Qual o futuro da Apple?
David Cohen Com mais de 200 bilhões de dólares em caixa e uma legião de consumidores fiéis pelo mundo todo, é natural que uma das perguntas mais persistentes no mundo dos negócios seja: “o que a Apple vai fazer agora?” A hipótese mais recente, levantada por uma reportagem do The Wall Street Journal, é que […]
Da Redação
Publicado em 8 de fevereiro de 2017 às 09h27.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h00.
David Cohen
Com mais de 200 bilhões de dólares em caixa e uma legião de consumidores fiéis pelo mundo todo, é natural que uma das perguntas mais persistentes no mundo dos negócios seja: “o que a Apple vai fazer agora?”
A hipótese mais recente, levantada por uma reportagem do The Wall Street Journal, é que ela vá investir em conteúdo – e encarar a competição com Amazon, Netflix, Hulu, HBO e várias, várias outras companhias. Segundo o WSJ, executivos da Apple andam conversando com produtores de Hollywood para comprar os direitos de programas de TV e criar filmes e shows para seu serviço Apple Music.
Embora os planos de produção própria de conteúdo ainda sejam preliminares, executivos da Apple disseram que pretendem lançar programas inéditos no final deste ano.
Um forte indício desses planos foi a contratação de Timothy Twerdahl, anunciada esta semana. Twerdahl foi chefe durante quatro anos da divisão Fire TV, da Amazon. O motivo seria revitalizar a divisão de TV da Apple.
Não é que a Apple nunca tenha feito conteúdo próprio. A empresa já produz alguns pequenos documentários sobre artistas (como o rapper Dr. Dre, cuja empresa de headphones, Beats, a Apple comprou) e sobre tecnologia. Mas a conversa agora é sobre a primeira divisão de conteúdo, como as séries House of Cards, Stranger Things e Game of Thrones.
Claro, ter vontade de produzir um grande sucesso é diferente de conseguir. O gosto popular é mutante, imprevisível. Basta dizer que o argumento da premiada Stranger Things foi rejeitado por quase todos os produtores antes de a Netflix a aceitar.
Mas a aposta faz todo o sentido para a Apple – que tem não apenas uma enorme base de dados sobre seus clientes como também uma dinheirama sem igual para investir. Falava-se, inclusive, sobre a possibilidade de a Apple comprar a Netflix, por causa de sua liderança em número de assinantes. Mas a fortuna que isso custaria – não só a compra das ações, mas também a herança de dívidas pelos direitos de transmissão – provavelmente a dissuadiu.
É mais fácil começar do zero. Bem, não exatamente do zero. O serviço de música por assinatura da Apple, que evoluiria para o conteúdo em vídeo, já conta com mais de 20 milhões de assinantes.
Se conseguir uma tacada certeira, como a própria Netflix conseguiu com House of Cards, a Apple poderia estabelecer uma nova linha de negócios para sustentar seu crescimento. Não se trata de uma estratégia genial. Praticamente todo o mundo já entendeu que, para vencer no bilionário mundo dos serviços de streaming, é preciso oferecer conteúdo próprio de qualidade.
A Apple está até atrasada. Há tantos concorrentes que no ano passado a audiência caiu. “A audiência média das 200 maiores séries declinou 20% em relação ao ano passado”, afirmou a companhia de análises Pacific Crest. É possível que a oferta tenha superado a demanda, com mais de 500 títulos por ano.
Para além do iPhone
Ainda que o mercado dê sinais de saturamento, ele representa uma possível solução para o maior problema da Apple: a dependência em relação ao iPhone, que dá sinais de esgotamento.
Eu sei, eu sei, você bem que gostaria de ter um problema desses. No último trimestre do ano passado (que a Apple chama de primeiro trimestre do seu ano fiscal de 2017), cujos resultados foram divulgados na semana passada, a receita foi de 78,4 bilhões de dólares.
Houve progresso na venda de computadores, mas o principal responsável pelas vendas (cerca de dois terços do total) é o iPhone. Como muitas pessoas compraram o iPhone 7 Plus, o mais caro de todos, a receita cresceu acima das expectativas.
Mas há um porém. Nos três trimestres anteriores, a receita da Apple caiu em relação aos mesmos períodos do ano anterior (18%, 23% e 13%, respectivamente). Mesmo o alívio deste ano é relativo. O trimestre teve 14 semanas, uma a mais do que no ano passado. O resultado por semana ficou abaixo do de 2015.
Repare: não é que a Apple tenha perdido dinheiro, ela apenas diminuiu o ritmo de seu crescimento. Isso não seria problema para ninguém – mas é, para o mercado de ações.
Não são poucos os analistas que enxergam uma transição na Apple, de empresa em fase de crescimento para uma “vaca leiteira”, que dá ótimos dividendos mas basicamente vive de suas conquistas passadas.
Algo do gênero aconteceu com a Microsoft, de quem a Apple tomou o cetro de rainha do setor de tecnologia. É até natural, para uma companhia que chegou a esse tamanho, a mais valiosa do mundo. Mesmo assim… não é a imagem que a Apple gostaria de ter.
Se as pessoas se convencerem de que não haverá grandes coelhos a pular da cartola da Apple, ela possivelmente começará a atrair um outro tipo de investidores: os poupadores, que almejam a segurança de um retorno previsível no longo prazo.
Talvez o mais proeminente analista a defender essa tese seja o bilionário Peter Thiel, um dos fundadores do PayPal e um dos primeiros investidores no Facebook (e também um dos poucos empresários de tecnologia a apoiar Donald Trump, de quem se tornou conselheiro). Segundo Thiel, os melhores dias da Apple ficaram para trás. “Nós sabemos com o que um smartphone parece e o que faz”, disse. “Não é culpa de Tim Cook (CEO da Apple), mas esta é uma área em que não haverá mais inovação.”
A busca de conteúdo
É claro que a Apple conhece esse problema. Só que suas mais recentes tentativas para superá-lo foram frustradas.
Uma das apostas da companhia era o Apple Watch – o único produto novo que a empresa lançou depois da morte de Steve Jobs, em 2011. Pode ser que o relógio ainda se revele um campeão de vendas, com as futuras edições, mas até agora ele não foi tão bem quanto se esperava.
Na área da computação em nuvem, a Apple também pode estar preparando um lançamento poderoso, talvez com ênfase na segurança dos dados. Mas, por enquanto, perdeu terreno para o Google e para a Amazon – para não falar de IBM e Microsoft.
Isso não significa que não haja alternativas. Com a tendência do governo Trump de reduzir os impostos para repatriação de dinheiro das empresas, a Apple poderá usar os 215 bilhões de dólares que mantém fora dos Estados Unidos (quase dez vezes mais do que o que tem no país).
Até mesmo o iPhone, que este ano completa dez anos, pode surpreender com novas funções e voltar a puxar o crescimento da companhia. Mas não é o cenário mais provável.
A Apple costumava ter uma receita para crescer. Conforme sua mais memorável campanha, o segredo era “pensar diferente”.
O problema é que os projetos diferentes não estão saindo como o esperado. E a aposta em conteúdo se assemelha bastante à iniciativa do “carro da Apple”, um projeto para o qual foram contratadas mais de mil pessoas e que, no ano passado, encolheu: em vez do carro próprio, a Apple diz que investirá em sistemas inteligentes, que talvez venda para os produtores de carros.
Da mesma forma, desde 2012 se falava no lançamento de uma “TV inteligente”. O rumor ganhou força com a biografia de Steve Jobs, que revelava sua vontade de lançar um aparelho que tomasse conta de tudo na casa.
O projeto de uma iTV parece estar arquivado. Em vez disso, é possível que a Apple entre na guerra das séries e filmes.
Em vez do carro, o software; em vez da TV, os programas.
É uma estratégia, e é também um símbolo. De certa forma, até como consequência de seu estrondoso sucesso, a Apple parece estar em busca de conteúdo.