunta. São aquelas em crise, que estão vendo as receitas despencar com a chegada de novos competidores e cujos mercados estão em transformação.
Cortar na carne ajuda a melhorar resultados, mas sempre chega a hora em que é preciso de algo mais, uma saída para voltar a ganhar mercado e incomodar a concorrência. Nenhuma empresa brasileira enfrenta esse tipo de angústia existencial de forma tão intensa quanto a fabricante de calçados Vulcabras.
Fundada em 1952 em São Paulo, a empresa vai entrar para a história do capitalismo brasileiro — está fazendo, há três anos, uma das reestruturações mais drásticas que o país já viu. Já foram demitidos 22 000 funcionários, quase metade do total. No processo, 25 das 29 fábricas da Vulcabras foram fechadas.
Para situar o processo num contexto histórico, estima-se que as demissões das gordas estatais privatizadas do sistema Telebras custaram o emprego de 18 000 pessoas. Quando se imaginava que o corte terminaria, eis que mais 1 300 funcionários foram demitidos em maio. E ninguém sabe se a coisa vai parar por aí.
A demissão de metade dos funcionários era questão de vida ou morte. De 2011 a 2012, a Vulcabras correu o risco de quebrar — com um prejuízo anual que chegou a 300 milhões de reais, começava a ficar impossível pagar a dívida de 1 bilhão de reais.
Pedro Grendene, dono da Vulcabras, contratou o consultor Claudio Galeazzi, especialista em corte de custos que, na prática, assumiu o dia a dia da empresa. Galeazzi logo mandou fechar fábricas e demitir seus funcionários. Somente no Natal de 2012, 4 000 deles perderam o emprego.
Após tentativas fracassadas de levantar recursos com o BNDES e vender uma participação para fundos, Grendene fez um aporte de 350 milhões de reais do próprio bolso para pagar dívidas de curto prazo. Feito tudo isso, o endividamento caiu, o prejuízo diminuiu 59% no ano passado e os custos desabaram 37%.
Hoje, com 22 000 funcionários a menos, faturando dois terços do que faturava há quatro anos e sem grandes dívidas de curto prazo a vencer, a Vulcabras pode finalmente começar a atacar os problemas estratégicos que a levaram à situação em que se encontrava há dois anos.
É um passo necessário para voltar a dar lucro — e, certamente, dará mais trabalho do que mandar um monte de gente embora. O desafio é enorme. Para competir com marcas que produzem na Ásia, as fabricantes brasileiras de calçados e têxteis tiveram de se reinventar.
A Alpargatas, dona da Havaianas, tem uma linha de chinelos com mais de 100 modelos. A Grendene transformou a linha Melissa, de calçados de plástico, numa marca global que tem coleções assinadas até pelo alemão Karl Lagerfeld, estilista da grife francesa Chanel. Tradicionais tecelagens, como Hering e Malwee, partiram com sucesso para o varejo.
Quem não se mexeu ficou pelo caminho. A Vulcabras até se mexeu — mas deu errado. Para sofisticar seu leque de produtos, a empresa triplicou de tamanho ao fazer a maior aquisição da sua história, da concorrente Azaleia, dona da marca de artigos esportivos Olympikus. O plano era concorrer com empresas estrangeiras que estavam crescendo no país — Adidas e Nike, sobretudo.
A empresa investiu cerca de 200 milhões de reais em tecnologia e inovação para melhorar os tênis Olympikus e cobrar caro por eles. Mas as rivais estrangeiras continuaram ganhando espaço. A participação de mercado da Vulcabras em artigos esportivos caiu de 13%, em 2010, para 5%, em 2013.
A empresa perdeu o passo com a Azaleia — que foi a principal marca de sapatos femininos do país nas décadas de 80 e 90. Sem lojas em shoppings ou investimentos na modernização das coleções, a Azaleia perdeu mercado para concorrentes como a Arezzo, com sua rede de lojas e investimento pesado em inovação.
A Vulcabras luta agora para corrigir os erros do passado e compensar o tempo perdido nos dois anos em que esteve mais preocupada em sobreviver. “O pior já passou, mas precisamos fazer mudanças estruturais para a empresa voltar a dar lucro”, diz Leonardo Horta, presidente da Vulcabras desde dezembro de 2012 e ex-sócio da consultoria Galeazzi & Associados.
No ano passado, a empresa começou a fazer o que Alpargatas e Arezzo já fizeram: dar mais importância à promoção de suas marcas e ao visual de suas coleções, e menos ênfase ao controle do processo fabril.
“Estamos transformando uma indústria dona de marcas em uma empresa gestora de marcas que tem algumas fábricas”, diz Horta. Antes de lançar modelos, a companhia faz pesquisas com consumidores, algo que não acontecia.
A Olympikus não tenta mais brigar de igual para igual com Nike e Adidas — agora a maioria de seus tênis custa entre 100 e 200 reais, valor inferior ao tíquete médio das rivais estrangeiras.
Para tentar modernizar os sapatos femininos da Azaleia, Horta contratou Jorge Bischoff, estilista que já havia trabalhado na concorrente Beira Rio. Além disso, a Vulcabras terceirizou a fabricação de linhas acessórias, como a de roupas esportivas, para se concentrar exclusivamente nos calçados.
O maior desafio, porém, está com a área comercial. Na crise, o espaço da Olympikus nas lojas de artigos esportivos chegou a ser reduzido pela metade, porque os tênis encalhavam nas prateleiras. Há um ano os vendedores vêm tentando convencer os lojistas de que os novos produtos terão maior procura — depois de dois anos, a empresa voltou a fazer publicidade.
Mesmo com tudo isso, fechar 2014 no zero a zero será uma vitória. Se o lucro não voltar logo, dizem executivos que conhecem a Vulcabras de perto, a empresa poderá ser forçada a vender a Azaleia e a ficar só com os tênis Olympikus, que respondem por 75% das vendas. Só aí saberemos se o corte de custos mais radical em curso no país chegou, enfim, ao limite.