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Presidente do BNDES lidera maior transformação em décadas

Ao repensar a forma como o BNDES interage com as empresas, Maria Silvia está tornando menos opacas as relações com grandes tomadores de crédito no banco

Maria Silvia: (Tomaz Silva/Agência Brasil/Agência Brasil)

Maria Silvia: (Tomaz Silva/Agência Brasil/Agência Brasil)

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Reuters

Publicado em 10 de novembro de 2016 às 17h58.

São Paulo - Em seis meses à frente do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques implementou a transformação mais ambiciosa no banco estatal de fomento em duas décadas, ao mesmo tempo em que reverteu anos de apoio caro a conglomerados locais escolhidos a dedo.

Desde que foi nomeada por um novo governo de centro-direita em maio, Maria Silvia, 59, impôs condições mais rígidas para os desembolsos de recursos do banco, pediu aos membros do conselho para apertar o escrutínio nas decisões ligadas a grandes empresas e aumentou o papel da instituição como guardiã da transparência corporativa.

Ao repensar a forma como o BNDES, que já existe há 64 anos, interage com as empresas que financia e detém participações, Maria Silvia está lentamente tornando menos opacas as relações com grandes tomadores de crédito no banco.

Ela também está revendo práticas que pressionaram a carteira de crédito da instituição e sufocaram o valor das participações detidas pelo braço de investimento do BNDES.

Durante os 13 anos de governo do Partido dos Trabalhadores, que terminou com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff no final de agosto, o BNDES forneceu crédito abundante a custos baixos a um seleto grupo de "campeões nacionais" - construtoras, mineradoras, fabricantes de celulose e processadores de proteína animal, em preparações para se tornarem potências mundiais.

O BNDES desembolsou anualmente três vezes mais em empréstimos que o Banco Mundial no início da década, antes do fim de um boom de commodities que levou a economia superaquecida do Brasil a uma dolorosa recessão.

Maria Silvia disse a líderes empresariais nesta semana que uma excessiva dependência de bancos estatais para crédito de longo prazo colocou um pesado fardo sobre o BNDES, aumentou a incerteza regulatória e fez subsídios mais caros do que inicialmente se pensava.

A taxa de juros que o BNDES cobra na maioria dos empréstimos tem, durante décadas, ficado abaixo do CDI, em parte devido à pressão dos políticos para impulsionar o crescimento e criar empregos.

No entanto, o subsídio implícito nos empréstimos subsidiados custou aos contribuintes 1 por cento do Produto Interno Bruto no ano passado.

"Redesenhar como podemos desembolsar o crédito subsidiado deve evitar a exclusão de outras formas de financiamento ou inibir o normal funcionamento da economia", disse Maria Silvia na ocasião.

Seus esforços estão dando frutos: 2016 pode ser a primeira vez em oito anos que o BNDES desembolsa menos de 100 bilhões de reais em crédito.

Maria Silvia também está limpando a carteira de empréstimos, elevando provisões para perdas, preparando o balanço do banco para melhores tempos à frente.

A tarefa mais desafiadora de Maria Silvia continua ser retirar empréstimos subsidiados de empresas brasileiras sem anular uma recuperação da economia que começa a nascer.

Este ano, 60 por cento dos desembolsos do BNDES foram destinados a empresas que poderiam tomar empréstimos em outro lugar.

"Embora sua lista de tarefas seja longa e árdua, ela realizou um milagre marcando o começo do fim para os 'campeões nacionais'", disse Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central que conhece Maria Silvia desde que ela ajudou a renegociar a dívida externa do Brasil na década de 1990.

Escrutínio intenso

A evidência de que Maria Silvia está adotando uma linha dura no legado de Luciano Coutinho, executor da política de "campeões nacionais" que dirigiu o BNDES por nove anos, está crescendo a cada dia, disseram Loyola e outras pessoas.

Esforços para entrar em contato com Coutinho não foram bem sucedidos. Maria Silvia não respondeu a pedidos de comentários.

Para promover uma agenda ambiental, a Maria Silvia limitou o crédito a licitantes em leilões de linhas de transmissão de energia e proibiu o financiamento de projetos de usinas termelétricas a carvão e diesel.

Marilene Ramos, nomeada pela executiva para a divisão de infraestrutura do BNDES, é ex-chefe do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).

Em uma mudança da era de Coutinho, Ramos está encorajando o governo a relicitar aeroportos e rodovias cujas concessionárias estão enfrentando dificuldades para cumprir termos dos contratos.

Outra mudança significativa para o BNDES é como o seu braço de investimento, BNDES Participações, se comporta com as 116 empresas nas quais o banco de fomento detém fatia equivalente a cerca de 45 bilhões de reais.

No final do ano passado, o BNDES tinha assento em 45 das empresas. Como parte da reforma promovida por Maria Silvia, os representantes do banco nos conselhos da mineradora Vale e da empresa de alimentos JBS colocaram freios em dois negócios que estavam no forno há meses.

A venda planejada de uma unidade de fertilizantes pela Vale e a tentativa da JBS de listar operações globais fora do Brasil foram submetidas a uma análise mais aprofundada.

Maria Silvia enviou uma mensagem para as empresas: sejam transparentes sobre como vocês usam o dinheiro do contribuinte.

"O BNDES está sob intenso escrutínio para cumprir seu dever fiduciário de maximizar os retornos de investimentos com integridade", disse Carlos Laboy, analista da HSBC Securities em Nova York.

O veto à JBS pode ser atribuído a Maria Silvia e Eliane Lustosa, recentemente nomeada chefe de mercado de capitais, segundo duas fontes familiarizadas com a situação.

Tanto Maria Silvia como Lustosa acreditam que a transferência planejada de quase 9 dólares em cada 10 dólares da receita da JBS para uma entidade estrangeira teria causado grandes prejuízos aos acionistas minoritários no longo prazo, disseram as fontes.

Um representante do BNDES no Rio de Janeiro disse que o veto foi motivado por "preocupações técnicas e não por um esforço para reverter" decisões anteriores.

"Seja qual for a razão, o veto dá a impressão de que o BNDES não é mais um zumbi nas salas de reuniões corporativas", disse um ex-executivo sênior do banco, que pediu anonimato porque o assunto é sensível.

Outro exemplo de como o BNDES está levando mais a sério os deveres de governança é a avaliação da saída planejada da Vale do negócio de fertilizantes.

Em 29 de setembro, o representante do BNDES no conselho da Vale solicitou mais tempo para estudar o plano para determinar se os termos da venda eram benéficos para todas as partes.

"Foi uma tentativa de analisar e revisar o modelo proposto para o negócio, e não descaracterizá-lo", disse Dany Rappaport, que ajuda a supervisionar 120 milhões de reais para a InvestPort em São Paulo.

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