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Os 7 atos da eletrizante disputa entre Totvs e Stone pela Linx

Companhias protagonizaram uma série de batalhas ao longo da semana que inclui muitos bilhões, acusações,e suspeitas. Quais serão os próximos capítulos?

Sede da Linx, em São Paulo: executivos ouvidos pela Exame dizem que outras empresas, como a Rede, estudam entrar na disputa (Linx/Divulgação)

Sede da Linx, em São Paulo: executivos ouvidos pela Exame dizem que outras empresas, como a Rede, estudam entrar na disputa (Linx/Divulgação)

LA

Lucas Amorim

Publicado em 15 de agosto de 2020 às 11h16.

As atenções do mercado de investimentos brasileiro ficaram concentradas esta semana numa disputa como há muito tempo não se via. Na tarde de terça-feira, 11, a empresa de tecnologia Linx e a Stone, de pagamentos, anunciaram que estavam em negociações avançadas. Na noite do mesmo dia, a Stone anunciou a aquisição, num negócio de 6 bilhões de reais.

No dia seguinte o EXAME In revelou que dois pontos da negociação estavam gerando ruído. As ações valorizaram antes do anúncio, o que leva a uma suspeita de insider trading. E os fundadores da Linx tinham, por contrato, direito a pagamentos adicionais que poderiam caracterizar prejuízo aos minoritários. Em meio a um intenso debate, na manhã de sexta-feira, 14, a empresa de tecnologia Totvs fez uma oferta pela Linx, embolando a disputa.

O jogo segue em aberto. Os sete capítulos vistos até aqui foram tratados em detalhes pela repórter Graziella Valenti, do EXAME In, ao longo da semana -- e têm ares de thriller corporativo.

1- A oferta
Após um comunicado na tarde de terça-feira anunciando as negociações, a processadora de pagamentos Stone anunciou no final da tarde daquele dia a compra da fabricante de software de gestão para o varejo Linx por 6,045 bilhões de reais – 90% em dinheiro e 10% em ações.

Logo depois de divulgar a aquisição da Linx, a Stone lançou uma oferta para vender 1 bilhão de dólares (5,38 bilhões de reais) em novas ações, dizendo que os recursos seriam usados para pagar pela Linx, quitar taxas e despesas relacionadas ao negócio e para custear outros gastos gerais de operação.

Até a segunda-feira, o valor de mercado da Linx era de 3,8 bilhões de reais. Os fundadores detêm 14,3% das ações da fabricante de software, enquanto o GIC, fundo soberano de Singapura, tem 10% e o fundo de investimento americano Genesis Asset Managers, 5,4%. Cerca de 53% estão em circulação na bolsa. A Stone valia até segunda-feira 13,1 bilhões de dólares.

A aquisição dependia da aprovação dos órgãos regulatórios do mercado financeiro nos Estados Unidos, onde a ação da Stone é negociada, e do Brasil.

2- Insider?
A oferta ligou os radares da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que começou logo no dia seguinte, quarta-feira, a averiguar se houve insider trading. Ontem, os papéis da Linx na B3 subiam mais de 10% quando a companhia decidiu emitir um comunicado avisando aos investidores de que estava em tratativas avançadas com a Stone para uma possível combinação dos negócios. A B3 já havia até mesmo colocado as ações em situação de leilão por variação de preço e volume. No fim do dia, a alta no fechamento superava 31%.

A escalada começou pouco depois das 10h da manhã. O mercado ficou aguçado porque a empresa havia previsto a divulgação de seu balanço para a segunda-feira à noite, com uma teleconferência na terça-feira, às 11 horas. A companhia não apenas não apresentou os números na noite do dia 10 (sem explicações) como cancelou a apresentação dos números, por meio de comunicado enviado à CVM, só às 9h59 dia seguinte — ou seja, uma hora antes da reunião virtual.

A negociação de ações com uso de informação privilegiada é uma infração administrativa e também crime, previsto pelo código penal. Por duas ocasiões, a CVM atuou de forma preventiva nas situações, quando a suspeita foi percebida dentro do prazo de liquidação da transação. A compra e venda de ações é uma operação que leva três dias para ser concluída (o conhecido D +3). Na quinta-feira, 13, a CVM decidiu abrir um processo administrativo para analisar a transação.

3- Prêmio escondido?
Na oferta da Stone, o trio de fundadores da Linx (Nércio José Monteiro Fernandes, Alberto Menache e Alon Dayan) sai com mais dinheiro na mão do que o restante do mercado, na forma de um acordo de não competição. O prêmio implícito para eles é de quase 30%. Começa a surgir entre os acionistas da Linx, agora que a concorrência pelo ativo se tornou pública, uma discussão de que essa cláusula é ilegal. Isso porque foi assinada por um trio de acionistas que tem 14% do negócio, mas gere a empresa.

Esse ponto é visto por advogados experientes consultados pelo EXAME IN e por acionistas da Linx como um possível benefício particular — e a participação deles na decisão do futuro da empresa em assembleia poderia ate mesmo ser considerada ilegal. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está duplamente atenta ao caso: se houve negociação com ações com uso de informações privilegiadas e também sobre os riscos ao mercado na transação com a Stone e suas características. A oferta da Totvs, feita nesta sexta-feira, é igual para todos os acionistas da Linx.

Além do ganho extra do trio controlador, eles assinaram um acordo de compromisso de voto na assembleia a favor da Stone e uma multa leonina no caso de insucesso da operação. O trio de sócios, que também são administradores da Linx, ficaram proibidos de negociar com outro interessado. Do contrário, precisam pagar 605 milhões de reais à Stone. Se por acaso, a oferta da Stone for recusada em assembleia de acionistas, eles precisam pagar 25% disso e, se em caso de rejeição, a companhia fizer negócio com outro interessado, teria de pagar 75% desse valor.

4- A carta da Fama
Nas primeiras horas da madrugada de quinta-feira uma carta da Fama Investimentos, uma das maiores acionistas da empresa de softwares de gestão Linx, com uma posição de 3% do capital da companhia, começou a circular em grupos de WhatsApp. O gestor e fundador da casa, o conhecido militante das boas práticas de governança corporativa há mais de duas décadas Fabio Alperowitch, não teve dúvida ao sentenciar que a transação “fere a ética”.

Nas contas de Alperowitch, os adicionais combinados para os três fundadores equivalem a um prêmio de 35% no caso dos três sócios conjuntamente e de 63% no caso específico de Menache, em relação ao que os demais acionistas de mercado da Linx receberão. É como se, no lugar de ter as ações da Linx avaliadas em quase 34 reais por papel no acordo (conforme o divulgado), o trio recebesse, só ele, 46 reais por ação, segundo a carta da Fama.

“Infelizmente, nem as boas práticas preconizadas pelos coautores da Lei das SA nem as diretrizes do Novo Mercado são capazes de coibir estratagemas criativos que são desenhados para driblar os conceitos e compromissos pré-estabelecidos. É neste contexto que lamentamos e refutamos veementemente os termos estabelecidos na transação entre Linx e Stone”, afirmou o investidor.

5- Brasil vs. EUA
Na operação da Stone, o acionista da Linx pouco participa do futuro — em especial porque a Stone é listada na Nasdaq. Nesse modelo, pega o dinheiro e vai para casa. Já na operação da Totvs, o acionista da Linx tem a chance de ser sócio dos benefícios da união das empresas. Em compensação, em uma, o lucro é quase integralmente assegurado na hora, enquanto na outra, a fatia em caixa é bem menor.

Industrialmente falando, para analistas que preferem falar anonimamente, a operação entre Linx e Stone tem mais sentido estratégico, pois verticaliza e dá uma competitividade extra a ambos os negócios. No caso da Totvs, é mais a clássica compra de participação de mercado. Há quem acredite que pode ter aí uma dose de vingança pelo lado de Herszkowicz. Mesmo assim, ninguém duvida das sinergias entre Totvs e Linx, inclusive porque elas se complementam em termos de setores atendidos, mas pesa a avaliação de que se trata de um movimento defensivo também.

6- Os motivos da Totvus
A proposta da Linx pressupõe a formação de uma companhia de capital totalmente pulverizado, em que os acionistas da Linx somados representariam 24% da empresa combinada. A Totvs fez questão de deixar claro ao mercado que já vinha conversando com a Linx a respeito de uma combinação dos negócios antes de a Stone fazer seu lance final. Havia ficado acertado entre as companhias que a Totvs apresentaria sua proposta formal após a divulgação do balanço da Linx, que estava previsto para a noite de segunda-feira, dia 10. Mas o balanço não saiu. Na terça-feira dia 11, quando a Totvs foi apresentar sua oferta, a Linx não quis mais receber e nem ouvir a companhia.

A disputa mexe em feridas antigas entre as companhias. O atual presidente da Totvs, Dennis Herszkowicz, é ex-executivo da Linx. A saída para a concorrente deixou um mal estar não curado entre ele e Alberto Menache, presidente da Linx. As conversas entre Totvs e Linx vinham sendo feitas por Laércio Cosentino, conforme o EXAME In apurou, devido a essas delicadezas.

7- O próximo ato?
Executivos ouvidos pela Exame revelaram que a empresa de pagamentos Rede, concorrente da Stone, pode entrar na disputa com uma nova oferta. Ou pode haver uma nova, e maior, oferta dos atuais competidores. A expectativa é, que após o lance da Totvs ter se tornado público, a Stone venha a defender sua oferta com um aumento na proposta e pressão de prazos, inclusive para lidar com as polêmicas no modelo sugerido, que deixa mais dinheiro no bolso dos fundadores do que no restante do mercado. Não por acaso, na bolsa, a Linx já vale 6,25 bilhões de reais — mais do que o lance da Stone.

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