Pedro Parente, presidente da Petrobras (Rovena Rosa/Agência Brasil)
Mariana Desidério
Publicado em 28 de maio de 2018 às 12h36.
Última atualização em 28 de maio de 2018 às 12h57.
São Paulo – A greve dos caminhoneiros, que já entra em seu oitavo dia, levou a Petrobras a reduzir temporariamente o preço do diesel e a mudar sua política de preços para o combustível, que passará a ter ajustes mensais, e não mais diários como ditava antes a política da companhia.
A dúvida é o que essas mudanças representam para o futuro da empresa. Segundo Silvio Cascione, analista da consultoria de risco Eurasia, o preço a pagar não é baixo. “Demora-se anos para construir credibilidade, mas é muito rápido desmontá-la”, afirmou em entrevista ao site EXAME.
Isso porque há um temor no mercado de que as recentes mudanças nos preços representem a volta de tempos de interferências do governo na petroleira. O longo período de perdas vivido pela companhia ainda está fresco na memória dos investidores – foram quatro anos de prejuízos, causados em parte pelo represamento de preços.
A Petrobras e o governo de Michel Temer garantem que não. Mas, segundo Cascione, será preciso mais do que o discurso para garantir tranquilidade ao investidor, especialmente num cenário de governo pouco popular e alta volatilidade no mercado internacional. “No caso de o dólar ou o petróleo subirem muito, por exemplo, a Petrobras vai represar esse reajuste? Até onde o governo consegue bancar?”, questiona o analista.
Outra questão que paira no ar é até quando Pedro Parente permanecerá como presidente da estatal. A gestão de Parente tem recebido fortes críticas da classe política e dos petroleiros, que já marcaram greve para quarta-feira (30). Na visão de Cascione, uma saída prematura do presidente é bastante possível e seria negativa para a Petrobras.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista:
EXAME - A crise de abastecimento em que o país entrou está diretamente ligada à política de preços da Petrobras. Como avalia a política de ajustes diários?
Silvio Cascione - Fica claro que ela não tem apoio político num momento de alta do petróleo. O custo político dela é muito elevado, e um governo sem aprovação não tem condições de bancar esse custo. Começamos a semana alertando para o fato de que a política de preços seria revista e terminamos vendo que ela já está sendo posta em questão. O Moreira Franco já fala em rever a política também para a gasolina.
EXAME - A Petrobras anunciou que reduzirá o preço do diesel por 60 dias. Depois desse prazo, os preços serão ajustados mensalmente. Estuda-se ainda um imposto flexível para os combustíveis. Como vê essas mudanças?
Mesmo que o governo compense financeiramente a Petrobras, isso gera dúvidas sobre a previsibilidade dos preços no longo prazo. No caso de o dólar ou o petróleo subirem muito, por exemplo, a Petrobras vai represar esse reajuste? Até onde o governo consegue bancar? Vai ser difícil a Petrobras e o governo convencerem de que terão força para segurar a pressão política no caso de uma alta muito grande.
EXAME - Acredita que ainda há o risco de a Petrobras assumir parte das perdas de uma possível diferença entre o preço do petróleo e o valor final para o consumidor?
A maior parte da conta vai ficar para o Tesouro, estamos vendo desde o começo da crise um esforço para poupar a Petrobras. O problema é que o espaço fiscal é restrito. E, por enquanto, o Pedro Parente está lá. Mas uma hora ele vai sair e a dúvida que fica é se a nova diretoria vai ser tão firme quanto a atual na defesa da autonomia da empresa. Já vimos vários parlamentares dizendo que o lucro da Petrobras aumentou muito, e que ela deve dividir isso com a sociedade. Uma nova diretoria pode incorporar esse discurso.
EXAME - Se isso ocorrer, quem sai ganhando?
Para a Petrobras seria negativo. Significa diminuição de lucratividade para o investidor, complicação nos processos de desinvestimentos, perda de atratividade dos ativos a serem vendidos.
Quem ganha com isso são os caminhoneiros, as transportadoras, as distribuidoras. Se a queda do preço chegar ao motorista, ao consumidor final, isso pode ser interpretado como benefício para a sociedade. Mas esse benefício vai ter um custo fiscal, que é menos evidente que o preço do combustível na bomba.
EXAME - Você citou complicações nos processos de desinvestimento. Como a mudança na política de preços pode afetar esse processo?
A Petrobras pode ser prejudicada em seu programa de desinvestimento. Uma parte importante da venda de ativos que o Pedro Parente está implementando é a redução da participação da empresa no refino. Ela quer se concentrar na exploração de petróleo. A política de ajuste diário dava um sinal ao mercado de que a empresa não sofria interferência política. Portanto, quem fosse comprar as refinarias saberia qual a lucratividade da refinaria no futuro. Quando existe esse congelamento de preços, isso reduz a previsibilidade para os investidores. Demora-se anos para construir credibilidade, mas é muito rápido desmontá-la.
EXAME - Com esse cenário, Pedro Parente deve deixar a Petrobras antes do previsto?
O risco de saída dele aumentou bastante na semana passada. A ida para o conselho da BRF já pode ser um sinal de que ele está preparando terreno para essa saída, e a inferência política na Petrobras aumenta a chance dele renunciar. Mas o fato de a Petrobras aceitar mudar a sequência de reajuste indica que ele não deve sair no olho do furacão. A gente imagina que ele deve permanecer enquanto a crise estiver se desenrolando e pode vir a sair mais tarde, possivelmente ainda antes do fim do governo Temer.
EXAME - Se isso ocorrer, como fica a estatal?
Uma saída prematura seria negativa para a Petrobras. Desde que entrou, Parente está à frente de um processo de recuperação da capacidade de investimento e redução da dívida da Petrobras. A credibilidade dele é bastante alta e sua saída vai gerar dúvidas sobre a continuidade dessas políticas. Vai importar muito saber quem vai substituí-lo agora, mas, principalmente, quem será o presidente da empresa nos próximos quatro anos. Isso depende das eleições. Dentre os presidenciáveis, o único que defendeu as políticas de Parente foi o Geraldo Alckmin, inclusive contra boa parte do seu partido, o PSDB.