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Uma bebida de instinto selvagem

Jardel Sebba Ao lado do show do Alceu Valença e do refrão de Baile de Favela, um dos ícones do ascendente carnaval paulistano deste ano foi a Catuaba Selvagem. Barata, razoavelmente palatável (não esqueçamos de experiências anteriores, como a do vinho químico), doce e com a promessa de aumentar o vigor sexual, a bebida parecia […]

CATUABA SELVAGEM: com o sucesso pós-carnaval, a produção vai chegar a 26 milhões de litros este ano / Divulgação
DR

Da Redação

Publicado em 6 de agosto de 2016 às 08h13.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h25.

Jardel Sebba

Ao lado do show do Alceu Valença e do refrão de Baile de Favela, um dos ícones do ascendente carnaval paulistano deste ano foi a Catuaba Selvagem. Barata, razoavelmente palatável (não esqueçamos de experiências anteriores, como a do vinho químico), doce e com a promessa de aumentar o vigor sexual, a bebida parecia perfeita para os dias de folia. Mas o sucesso foi tão arrebatador que a garrafa com a imagem de um homem musculoso tomando uma mulher com estilo de guerreira nos braços praticamente consolidou, passados seis meses, uma nova classe de bebidas.

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O sucesso é novidade, a Catuaba Selvagem, nem tanto. E a sensualidade está na gênese da bebida: ela nasceu em 1992, inspirada por Instinto Selvagem, o clássico filme com Michael Douglas e Sharon Stone. “A trama serviu de inspiração para a escolha do nome e de toda a aura de sensualidade que a envolve. Entendendo a embalagem como primeira e mais importante peça de comunicação, procuramos o Benício”, conta Mozart Rodrigues, sócio e diretor do grupo Arbor Brasil, proprietário da marca. “Com habilidade, ele conseguiu imprimir ao rótulo o posicionamento da marca, e o resultado foi uma ilustração icônica que é a própria identidade do produto.” De fato, a escolha foi uma enorme bola dentro. O desenho de José Luiz Benício, um dos mais celebrados ilustradores brasileiros, passa imediatamente a mensagem de sensualidade da marca e empresta nobreza à bebida.

Mas e dentro da garrafa? Segundo o fabricante, lá está exatamente o que vem descrito no rótulo: uma bebida à base de vinho tinto, enriquecida com extrato de Catuaba, Marapuama e Guaraná. Ao longo dos vinte e quatro anos de história, a receita sempre foi a mesma, só a garrafa mudou. “O formato da garrafa passou a integrar um ritual. Os jovens usualmente consomem a Selvagem servida na boca, por outra pessoa ou por si mesmo, diretamente da garrafa”, conta Rodrigues a respeito do grupo de apreciadores da bebida, carinhosamente apelidado de “catulovers”. “Uma das características mais cativantes da Selvagem é ser uma marca absolutamente democrática, consumida por diversos públicos, de todas as classes, de todas as idades. Nos orgulhamos de estarmos presentes e sermos aceitos em pontos de dose espalhados por todo o país, ao mesmo tempo que marcamos presença em festas universitárias, eventos sofisticados, festas populares e manifestações culturais”, regozija-se Rodrigues, refutando uma impressão de especialistas do mercado de que a bebida atende um público mais jovem e pouco sofisticado.

Branca é a tez da manhã

Convenhamos que, depois de certa idade, tornam-se mais escassas as oportunidades de beber de acordo com o ritual descrito por Rodrigues, e muito popular em festas universitárias, além de ser natural que se caminhe na direção de universos etílicos mais complexos. Mas, sejam quem forem os consumidores, eles têm consolidado um mercado cada vez mais aquecido e, em breve, internacional. “Este ano atingiremos um volume recorde de produção e venda da Catuaba Selvagem, cerca de 26 milhões de litros. A distribuição é nacional, e estamos conduzindo um projeto de internacionalização bem estruturado da marca Selvagem, que se encontra em fase de estudos mercadológicos nos Estados Unidos”, conta Rodrigues. Tão aquecido que a bebida ganhou uma versão com açaí poucos meses atrás. “Existe a tendência de o catulover misturar a Selvagem com outros produtos. A tendência mais forte do universo das bebidas em todo o mundo e em várias categorias é a flavorização, ou seja, explorar a diversificação de sabores”, analisa Rodrigues.

O crescimento da produção este ano tem sido em torno de 40%, e a Catuaba Selvagem é hoje responsável por metade do lucro do grupo Arbor Brasil. Com duas unidades industriais, uma em Teresópolis, na serra fluminense, e outra em Flores da Cunha, no Rio Grande do Sul, a empresa produz, entre outros, a sangria Cantina da Serra, o Syn Ice e a cerveja Therezópolis. A unidade gaúcha processa a uva e a vinifica, enquanto a fluminense elabora e envasa os produtos e serve de centro de distribuição e de base administrativa do grupo.

“O ano de 2015 está representando uma importante quebra de paradigma para a Arbor Brasil: se já tínhamos construído nossa expertise industrial ao longo de nossa história, pela primeira vez testamos um enfoque mais voltado para a gestão e construção de marcas”, conta o executivo e sócio, que, diante da nova realidade, contratou uma agência de comunicação, a Probrasil, de Belo Horizonte, como parceiro estratégico para desenvolver um posicionamento para a marca principal. “Como resultado, o desempenho excepcional da Selvagem este ano minimizou as dificuldades criadas a partir da retração do consumo no Brasil”, comemora Rodrigues.

Catuaba Selvagem virou ícone mas, como é de se esperar nesse tipo de fenômeno, não está nadando sozinha no sucesso. Ainda que os estudiosos no assunto tenham dificuldade em classificá-la (e bastante preconceito a respeito), a bebida criou um nicho próprio. No site da paulistana Imigrantes Bebidas, uma das lojas mais completas do país, Catuaba já é uma categoria e nela há outras três marcas à venda, a Duelo, a Randon e a Virtude. Todas muito, digamos, inspiradas na marca principal em termos de visual, com preços um pouco menores (a garrafa de um litro da Catuaba Selvagem custa em torno de 12 reais).

Só o amor constrói

Um dos pilares do sucesso da Catuaba Selvagem é o seu suposto poder afrodisíaco. No campo da ciência, esse é um terreno pantanoso. Estudando sobre ostras dez anos atrás, ouvi de importantes nutricionistas e nutrólogos que afrodisíaco, à luz da razão, não existia. Desde então, respeitáveis vozes divergentes apareceram, mas muito se confundiu e pouco se informou a respeito. Um estudo da Universidade Jamia Hamdard, de Nova Déli, na Índia, indicou estudos comprovados em seres humanos com elementos como o açafrão e o ginseng. Não custa lembrar que cientistas são como críticos musicais: adoram alardear algo que só eles sabem para renegá-lo quando fica popular.

A fama de afrodisíaca foi herdada pela Catuaba, mas é originalmente da catuaba, a planta que é um dos elementos da bebida. Segundo a Enciclopédia Agrícola Brasileira, livro de referência no assunto, catuaba é o nome vulgar da árvore que habita matas pluviais da encosta atlântica, da Bahia a São Paulo. Tanto ela quanto os outros elementos da bebida composta, o guaraná e a marapuama, estão em qualquer lista dos chamados estimulantes naturais, o que não é necessariamente sinônimo de afrodisíaco. “Apesar de existirem evidencias científicas de que os ingredientes que utilizamos têm propriedades afrodisíacas, estas características não fazem parte de nosso discurso de marca”, desconversa Mozart Rodrigues. Claro, a sexualidade humana é complexa o bastante para desconfiarmos de soluções simples. Além disso, sabemos que o cérebro é o principal órgão sexual: se você acredita que é afrodisíaco, muito provavelmente será.

Você não vale nada, mas eu gosto de você

A festa pode estar animada, mas o mercado indica o caminho inverso ao percorrido pela Catuaba. “Houve uma grande oportunidade em bebidas de maior valor agregado, e esse movimento tende a se manter até o final do ano”, diz o presidente executivo da Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), José Augusto Rodrigues da Silva. Segundo ele, quem tem crescido mesmo no país, tanto em volume quanto em valor, são os seguimentos premium e superpremium. “A tendência aponta o foco no consumidor menos vulnerável à conjuntura econômica, o que pode se tornar importante alternativa para a indústria, com ações direcionadas e produtos especiais”, completa Silva.

Além de estar na contramão da tendência, a Catuaba pode ser responsável por 50% do lucro do grupo Arbor Brasil, mas representa menos de 1% do consumo de bebida alcoólica no país. “O mercado brasileiro de bebidas é composto pelo segmento de cervejas, que ocupa quase 90% do volume; entre os demais segmentos, cerca de 10%, a cachaça representa 70% do volume”, completa o presidente executivo da Abrabe, que avalia que o grande crescimento do mercado nacional nos próximos anos deve estar nas microcervejarias. Hoje estimadas em cerca de 280 e concentradas especialmente nas regiões sul e sudeste, elas devem dobrar a representação atual, em torno de 1% do setor cervejeiro nacional.

Tendência ou não, a Catuaba Selvagem parece não se incomodar com o mercado e continuar curtindo intensamente a festa de popularidade na qual entrou este ano. “Apesar da tendência ser certamente bem fundamentada, no caso da Selvagem houve um fenômeno incomum: a marca foi adotada por pessoas de diferentes condições sociais, de diferentes idades, de diferentes hábitos” repete Mozart Rodrigues. “Mas o que há em comum nestas pessoas tão diferentes?”, pergunta o executivo. “Todas querem se divertir e aliviar as tensões do dia a dia. Afinal, pecado é não ser feliz!” Seja qual for o pecado, com certeza o sócio da Arbor Brasil tem experimentado uma fantástica multiplicação de fiéis.

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