Viramos o jogo e estamos fortes, diz presidente da Central Nacional Unimed
Em entrevista a EXAME, Alexandre Ruschi fala sobre os investimentos da Unimed, o fortalecimento do cooperativismo e o foco na atenção primária
Mariana Desidério
Publicado em 10 de novembro de 2020 às 09h05.
Última atualização em 12 de novembro de 2020 às 10h08.
93,1%
A Central Nacional Unimed (CNU) luta para se manter na briga em um mercado de saúde cada vez mais competitivo. Fundada há 53 anos, o Sistema Unimed, do qual a CNU faz parte, é a maior associação de cooperativas médicas do país, com 345 cooperativas associadas, sendo que a CNU é a maior delas.
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Quando as Unimeds foram criadas, o setor de saúde não era foco de fundos de investimento, e as empresas do setor passavam longe da bolsa de valores. Agora o cenário é bem diferente. Empresas como o Grupo Notredame Intermédica e a Hapvida, com capital aberto, mantém um forte apetite para aquisições, chegando inclusive a mercados regionais dominados pelas Unimeds.
Porém, segundo o presidente da CNU, o cirurgião Alexandre Ruschi Filho, a venda das Unimeds é pouco provável. “Os beneficiários do sistema Unimed são objeto de desejo das operadoras. Mas sinto desanimá-los. As Unimeds estão super estruturadas, cada vez mais fortalecidas, vejo pouca possibilidade de isso [venda para operadoras] prosperar”, afirmou em entrevista exclusiva à EXAME.
Ruschi está à frente da CNU desde 2017. Naquele ano, a CNU teve sinistralidade de 89,4%, ante 93,1% em 2016. A receita em 2017 foi de 4,1 bilhões de reais. Em 2018, a receita foi para 5,6 bilhões de reais. Em 2019, 7,6 bilhões de reais. Os dados não consideram o efeito da resolução normativa 430 da ANS, que mudou as regras para provisões técnicas das operadoras de planos de saúde e impactou os balanços da CNU.
Em 2019, a sinistralidade foi de87,3% e atualmente está em 82%. A sinistralidade de empresas verticalizadas chega a 60%. Mas, segundo Ruschi, por ser uma cooperativa, a CNU deve permanecer nesse patamar. “A cooperativa tem remuneração melhor do que as operadoras, o médico é o dono da cooperativa, de forma que seu trabalho tem que ser bem remunerado”, afirma.
Um dos focos para a modernização da Unimed é o investimento em tecnologia e em atenção primária. Em 2019, a empresa investiu 70 milhões de reais em tecnologia para acelerar interações digitais com os beneficiários. Desde 2017, a CNU abriu sete unidades de atenção primária, com foco em fazer um acompanhamento mais próximo do paciente, evitando desperdícios e internações. Essas unidades já contam com prontuário eletrônico unificado, permitindo melhor acompanhamento do paciente no sistema. É um tema de atenção entre todas as operadoras do país.
Outra medida da gestão de Ruschi é fortalecer a relação entre CNU e as cooperativas da Unimed. "O sistema está super bem preparado para os desafios, está com novos modelos de atuação entre as próprias cooperativas e com políticas de gestão fortalecidas. A Central Nacional é excelente exemplo. De 2017 para cá ela virou o jogo completamente e vem apoiando e fortalecendo o sistema. Ainda temos muito espaço para crescer", diz.
Leia os principais trechos da entrevista:
O mercado de saúde suplementar está passando por transformações intensas. Vemos o crescimento das operadoras verticalizadas, a telemedicina, a maior preocupação a atenção primária e com a sustentabilidade do setor. Como a Unimed está lidando com isso?
Somos um sistema com 53 anos de existência, a gente está nessa caminhada mais do que o dobro do tempo que o setor é regulamentado, são 20 anos de regulação. Então o Sistema Unimed vem se adaptando às condições ao longo de sua vida
Antes éramos cooperativas de trabalho médico, com objetivo de desintermediar o trabalho do médico. Com o tempo, as relações do mercado evoluíram, criou-se a agência reguladora [ANS], e aí mudamos como cooperativa. Passamos a ser uma sociedade com reservas robustas, provisões, para podermos ir em frente.
No início fazíamos só a prestação de serviço, depois vimos a necessidade de ter infraestrutura e hoje temos a segunda maior infraestrutura do país, a primeira é a das Santas Casas. As Unimeds têm 125 hospitais pelos Brasil todo.
Depois vimos um interesse enorme no segmento de saúde como um ramo de negócio atrativo para o capital internacional, com fundos de investimento, empresas fazendo IPO, vemos aí a Rede D’Or preparando IPO, essa é a realidade atual.
E qual o momento da empresa agora?
Somos uma operadora de planos de saúde que detém 1,8 milhões de beneficiários e tem papel muito importante na socialização da medicina. Considerando todo o Sistema Unimed são 18 milhões de beneficiários.
O sistema Unimed é o único que ocupa 85% do território nacional, estamos em lugares onde ninguém está. Isso porque seu objetivo principal foi interiorizar o máximo possível, abrir oportunidades, um terço dos médicos do Brasil são cooperados das Unimeds. Somos mais de 300 cooperativas, vamos continuar sendo cooperativas, mas estamos fortemente imbuídos em discutir modelos de atenção à saúde, para entregar mais qualidade.
Na pandemia, os países mais organizados na atenção primária se comportaram muito melhor. Esse é um desafio e uma oportunidade. Por conta da nossa descentralização, temos oportunidade de dialogar com essas comunidades em um modelo cuja base é a atenção primária. Nosso modelo ainda é baseado na atenção secundária e terciária.
Antes de pandemia, em 2017, quando assumimos, esse foi um dos eixos estratégicos, a mudança para o modelo de saúde integral com base na atenção primária. Também temos o foco em estruturar melhor o modelo cooperativo, com arranjos que nos permitam ser mais eficientes.
Quais foram os principais desafios que enfrentou desde que assumiu?
Em relação à operação da Central, qualificação de processos, com adoção de tecnologias contemporâneas. Também a qualificação do relacionamento com as associadas.
Todos passam por momentos difíceis. Temos uma engenharia de sistema complexa. No nosso modelo, cada cooperativa tem autonomia administrativa, mas temos regras de integração para garantir a sustentabilidade do sistema, temos protocolos rígidos que foram aperfeiçoados ao longo dos anos, posso garantir que o sistema está muito robusto e por isso é objeto de desejo de muitos. É o maior sistema de cooperativas do mundo.
Vamos continuar como cooperativas, mas buscando formas de melhorar nossa eficiência, para entregar mais e acompanhar a evolução da racionalidade. A Central Nacional Unimed tem um custo administrativo dentro de uma gestão moderna, temos uma disciplina de gestão voltada para isso. O Brasil precisa aprender mais sobre o cooperativismo que dá certo.
O foco na atenção primária tem sido visto como uma saída importante para garantir a saúde financeira das operadoras de saúde. Qual a importância disso para vocês?
Não é esse o foco principal. Existe desperdício na saúde, é fato, porque é um modelo que oportuniza o desperdício, é um acesso desorganizado. O fundamental é a coordenação do cuidado, ter alguém que oriente o paciente, como se fosse seu coach. Com isso vamos ter mais qualidade na entrega, as pessoas serão melhor atendidas. Quem é acompanhado na atenção primária em geral interna muito menos.
Como vocês têm avançado no uso de tecnologia na Unimed?
A partir de 2017 fizemos um robusto projeto de qualificação e evolução tecnológica, investimos em analytics, inteligência artificial e segurança. Estamos usando inteligência artificial em processos como autorização de procedimentos, agendamento de consultas. Em 2019 investimos 70 milhões de reais em tecnologia para acelerar as interações digitais, inclusive na área comercial, entregando formas de contratação menos burocráticas para os clientes. Isso nos ajudou muito a enfrentar a pandemia.
Um avanço importante na pandemia foi o da telemedicina. Como estão usando essa ferramenta?
Ainda estamos na expectativa de uma regulamentação. Entretanto, estamos firmes no uso da telemedicina nas nossas estruturas próprias de atenção primária. Recentemente incorporamos o atendimento pediátrico no modelo de teleconsulta. Não vai dar para recuar, todas operadoras entendem que é importante. Até agora fizemos mais de 30 mil teleatendimentos e teleconsultas, usando em parte tecnologia própria, em parte tecnologia de parceiros. Ainda vemos ônibus que chegam ao Hospital das Clínicas com pessoas vindas de outras cidades, às vezes só para validar o uso de um medicamento receitado antes. É o tipo de situação em que a telemedicina é muito útil.
Como foi o desempenho em 2019, e como devem fechar 2020, considerando o cenário de pandemia?
A Central Nacional Unimed teve receita de 7,6 bilhões de reais em 2019, 35% superior ao registrado em 2018. Isso se deve a um momento importante de crescimento devido ao desempenho comercial mas também por que assumimos a operação de planos de quatro Unimeds da Bahia.
Em 2020, o cenário ainda é difícil, tivemos um momento de enorme preocupação de dar sustentabilidade à operação. Agora estamos com a retomada quase plena, outubro já equivale ao início da pandemia, do ponto de vista de retorno das atividades.
Estamos preocupados com o desemprego, esse é um setor sensível à empregabilidade, pois a maior parte dos beneficiários são de planos corporativos, então ainda é difícil de fazer previsões. Tivemos esse momento inicial, em que muitos incentivos surgiram e as pessoas mantiveram seus compromissos com os planos de saúde, agora, quando os incentivos desaparecerem vamos ver o que vai acontecer.
Vocês tiveram perda relevante de carteira nesse período?
Não tivemos perda de carteira, felizmente tivemos estabilidade na manutenção dos beneficiários, no primeiro semestre tivemos um crescimento de 2% na carteira.
Pretendem adotar medidas para reduzir mais a sinistralidade?
Quando assumimos, a sinistralidade era de 93,1%, trouxemos para 82%, o que é compatível com nossa atividade como cooperativa. Entendemos que ela pode mudar um pouco, melhorando controles e parcerias com prestadores, mas a realidade nas cooperativas é bastante diferente. A remuneração do médico é fundamental para ter estabilidade na cadeia produtiva, a cooperativa tem remuneração melhor do que as operadoras, o médico é o dono da cooperativa, de forma que seu trabalho tem que ser bem remunerado.
E há planos para oferecer planos mais baratos, considerando o cenário de crise?
A convicção que temos nesse momento, que agrega valor ao beneficiário, é no modelo com base na atenção primária. O beneficiário passa a ter um cuidado coordenado, um histórico centralizado através de um prontuário eletrônico, evita exames desnessários. Isso no médio e longo prazos representa a oportunidade de ter custos menores na saúde, porque evita os desperdícios, é nisso que que estamos investindo enormemente.
Hoje nesse modelo temos clínicas de atenção primária em diversos locais em São Paulo, desde 2017 foram abertas sete clínicas e todas estão com prontuário integrado. Até 2021 a meta é ter treze unidades. O que falta é a integração com hospitais e especialistas. Estamos também, com várias campanhas para o beneficiário, todo mundo está falando sobre esse assunto, o que faz com que a sociedade adquira essa cultura de buscar a atenção primária.
Quais investimentos vocês preveem para os próprios anos?
Continuar e tornar mais robustos nossos investimentos em estrutura de atenção primária, continuar a agenda de evolução digital, para que seja elemento de apoio para interação com beneficiários de forma mais robusta, fortalecer a comunicação com as Unimeds regionais, com novos modelos de atendimento que possam qualificar a jornada do cliente e investir em novos modelos de remuneração junto aos prestadores para ter remuneração baseados na entrega de valor.
O setor de saúde passa por um período forte de consolidação. E as Unimeds são potenciais alvos desse processo, por serem fortes regionalmente. Como vê essa possibilidade?
Os beneficiários do sistema Unimed são objeto de desejo das operadoras. Mas sinto desanimá-los. As Unimeds estão super estruturadas, cada vez mais fortalecidas, vejo pouca possibilidade de isso [venda para operadoras] prosperar. A história mostra isso. Até hoje só tivemos um caso, que foi a venda da Unimed ABC para o GNDI. O sistema está super bem preparado para os desafios, está com novos modelos de atuação entre as próprias cooperativas e com a Central Nacional Unimed, com políticas de gestão fortalecidas e também do ponto de vista de econômico-financeiro, A Central Nacional é excelente exemplo. De 2017 para cá ela virou o jogo completamente e vem apoiando e fortalecendo o sistema. Ainda temos muito espaço para crescer.
*O texto informava que a sinistralidade em 2019 era de 81,9%. O dado correto é que a sinistralidade no período foi de 87,8% e atualmente está em 82%. O texto foi corrigido.