Negócios

Um pé no consumo

Para continuar a ser um dos maiores grupos do país, a Camargo Corrêa toma o caminho da diversificação. Mais sandálias, tênis e jeans. Menos cimento. Qual a lógica?

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

Nos 55 anos em que esteve sob o comando de seu fundador, o empresário paulista Sebastião Camargo, o grupo Camargo Corrêa cresceu focado basicamente em um negócio: a construção pesada, sobretudo de hidrelétricas e de estradas. Outros negócios, como cimento, metais e têxteis, representavam menos de 10% das receitas do conglomerado, então formado por mais de 30 empresas. A morte de Camargo, em 1994, marcou o início de um novo momento para os negócios. Começava ali uma estratégia de diversificação, reforçada nos últimos anos.

Em 2003, um terço dos 7,3 bilhões de reais previstos para a receita total da Camargo Corrêa virá da produção de artigos de consumo por parte de companhias controladas pelo grupo. Mais especificamente dos calçados e do material esportivo produzidos pela Alpargatas e dos tecidos fabricados pela Santista Têxtil e pela Jauense. Com participação de 24% no faturamento, a construção pela primeira vez cede o lugar de locomotiva da Camargo Corrêa.

É uma novidade e tanto para um grupo que ainda carrega a imagem -- nem sempre positiva -- de uma típica empreiteira. "Continuarmos sendo vistos como uma construtora em nada nos desmerece, mas incomoda", diz Raphael Nogueira de Freitas, de 63 anos, presidente do conselho de administração da holding Camargo Corrêa. "Faz tempo que estamos em outros negócios e que somos um dos grandes grupos empresariais brasileiros." Grande e lucrativo. No ano passado, mesmo com o ambiente político instável e a economia andando de lado, a Camargo Corrêa obteve um lucro superior a meio bilhão de reais (veja quadro na página 54). O retorno sobre o capital empregado, embora tenha caído em relação aos 17% obtidos em 2001, ainda ficou em 11%, índice bem superior à média de 0,8% das 500 maiores empresas do país, segundo o anuário Melhores e Maiores. Neste ano de economia ainda mais contraída, a previsão dos executivos da Camargo Corrêa é alcançar um lucro da ordem de 350 milhões de reais.

O que a construção de barragens e túneis tem a ver com a manufatura de sandálias Havaianas? Na prática, nada. Mas, na visão dos acionistas e dos executivos do conglomerado, não existe incompatibilidade na atuação em frentes tão diferentes. "Estamos apostando numa tendência de melhoria da renda e de crescimento do consumo popular no Brasil", diz Luiz Roberto Ortiz Nascimento, de 52 anos, um dos genros de Sebastião Camargo e vice-presidente do conselho de administração do grupo. "Escolhemos áreas de produtos de massa nas quais o país tem vantagem comparativa para exportar." A lógica da diversificação também passa pela tentativa de dar maior equilíbrio aos negócios e evitar baques consideráveis nos resultados. "Os ciclos são diferentes", diz Freitas. "Enquanto um setor está retraído, o outro pode ir bem." Ou seja, se os projetos em energia não saem do papel, as vendas de sandálias e tênis da Alpargatas podem compensar.

A decisão de aumentar a aposta em bens de consumo foi tomada no ano passado, após exaustivo processo de discussão de sete meses, apoiado pela consultoria McKinsey. Entraram na pauta a revisão da estratégia de diversificação que já estava em andamento e a fixação de novos objetivos. O crescimento anual do grupo teria de ficar pelo menos 13% acima da inflação. A taxa de retorno sobre o capital não poderia ficar abaixo dos 15%. A pretensão é que a Camargo Corrêa triplique o seu tamanho até 2012, alcançando faturamento equivalente a 18 bilhões de reais.

Definidas as metas, o grupo partiu rapidamente para a execução. O primeiro lance foi comprar por 56 milhões de reais a participação do Bradesco na São Paulo Alpargatas. Com a operação, ampliou de 38% para 61% sua fatia no capital da maior empresa brasileira de sandálias e calçados esportivos. A posição de líder da Alpargatas foi determinante para o negócio. Na revisão estratégica, ficou estabelecido que a Camargo Corrêa ficará somente em negócios em que possa ser uma das três maiores do mercado. Atualmente, cumprem o requisito as operações em energia, construção pesada, concessão de estradas, têxteis e calçados. No setor elétrico, a Camargo Corrêa é sócia do Bradesco e da Votorantim na VBC, controladora da maior geradora e distribuidora de capital nacional, a CPFL Energia. Em construção, é a maior em obras de barragens. Na exploração de rodovias é sócia da CCR, a maior holding do setor, administradora da Nova Dutra, AutoBan, Rodonorte, Via Lagos e Ponte Rio Niterói. A Essencis, sociedade da Camargo Corrêa com o grupo francês Suez, é a maior empresa de tratamento de resíduos do país.

Um dos negócios hoje na berlinda é o de cimento. A aposta mais forte nesse setor aconteceu em 1997, com a aquisição da Cauê por 300 milhões de reais. Logo depois, mais 200 milhões foram investidos numa fábrica no sul de Minas Gerais, inaugurada no ano passado. Mesmo com 7,9% no mercado nacional, o grupo está longe dos líderes Votorantim e João Santos, donos de 42% e 12% de participação, respectivamente. "É difícil crer que o grupo possa crescer por ganho de participação", diz Giovanni Fiorentino, consultor da Bain. "Uma alternativa seria a aquisição de um concorrente."

No setor têxtil, de um só golpe, a Camargo Corrêa ascendeu ao topo do ranking. A presença do grupo no ramo remonta a 1949, quando Sebastião Camargo fundou em sua cidade natal, Jaú, no interior paulista, a Companhia Jauense, hoje dona de 15% do mercado nacional de tecidos coloridos para jeans. A posição foi reforçada em junho deste ano, quando a Camargo Corrêa e a Alpargatas assumiram, por 210 milhões de reais, o controle da Santista Têxtil, até então partilhado com o grupo Bunge e o Bradesco.

Em paralelo à redefinição dos negócios, o grupo vem mudando a gestão. "Surgiram novas demandas, que vão da organização do processo decisório à criação de um sistema de governança corporativa", diz Freitas. Há 41 anos no grupo, o engenheiro Freitas assumiu a presidência do conselho de administração em setembro de 1999. Substituiu Alcides Tápias, que deixou o cargo para assumir o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Durante seus três anos à frente dos negócios, Tápias fez o papel de mediador das relações entre os sócios do grupo. Desde 1994, a Camargo Corrêa -- um conglomerado de um só dono -- pertencia às irmãs Renata, Rosana e Regina, as três filhas do fundador. As herdeiras jamais participaram da gestão dos negócios. Mas seus maridos passaram a ter papel decisivo após a morte de Sebastião Camargo. Hoje, Carlos Oliveira Dias, Fernando de Arruda Botelho e Luiz Roberto Nascimento dividem o poder no grupo. "Não houve descontinuidade", afirma Dias, de 52 anos, casado com Regina. "Procuramos juntar o que há de melhor em dois modelos, o da empresa familiar e o da profissionalizada."

As empresas foram reunidas sob a holding, a Camargo Corrêa S.A., apelidada internamente de Cecesa. Os interesses dos acionistas ficaram acomodados na holding familiar Participações Morro Vermelho (PMV), controladora da Cecesa. A PMV funciona como uma espécie de assembléia de acionistas. As divergências têm de ser discutidas até que se chegue a um consenso. "É lógico que às vezes os sócios têm preferências por projetos diferentes", diz Botelho, de 55 anos, marido de Rosana. "Mas isso, quando há objetivos claros, enriquece a decisão."

Em 1989, a preocupação com a perpetuação do negócio fez com que o próprio Sebastião Camargo encaminhasse os genros para visitas a empresas no México e nos Estados Unidos. Nos últimos dois anos, com orientação da McKinsey, eles voltaram a viajar para conhecer a experiência de sucessão de empresas familiares americanas e européias. As regras de convivência dos acionistas ainda estão sendo aperfeiçoadas. Mas foram estabelecidas diretrizes para a próxima geração, a dos 11 netos do fundador, todos com mais de 20 anos. Quatro deles já trabalham no grupo. "Nossa regra para os filhos mais do que permite, ela estimula o trabalho aqui", diz Nascimento. "Mas, para subir na hierarquia, eles terão de passar pela mesma avaliação que qualquer executivo." O que os futuros herdeiros têm de especial, além do berço, é o apoio de um comitê de orientação formado por Flávia de Almeida, ex-consultora da McKinsey contratada como diretora da PMV, Freitas e mais dois executivos.

No plano da operação, o número de empresas caiu pela metade em relação a dez anos atrás. As remanescentes foram agrupadas em unidades de negócio. Para o conselho de administração da Cecesa foram abertas três vagas, destinadas aos executivos nomeados para comandar as grandes áreas de negócio. Além de Freitas e dos acionistas, agora fazem parte do conselho Fernando Tigre, ex-presidente da Alpargatas, e Carlos Rosa, até então principal executivo da construtora. No início de setembro, Tigre passou a ser também presidente do conselho de todas as empresas da área industrial. Rosa ficou com a presidência do conselho das cinco empresas de engenharia e construção.

Para ocupar a terceira nova vaga de conselheiro, a Camargo Corrêa está em busca de um executivo no mercado. Ele vai gerir as participações do grupo em outras empresas, como a Usiminas e a Itaúsa, holding do banco Itaú. O grupo também é acionista da americana Alcoa, maior produtora mundial de alumínio. Em julho deste ano, trocou sua participação de 41% nas operações sul-americanas da Alcoa por 2,5% das ações da matriz Alcoa Inc. -- uma operação de 410 milhões de dólares. A troca, de acordo com Freitas, é estratégica para os planos de internacionalização da Camargo Corrêa nos próximos anos. "Entregamos um ativo sem liquidez e passamos a ter ações negociadas na Bolsa de Nova York", diz ele. "Com esse lastro podemos conseguir capital a custo mais baixo no exterior." Dinheiro que deverá ser usado para aquisições em outros países. No planejamento do grupo para 2012, a meta é conseguir 30% das receitas fora do Brasil.

Um passo importante nesse sentido foi dado com a incorporação da Santista Têxtil. A Santista é a segunda maior fabricante mundial de jeans e exporta boa parte da produção para a Levis, nos Estados Unidos. Com fábricas na Argentina e no Chile, recentemente tentou comprar a Burmex, subsidiária do concordatário grupo americano Burlington no México. O negócio malogrou. Os credores da Burlington preferiram vender a empresa como um todo, incluindo sua operação americana. "Mas não desistimos de entrar na América do Norte", diz Tigre. "Estamos analisando alternativas e queremos crescer por aquisição."

A unidade de negócios de engenharia vem tentando conseguir clientes na América Latina. "Pretendemos participar das obras de ligação física que o governo quer fazer com os países vizinhos e da prestação de serviços no exterior financiada pelo BNDES", diz Rosa. No mercado interno, o principal alvo é o setor de petróleo. A Camargo Corrêa já participou -- sem sucesso -- da disputa para construir as plataformas P51 e P52 para a Petrobras, contratos na casa do bilhão de dólares. Mas pretende estar mais aparelhada para concorrer às próximas. "Estamos definindo um local para construir nosso próprio estaleiro", afirma Rosa. "O grupo já decidiu que essa também é uma área da qual quer participar."

Ano
2001
Engenharia e Construção
32%
Cimento
14%
Energia
22%
Concessões Rodoviárias
4%
Calçados e Têxteis
5%
Gestão Ambiental
2%
Outros negócios
21%

Ano
2003
Engenharia e Construção
24% - A Camargo Corrêa é a maior construtora
de hidrelétricas do país e está ampliando os serviços no setor de petróleo
Cimento
15% - A empresa é a quinta maior fabricante do
país, com a marca Cau
Energia
18% - A VBC, sociedade com o Bradesco e a Votorantim,
controla a CPFL, geradora e distribuidora de energia no interior de São
Paulo
Concessões Rodoviárias
3% - O grupo é sócio da CCR, holding que gere
as concessionárias da ponte Rio Niterói e de estradas como a Dutra e a
Anhangüera
Calçados e Têxteis
32% - Após a compra do controle da Alpargatas,
dona de marcas como a Topper, esta se tornou a área em que o grupo Camargo
Corrêa mais fatura
Gestão Ambiental
3% - Atua no tratamento de resíduos e aterros
sanitários por intermédio de duas empresas: a Cavo e a Essencis, uma sociedade
com o grupo francês Suez
Outros negócios
5% - Inclui participações na Usiminas e na Alcoa
Inc., e empresas de agropecuária, produção de silício, táxi aéreo e informática

MÃO NA MASSA
Nos últimos cinco anos, o grupo Camargo
Corrêa dobrou o faturamento... (em bilhões de reais)
1998
3
1999
3,2
2000
4,1
2001
4,9
2002
6,2
...e manteve um ritmo forte de investimento...
(em milhões de reais)
1998
529
1999
544
2000
581
2001
816
2002
688
...mas em 2002 enfrentou queda do lucro...
(em milhões de reais)
1998
218
1999
315
2000
541
2001
728
2002
555
...e diminuição do retorno sobre o capital
empregado (em %)
1998
6,5
1999
14,5
2000
14,8
2001
17,2
2002
11,1
Fonte: empresa
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