Antton Tomasena, o presidente da Erreka Group em Mondragon, na Espanha: "Temos a filosofia de não demitir ninguém" (Ana Maria Arevalo Gosen/The New York Times)
Carolina Ingizza
Publicado em 24 de janeiro de 2021 às 08h00.
Se o Grupo Erreka operasse como a maioria das empresas, a pandemia teria sido um golpe traumático para seus trabalhadores.
Com sede na região basca da Espanha, a empresa produz uma variedade de bens, incluindo portas deslizantes, peças plásticas usadas em carros e dispositivos médicos vendidos em todo o mundo. Quando o coronavírus devastava a Europa no fim de março, o governo espanhol ordenou que a empresa fechasse duas de suas três fábricas locais, ameaçando o meio de subsistência de seus 210 trabalhadores.
Mas o Grupo Erreka evitou demissões cortando temporariamente os salários em 5%. E continuou a pagar aos trabalhadores que ficaram em casa em troca da promessa de que compensariam algumas dessas horas quando dias melhores viessem.
Essa abordagem flexível foi possível porque a empresa faz parte de uma vasta coleção de empreendimentos cooperativos centrados na cidade de Mondragón. Quase todos os seus trabalhadores são sócios, o que significa que são donos da empresa. Embora as 96 cooperativas da Mondragón Corp. precisem dar lucro para se manter funcionando – como qualquer empresa –, elas foram projetadas não para distribuir dividendos aos acionistas e opções de ações aos executivos, mas para preservar os salários.
O conceito de cooperativa pode evocar noções de socialismo hippie, limitando seu valor como modelo para a economia global, mas a Mondragón se destaca como uma empresa genuinamente grande. Suas cooperativas empregam mais de 70 mil pessoas na Espanha, o que a torna uma das maiores fontes de contracheques do país. Sua receita anual é de mais de 12 bilhões de euros (US$ 14,5 bilhões). O grupo inclui uma das maiores redes de supermercados do país, a Eroski, uma cooperativa de crédito e fabricantes que exportam seus produtos para todo o mundo.
"A Mondragón é um dos marcos do movimento da economia social por causa de sua escala. Ela mostra que é possível ser lucrativa e ainda ter objetivos sociais", disse Amal Chevreau, analista político do Centro de Empreendedorismo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico em Paris.
Em um mundo que enfrenta as consequências da ampliação da desigualdade econômica, as cooperativas estão ganhando atenção como uma possível alternativa ao padrão do capitalismo global. Elas enfatizam um propósito definidor: proteger os trabalhadores.
A pandemia tem destacado e agravado as armadilhas enfrentadas pelas empresas que visam maximizar o retorno dos acionistas. A paralisação de grande parte da economia mundial fez com que o desemprego aumentasse, ameaçando a capacidade dos trabalhadores de alimentar a família e de manter em dia os pagamentos do aluguel ou da hipoteca – especialmente nos Estados Unidos. Os pacotes de resgate do governo enfatizaram a proteção de ativos como ações e títulos, protegendo os investidores e deixando os trabalhadores vulneráveis.
Muitas grandes empresas têm distribuído grande parte de seus lucros aos acionistas sob a forma de dividendos e compras das próprias ações, fazendo elevar seu preço. Quando a pandemia chegou, muitas delas não tinham reservas para enfrentar uma recessão, o que levou seus gerentes a dar licença ou despedir trabalhadores para cortar custos.
As cooperativas foram criadas expressamente para evitar essas situações. Elas normalmente exigem que seus gestores invistam a maior parte dos lucros de volta para a empresa para evitar demissões em tempos de crise.
"Temos a filosofia de não demitir nosso pessoal. Queríamos que as pessoas não tivessem muitas preocupações", afirmou Antton Tomasena, executivo-chefe do Grupo Erreka.
No entanto, mesmo que as cooperativas sejam, cada vez mais, parte da discussão sobre como atualizar o capitalismo, permanecem confinadas às margens da vida comercial. São encontradas na Itália e na Bélgica. No norte da Inglaterra, a cidade de Preston promoveu as cooperativas como antídoto para uma década de austeridade nacional.
Em Mondragón, a origem das cooperativas remonta à crise advinda da Guerra Civil Espanhola no início da década de 1940, quando um padre, José M. Arizmendiarrieta, chegou à área com ideias pouco ortodoxas sobre aperfeiçoamento econômico.
Rico em minério, o País Basco é há muito tempo o cenário da indústria, especialmente da siderurgia, mas a maioria dos trabalhadores era mal paga. As pessoas normalmente começavam a trabalhar aos 14 anos e pouco progrediam.
Quando o padre procurou o dono de uma escola particular para falar sobre a possibilidade de abri-la a todos, sua ideia foi rejeitada. Então, ele iniciou a sua, hoje conhecida como Universidade Mondragón.
O padre via os princípios cooperativos como a chave para elevar o padrão de vida. Em 1955, convenceu cinco dos primeiros graduados do programa de engenharia local a comprar uma empresa que fazia aquecedores e administrá-la como uma cooperativa. Eles transformaram os trabalhadores em proprietários – parceiros é o termo usado –, com cada um tendo direito a voto em um processo democrático que determina os salários, as condições de trabalho e a parcela de lucros a ser distribuída a cada ano.
Ao longo das décadas, dezenas de outras cooperativas se estabeleceram, dominando a economia da cidade. Os negócios são autônomos, mas operam sob princípios compartilhados, especialmente o entendimento de que se alguém perde o emprego em uma cooperativa, pode assumir uma posição em uma das outras. Se não houver emprego, os parceiros têm direito a um treinamento profissional e ao seguro-desemprego por até dois anos.
Nos Estados Unidos, os principais executivos das 350 maiores empresas recebem cerca de 320 vezes mais do que o trabalhador típico, de acordo com o Instituto de Política Econômica, em Washington. Na Mondragón, os salários dos executivos são limitados a seis vezes o menor salário.
O nível mais baixo agora é de 16 mil euros por ano (cerca de US$ 19.400), que é maior do que o salário mínimo da Espanha. A maioria das pessoas ganha pelo menos o dobro disso, além de receber benefícios privados de saúde, participação nos lucros anuais e pensões.
Toda cooperativa contribui com um fundo coletivo de dinheiro que cobre o seguro-desemprego e a ajuda às cooperativas associadas que passam por dificuldades. Quando uma crise exige que se limite a produção, os trabalhadores continuam a receber normalmente, enquanto acumulam saldos de tempo de trabalho que a gerência pode aproveitar mais tarde.
Durante a primavera do Hemisfério Norte, como muitos dos clientes da Mondragón tiveram de fechar suas fábricas por causa da pandemia, os pedidos de peças caíram. A produção nas fábricas da Mondragón caiu para 25 por cento da capacidade. As cooperativas responderam com o corte de cinco por cento no salário. Ninguém ficou feliz com isso, mas a oposição foi mínima.
Desde então, quase todas as cooperativas estão de volta à capacidade quase total, já que os parceiros compensam as horas que ficaram parados quando as fábricas foram fechadas.
A Mondragón cita seu desempenho na pandemia como evidência de sua agilidade, além das vantagens operacionais da confiança que vem de um senso de propósito compartilhado. "Quando você explica a situação claramente, e quando as pessoas sabem que são as donas do negócio, você é capaz de fazer esse tipo de esforço", disse Iñigo Ucín, presidente da Mondragón Corp.
Para muitas das empresas multinacionais que tentam se adaptar à pandemia, os interesses dos acionistas e funcionários normalmente divergem. Os executivos continuaram a lucrar com a compensação baseada em ações, impulsionada por resgates públicos, mesmo nas empresas que recorreram a demissões.
Na Mondragón, os trabalhadores sabem que, como proprietários, se beneficiam de sacrifícios que fortalecem seus negócios.
"Isso é mais do que um trabalho. Isso é fazer parte de uma equipe", comentou Joana Ibarretxe Cano, gerente de produção do Grupo Erreka, cuja fábrica foi fechada durante todo o mês de abril.
Ela, que tem dois filhos, disse que se sentiu ansiosa quando a primeira onda da pandemia chegou – por sua família, pela equipe que supervisiona e pelo negócio. "Ninguém gosta de não poder ir trabalhar", observou.
Mas a forma como a empresa resistiu à crise reforçou sua fé nessa estrutura. Sua renda não foi afetada, mesmo quando a fábrica permaneceu fechada. "O sistema cooperativo nos dá tranquilidade", resumiu.