Quero Educação: um impulso do Vale
Letícia Toledo, de Moutain View A startup Quero Educação, criada há seis anos, conseguiu unir crescimento e lucro, coisa rara, pra não dizer raríssima, no mercado de tecnologia. Criada em São José dos Campos, a empresa tem mais de 120 funcionários, fatura 27 milhões de reais, e tem contas no azul desde 2013. Seu principal […]
Letícia Toledo
Publicado em 6 de dezembro de 2016 às 10h36.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h40.
Letícia Toledo, de Moutain View
A startup Quero Educação, criada há seis anos, conseguiu unir crescimento e lucro, coisa rara, pra não dizer raríssima, no mercado de tecnologia. Criada em São José dos Campos, a empresa tem mais de 120 funcionários, fatura 27 milhões de reais, e tem contas no azul desde 2013.
Seu principal negócio é o Quero Bolsa, um site que funciona como um marketplace de descontos para o ensino superior. Nele, as universidades anunciam descontos (ou bolsas parciais, vá lá) em seus cursos e os interessados podem escolher o que querem por área, valor ou região do país. O site reúne mais de 800 universidades e mais de 70.000 estudantes já entraram na faculdade por meio de sua plataforma. Apesar de todos esses números, o presidente da startup, Bernardo de Pádua, e seus sócios Lucas Gomes e Thiago Brandão sempre acharam que precisavam de algo mais para continuar a crescer: colocar a Quero Educação no mapa do Vale do Silício.
O problema foi resolvido em junho deste ano, quando os três desembarcaram em São Francisco para participar de um programa de três meses em uma das maiores aceleradoras do mundo, a Y Combinator, que guiou negócios como o site de aluguéis Airbnb e companhia de armazenamento em nuvem Dropbox.
“A educação está passando por um processo de disrupção tecnológica. Além disso, a crescente classe média, principalmente no terceiro mundo, sabe que o conhecimento será a diferença entre o sucesso e a falha no futuro”, diz Geoff Ralston, sócio da Y Combinator durante visita de EXAME Hoje à sede da aceleradora em Mountain View, na Califórnia. “Achamos que o que a Quero Educação está fazendo pode ser aplicado em uma escala global. Financiamento estudantil é um grande problema mesmo em países como os Estados Unidos”, completa.
Isso não significa que falte espaço para crescer no Brasil. Segundo o IBGE, apenas 16% dos trabalhadores brasileiros possuem ensino superior completo. Entre os que cursam faculdades no setor privado, 44% se beneficiam de algum tipo de auxílio financeiro, como bolsa ou financiamento.
Pádua, Gomes e Brandão se conheceram enquanto estudavam engenharia da computação, no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). O começo da empresa foi parecido com o de tantos outros empreendedores brasileiros: as primeiras ideias de negócio fracassaram. O modelo atual foi lançado em 2012, com uma versão teste que teve uma grande demanda tanto de estudantes procurando bolsas quanto de universidades que queriam preencher vagas ociosas. Foram necessários apenas alguns meses para que os fundadores entendessem que tinham encontrado um negócio com grande potencial.
Atrair investidores também foi relativamente fácil. Um dos primeiros foi Julio Vasconcellos, fundador do site de compras coletivas Peixe Urbano. “Investi na Quero por causa da equipe. Os fundadores são super inteligentes e dedicados a revolucionar a educação no Brasil. O mercado é grande e a visão deles é admirável”, diz Vasconcellos.
Para Pádua, um diferencial dele e dos sócios é o fato de todos terem um perfil mais técnico – saberem programar e terem construído todo o site. “No Brasil, as ideias são boas, mas os fundadores de muitas startups têm que contratar funcionários para programar. Se você olhar grandes companhias como Facebook e Google vai ver que os fundadores eram técnicos – sabiam fazer a fundo o negócios que estavam criando”, diz Pádua.
A companhia recebeu 2,5 milhões de reais de investidores e agora está em conversa com alguns investidores do Vale do Silício para captar mais dinheiro. Da Y Combinator, a Quero Bolsa recebeu o valor padrão definido pela aceleradora: 120.000 dólares (na cotação atual, cerca de 411.000 reais) por 7% da empresa. “Mais importante que o dinheiro foi o fato de a Y Combinator abrir portas para outros investidores dos Estados Unidos”, afirma Pádua.
O faturamento da Quero passou de 1,7 milhão em 2014 para 27 milhões de reais este ano. Parte desse crescimento foi impulsionado pela redução do programa de financiamento estudantil do governo, o Fies, que deu acesso ao ensino superior a milhões de brasileiros. Entre 2010 e 2014, o número de novos contratos do Fies cresceu quase dez vezes, de 76.200 para 731.300. Mas, em 2015 e 2016, o número de contratos anuais não chegou a 300.000. Com a redução do programa, faculdades ficaram com vagas ociosas e estudantes sem condições de arcar com seus estudos – um prato cheio para a Quero Educação.
As receitas da startup vêm de um acordo com as faculdades: a primeira mensalidade paga pelo novo estudante vai toda para a Quero Bolsa. O modelo tem se mostrado satisfatório, mas a dependência dos descontos oferecidos pelas universidades pode ser um problema caso as faculdades resolvam não ofertar mais descontos à medida em que a economia melhorar e a ociosidade das salas diminuir.
Além disso, não são todos os cursos que podem ser encontrados no site da Quero Bolsa. Ao buscar por uma graduação de administração, por exemplo, o estudante encontra mais de 200 cursos com desconto, mas quando a busca muda para medicina, nenhum desconto é oferecido – como costumam ser cursos mais concorridos, eles não entram nos pacotes de descontos das faculdades.
O modelo do site também não é difícil de ser replicado, já que o Quero Bolsa apenas repassa o desconto oferecido pelas faculdades. Embora seja o maior, há outros sites no país que fazem o mesmo, entre eles estão o Movimento Cidadania e o ToDeBolsa.
Uma dificuldade da Quero é também a constante tarefa de convencer grandes grupos de educação a anunciar seus cursos na plataforma. A maior empresa de educação do país, a Kroton, adotou a estratégia de só anunciar seus cursos de pós-graduação no site.
Pádua reconhece que é preciso diminuir a dependência das instituições. “Hoje temos faculdades que não têm interesse em dar tanto desconto e a gente depende do preço para crescer”, diz. Para expandir os negócios, a Quero está criando um processo de vestibular próprio. “Hoje, cada faculdade tem seu vestibular. Logo, se o estudante quer tentar três universidades diferentes, ele tem que prestar três vestibulares diferentes. Queremos criar um teste que sirva para todas os cursos que ele quiser aplicar dentro do site da Quero Bolsa”, diz Bernardo.
Outra ideia da companhia é expandir o site para anunciar também escolas de ensino fundamental e médio, cursinhos pré-vestibular e escolas de idiomas. “Nós acreditamos que o negócio a empresa está criando vai ser a maneira mais comum para estudantes acharem a opção certa e as instituições de ensino expandirem suas receitas. Há uma sinergia nos dois lados”, diz Geoff Ralston, da Y Combinator. Os três empreendedores chegaram ao Vale do Silício. Usar os conhecimentos de lá para manter o crescimento vai dar bem mais trabalho.