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Uma piada pôs fim ao inferno astral da Tesla?

Uma série de más notícias que parecia interminável levou a Tesla a perder 20% de seu valor em março. Aí veio uma piada… e parece que deu certo

ELON MUSK: existe uma startup com a qual nem o bilionário por trás da tesla e da SpaceX gostaria de se envolver (Joe Skipper/Reuters)

ELON MUSK: existe uma startup com a qual nem o bilionário por trás da tesla e da SpaceX gostaria de se envolver (Joe Skipper/Reuters)

DR

Da Redação

Publicado em 7 de abril de 2018 às 08h29.

Última atualização em 7 de abril de 2018 às 11h32.

Tem gente que perde um amigo, mas não perde a piada. Mas quanta gente está disposta a perder o negócio para não perder uma piada? Pode colocar o bilionário sul-africano/americano Elon Musk na lista.

Ao final do pior mês para as ações da sua companhia de automóveis elétricos nos sete anos desde que ela se tornou uma empresa aberta – uma queda de 22% do seu valor de mercado, que fechou março em 45 bilhões de dólares – ele postou no Twitter uma brincadeira de Primeiro de Abril, dizendo: “apesar dos intensos esforços para levantar dinheiro, incluindo uma última tentativa de venda em massa de ovos de Páscoa, nós tristemente anunciamos que a Tesla entrou em completa e total falência”. E completou: “Ela está tão falida que você não vai acreditar.”

Era obviamente uma piada, mas veio em hora especialmente sensível: depois de uma semana de duras críticas à companhia, durante a qual ele guardou um silêncio completo. Poucas horas antes, Musk anunciara que faria “importantes revelações”. Para completar a piada, postou uma foto de si próprio, desmaiado, com os dizeres: “Elon foi encontrado desacordado perto de um Tesla Modelo 3, cercado de garrafas de ‘Teslaquila’, a marca de lágrimas secas ainda visível em suas faces”.

A semana infernal para as ações da Tesla foi provocada por vários fatores. Primeiro, o que já está virando tradicional para a empresa: o temor de que ela não conseguirá cumprir seus prazos de produção, o que leva a constantes rumores sobre o estado de suas finanças.

Disso decorreu o segundo fator: a agência de análise de riscos Moody’s baixou a nota da empresa de B2 para B3 – o sexto nível do inferno (vá lá, purgatório) da ausência de grau de investimento, também conhecido como grupo dos junk bonds (títulos sucata).

Não contente em baixar a nota, a Moody’s ainda fez uma previsão nada alvissareira. Disse que a Tesla corria um sério risco de ficar sem dinheiro até o final do ano, e precisaria levantar cerca de 2 bilhões de dólares.

Para completar o inferno astral, o sistema de direção assistida dos carros da Tesla está sob suspeita, depois da segunda morte de um motorista que dirigia em modo semiautomático, no dia 23 de março numa estrada da Califórnia.

Um dia antes da piada de Musk, a Tesla soltou um comunicado confirmando que o motorista, Wei Huang, de 38 anos, passou seis segundos sem as mãos no volante de seu Modelo X. O carro bateu numa mureta de proteção que estava sem proteção, por não ter sido arrumada após uma batida anterior, e pegou fogo.

“O motorista recebeu vários avisos visuais e um sonoro” para assumir a direção do carro, disse a Tesla. Ele teria tido “cerca de cinco segundos e 150 metros de visão não obstruída” da barreira de concreto, “mas os registros do veículo mostram que nenhuma ação foi tomada”.

A Tesla foi extremamente inovadora ao lançar seu sistema de Autopilot. A empresa afirma que ele pode liberar o motorista quase completamente, mas não está ativado para isso, por questões regulatórias e pela falta de testes suficientes. Por enquanto, o que ele faz é manter o carro a uma distância fixa do carro da frente e evitar colisão com objetos que se movam (a detecção de objetos fixos tornaria o sistema demasiado neurótico, ao passar por caçambas ou caminhões estacionados).

Enquanto não se torna totalmente automático, o sistema exige a atenção do motorista. Para garanti-la, ele emite um aviso no painel quando a pessoa tira as mãos do volante por muito tempo. Se esse aviso for ignorado o sistema emite um aviso sonoro. Se o motorista ainda assim não atender às solicitações, o carro acende o pisca-alerta e reduz a velocidade até parar. No caso do dia 23, não deu tempo.

O problema desse sistema, segundo vários críticos, é que os seres humanos costumam perder a atenção quando não estão no controle. A própria facilidade de guiar, portanto, seria um fator de risco. Mais ou menos como acontece com aviões: os sistemas de pilotagem automática avançaram tanto que, em diversos desastres documentados, na hora de uma emergência os pilotos estão despreparados.

Ainda assim, os sistemas de direção assistida – a Tesla já não é mais a única fabricante a colocá-los em seus carros – estão sendo considerados, de modo geral, um avanço para a segurança humana.

Pelo menos esta foi a conclusão da NHTSA, a agência que cuida da segurança de trânsito nas estradas nos Estados Unidos, depois do primeiro acidente fatal, na Flórida, em maio de 2016. Na ocasião, a NHTSA afirmou que o sistema não apresentou defeito (ou seja, a culpa teria sido do motorista). E acrescentou que o número de acidentes havia caído em 40% nos carros da Tesla equipados com a direção assistida.

No comunicado de 30 de março, a Tesla lembrou dessa conclusão, afirmando que os números de segurança estavam ainda melhores agora. Segundo a empresa, nos Estados Unidos há um acidente fatal a cada 86 milhões de milhas percorridas em qualquer veículo; para carros equipados com Autopilot, a taxa é de uma fatalidade a cada 320 milhões de milhas percorridas. Ou seja, uma redução de 73% no número de acidentes fatais.

Mas outra agência que cuida de segurança no trânsito, o comitê nacional de segurança nos transportes (NTSB, na sigla em inglês), foi bem menos simpático com a companhia. Em 2016, a NTSB disse que a Tesla era parcialmente culpada por vender um sistema tão fácil de ser mal utilizado. E no início de abril ela se declarou “insatisfeita” com a divulgação de detalhes do acidente pela Tesla antes da conclusão das investigações.

Quantidade x qualidade

Por mais que uma desconfiança acerca dos sistemas automáticos represente um potencial problema para a Tesla, a grande questão atual não é sobre qualidade, mas sobre quantidade.

Na primeira semana de abril, a companhia refutou a análise da Moody’s, dizendo que construiu 2.020 unidades de seu Modelo 3, o mais barato de sua linha de montagem, nos sete últimos dias de março. E que este número seria repetido na primeira semana de abril, para em seguida começar a aumentar durante todo o segundo trimestre do ano.

“A Tesla continua a ter uma meta de produzir aproximadamente 5.000 unidades por semana dentro de cerca de três meses, assentando as bases para um terceiro trimestre com a esperada combinação ideal de alto volume, boa margem de lucro e forte fluxo de caixa positivo”, diz o comunicado.

Com essa evolução, a empresa afirma que não vai precisar se financiar por dívida nem por venda de ações, apenas usar as linhas normais de crédito.
O duro é acreditar.

Como afirmou Liam Denning, colunista da Bloomberg especializado em energia, atingir uma meta que foi mudada tantas vezes que praticamente já perdeu o significado do termo vai provar o quê?

Mais desconfiança ainda vem da maneira como a Tesla parece estar perseguindo a meta. Em mensagens internas, os chefes de engenharia da companhia exortaram os trabalhadores a “provar que os inimigos estão errados”. O apelo a uma motivação extra e o deslocamento de alguns funcionários de outras linhas de produção para elevar a produção do Modelo 3 sugerem um esforço amadorístico, não uma melhora consistente no nível de produção.

A empresa, no entanto, diz que sanou problemas de logística e fornecimento, e por isso está sendo capaz de entregar mais carros.

Essa é a questão crucial para o futuro da Tesla porque o Modelo 3, seu primeiro carro para a classe média, com um preço de 35.000 dólares na versão básica, é o produto que pode fornecer escala para transformar uma companhia de nicho em uma grande montadora.

Em termos de marketing, Musk fez tudo certo. Lançou os modelos S e X, de luxo, os primeiros elétricos com autonomia suficiente para desbancar o até então prevalente modelo híbrido, e ainda por cima com avanços tecnológicos de sonho – como o sistema de direção assistida, vários passos adiante no caminho de um carro que dispensa o motorista.

Esses modelos de luxo capturaram o imaginário popular a tal ponto que no lançamento do Modelo 3, em 2016, havia uma lista de espera de 325.000 compradores potenciais, que em pouco tempo subiu para 500.000.

Só que a prometida entrega de 20.000 carros por mês está demorando demais para se estabelecer. Mesmo a atual promessa de 2.500 carros carros por semana, no próximo trimestre, está bem aquém da meta original.

Está, porém, muito acima dos perto de 800 carros produzidos na última semana do ano passado. E bem acima do primeiro trimestre deste ano (a empresa disse ter produzido quase 9.800 carros entre janeiro e março).

A Tesla já admitiu até que houve algumas desistências de potenciais compradores do Modelo 3.

Para dar uma ideia do tamanho do desafio, se a Tesla atingir essa nova meta terá dobrado de tamanho, em termos de número de carros produzidos. E, contando com os pedidos já feitos, o Modelo 3 se tornaria o carro elétrico mais vendido do país – com uma participação de mercado maior do que a do Leaf (Nissan), do i3 (BMW), do E-Tron (Audi), do Bolt e do Volt (GM) todos juntos.

É isso o que justifica um valor de mercado de 45 bilhões de dólares para a Tesla. Mais do que a Ford (37 bilhões), quase tanto quanto a GM (53 bilhões de dólares). Ela está avaliada como uma grande fabricante de carros. Só falta ter os carros.

Um novo Henry Ford?

Se os problemas forem resolvidos, Musk é candidato a se tornar o Henry Ford do século 21. Mas isso pode ser uma maldição, não um elogio. Ford extraiu uma eficiência inédita para a época com sua linha de montagem.

Porém, hoje não se joga mais o jogo de Henry Ford. A Toyota mudou as regras. Ford costumava lançar carros rapidamente, e com o tempo ia acertando os detalhes. Nos anos 1970, a Toyota demonstrou que fazer certo da primeira vez, eliminando desperdícios e prestando atenção minuciosa a detalhes da produção, era uma estratégia mais barata na ponta de saída e mais benéfica para a marca na ponta do consumidor.

Musk já disse que não se interessa pelo sistema da Toyota. Mas não tem, pelo menos até agora, uma alternativa à altura – pelo menos não para a escala que ambiciona alcançar.

O que a Tesla tem é uma crescente frota de equipes de serviço que vão até a casa do cliente para reparar qualquer defeito nos carros. Esse serviço, hoje com 230 carros, dá uma sensação de atendimento personalizado que eleva a satisfação do consumidor. Mas não ter o problema é melhor do que ter um conserto satisfatório.

Isso ficou claro com o recall de 123.000 carros do modelo S construídos antes de abril de 2016. O motivo é quase uma bobagem: a empresa notou que um parafuso da direção automática enferruja com mais facilidade do que deveria, somente nas regiões mais frias, onde se coloca sal na estrada (para evitar a formação de gelo).

O defeito não provocou nenhum acidente. O máximo que acontece, diz a Tesla, é a direção ficar mais dura, na hora de estacionar.

Ainda assim, é um recall. E afeta a imagem da empresa, que já teve outros dois grandes recalls em três anos (90.000 carros com defeito no cinto de segurança em 2015, 53.000 com problema no freio de estacionamento no ano passado). Ainda mais numa semana em que tudo parecia dar errado.

Não faltou nem mesmo um processo contra Musk. No dia 28 de março, um juiz ordenou o prosseguimento de uma ação de classe de acionistas da Tesla contra Musk – que é CEO e principal acionista da empresa. Eles criticam a compra da SolarCity, no ano passado, por 2,6 bilhões de dólares.

A razão para a compra, segundo a Tesla, é verticalizar a produção. A SolarCity entregaria as baterias usadas nos carros.

Ocorre, porém, que Musk foi o fundador da SolarCity, era seu principal acionista… e a empresa estava em sérias dificuldades. Com o negócio, Musk converteu 500 milhões de dólares de ações da SolarCity em ações da Tesla.

A potência do carro elétrico

A semana seguinte parecia seguir a mesma toada. Analistas do Deutsche Bank divulgaram sua expectativa de que a Tesla não atingiria a meta de produção do Modelo S no primeiro trimestre. Até um dos analistas mais pró-Tesla, Romit Shah, da Instinet, referiu-se a problemas de produção e baixou seu preço alvo da ação da Tesla de 500 para 420 dólares.

Mas aí veio a virada. Primeiro, alguns analistas reagiram, dizendo que uma entrega de 2.000 veículos por semana, embora aquém da meta de 2.500, era bem melhor do que se esperava em Wall Street – e demonstrava um claro progresso em relação ao ritmo de produção do início do ano.

“Embora pareça formar-se uma tempestade perfeita sobre as ações, nós somos compradores ao passo que a produção do Modelo 3 aumente”, afirmou Ben Kallo, um analista da firma Robert W. Baird.

Mesmo a piada de Primeiro de Abril foi largamente ignorada. E na primeira semana de abril as ações subiram cerca de 20%.

Na terça-feira, 3, o Modelo 3 se tornou oficialmente o carro elétrico mais vendido dos Estados Unidos, no primeiro trimestre. A Tesla vendeu 8.180 carros, ante 6.468 Prius Prime, da Toyota, e 4.375 Bolts, da GM.

Fechando duas semanas com entregas de mais de 2.000 carros por semana, a Tesla parece mostrar que resolveu o gargalo da entrega de baterias em sua fábrica no estado de Nevada.

Dada esta recuperação, nem parece assim tão absurda a aprovação do novo pacote de remuneração de Musk, pelos acionistas da Tesla, no dia 21 de março. Ele vai ganhar 2,6 bilhões de dólares em opções de ações, caso a empresa cumpra seu objetivos de receita e lucro no prazo de dez anos.

Neste caso, a Tesla terá cumprido, segundo o conselho de administração, “sua missão de levar à transição do mundo para uma energia sustentável”.

E será uma companhia de 650 bilhões de dólares.

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