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Onde fica a Petrobras na batalha entre russos e sauditas pelo petróleo?

Com ou sem acordo entre dois dos maiores produtores globais, a demanda continuará reduzida; neste cenário, a estatal brasileira ainda tem vantagens

Petrobras: empresa é competitiva, mas precisará ainda mais de disciplina de caixa (André Motta de Souza/Agência Petrobras/Divulgação)

Petrobras: empresa é competitiva, mas precisará ainda mais de disciplina de caixa (André Motta de Souza/Agência Petrobras/Divulgação)

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Juliana Estigarribia

Publicado em 2 de abril de 2020 às 15h50.

Última atualização em 2 de abril de 2020 às 16h21.

Mesmo com eventual acordo entre os maiores produtores de petróleo do mundo para um corte coordenado de oferta, o horizonte ainda é de queda da demanda neste ano, decorrente dos efeitos do novo coronavírus, e analistas preveem um longo período de preços em baixa. Nesse cenário, a Petrobras deve conseguir manter as operações, mas a capacidade de resiliência da companhia será fundamental para a sustentabilidade financeira no longo prazo.

Nesta quinta-feira 2 de abril, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse que conversou com o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, e que espera um acordo de cortes de produção de 10 milhões de barris por dia (bpd) entre o reino árabe e a Rússia.

A declaração ocorre depois do fim do tratado, na última terça-feira, 31, entre membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e a Rússia, os quais vinham promovendo, desde 2016, cortes coordenados de produção para equilibrar os preços da commodity, num acordo que ficou conhecido como Opep+. 

Após discordâncias, no início de março a Arábia Saudita, por meio da estatal Saudi Aramco, cortou preços e acelerou rapidamente a produção, para mais de 10 milhões de bpd. Para efeito de comparação, a produção média da Rússia é de pouco mais de 11 milhões de bpd, assim como nos Estados Unidos; no Brasil, o volume médio é de quase 3 milhões de bpd. 

Com esse embate, as cotações do petróleo derreteram imediatamente. Desde o início do ano, os preços da commodity recuaram mais de 60%, para cerca de 25 dólares no caso do brent, referência global, e de 22 dólares no caso do WTI (usado nos Estados Unidos). 

Embora analistas ouvidos pela EXAME não descartem cotação em 10 dólares caso russos e sauditas não cheguem a um acordo, esse patamar não duraria por muito tempo, principalmente porque produtores de alto custo fechariam poços ou até quebrariam, em situações mais extremas.

É o caso das empresas de shale gas dos Estados Unidos, cujo custo de produção gira em torno de 60 a 70 dólares por barril. Nesta semana, já houve pedido de recuperação judicial de uma delas.

Mas onde entra a Petrobras nesse cenário? A produção média da petroleira brasileira já foi considerada de alto custo, quando o pré-sal ainda não estava a pleno vapor. Com a evolução dos campos, a produtividade em águas ultraprofundas se mostrou extremamente alta.

Desse modo, os custos de produção caíram drasticamente. Atualmente, o ponto de equilíbrio de produção (breakeven) da Petrobras está em 21 dólares por barril no pré-sal, que já representa mais da metade dos volumes extraídos pela companhia.

Mesmo assim, para enfrentar a crise atual, nos últimos dias, além de redução de investimentos e adiamento do cronograma de dividendos, a Petrobras anunciou um corte de 200.000 bpd de produção em águas rasas, cujos custos são mais elevados.

Para Henrique Lara, analista da Reach Capital, a petroleira brasileira conseguiu dar uma resposta rápida à crise atual ao anunciar ações importantes para reduzir sua exposição. No entanto, Lara acredita que o nível de alavancagem medida pela dívida líquida sobre lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês), hoje de 2,41 vezes, deva crescer para 3,8 vezes em 2020.

"Mesmo nesse patamar, a Petrobras não quebraria. O que confere resiliência à companhia é sua gestão, que dá prioridade aos resultados, e não a interesses políticos", diz Lara. Ele acrescenta que a competitividade no pré-sal garante que a empresa tenha sustentabilidade no longo prazo.

De fato, o pré-sal conseguiu atingir um dos patamares de produção mais competitivos do mundo. Além da Arábia Saudita, países como Irã, Iraque, Kuwait e Venezuela (óleo convencional) estão no topo dessa lista, com custo médio de 10 a 15 dólares por barril. A Rússia, que possui uma das maiores reservas do mundo - muitas delas em áreas geladas -, consegue extrair por 18 dólares, em média.

A competitividade da Petrobras em águas ultraprofundas é tão grande que, em determinados campos, compara-se à da Arábia Saudita, onde a produção é considerada a mais barata do mundo. Lá, o custo de extração varia de 5 a 11 dólares; em Marlim e Roncador, campos operados pela Petrobras no pré-sal, esse valor vai de 5 a 7 dólares, conforme apurou a EXAME com analistas de mercado.   

"Mesmo que os preços recuassem mais, a Petrobras ainda conseguiria ter uma operação economicamente viável", afirma Jan-Jacob Verschoor, diretor da Oil Analytics Consultoria, de Londres.

Disciplina

Não basta, entretanto, ter apenas um custo baixo de extração. As operações precisam ser enxugadas ao máximo, como um todo, para preparar a companhia para um período de cotações reduzidas. "O principal risco para a Petrobras, hoje, é um retorno lento da demanda, o que vai ser determinante na dinâmica global de preços", afirma Lara.

Verschoor concorda: "As empresas vão reportar perdas massivas de receita. Os recursos que entrarem provavelmente vão cobrir somente os custos variáveis, mas os fixos continuam".

Para este ano, a Tendências Consultoria trabalha com uma queda da demanda global entre 4% e 5%, a primeira em dez anos. Ainda assim, o preço médio do brent deve ficar em 41 dólares. "Por volta do segundo semestre, as condições do mercado de petróleo devem melhorar um pouco, ainda que fique longe do ideal", afirma Walter de Vitto, analista de óleo e gás da consultoria.

Ao mesmo tempo, do lado da oferta, muitos produtores devem quebrar ou interromper as extrações menos rentáveis, como anunciou a Petrobras. "Assim, o mercado se ajusta."

O corte de investimentos anunciado pela Petrobras para 2020, de quase 4 bilhões de dólares em relação ao orçamento do início do ano, também é visto no mercado como fundamental para a sobrevivência da empresa.

"Redução de investimentos é uma medida que todos os seus pares estão tomando, principalmente quando se trata de projetos cujos frutos sejam de mais longo prazo", afirma Rivaldo Moreira Neto, presidente da Gas Energy Consultoria, especializada na área.

Riscos

Outro grande efeito da crise desencadeada pelo coronavírus é a dificuldade adicional na venda de ativos. A Petrobras pretende captar de 10 bilhões a 15 bilhões de dólares com a venda de oito refinarias.

O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, disse na semana passada, em teleconferência, que as refinarias "não serão vendidas a qualquer preço" e que os interessados nos ativos têm mantido as negociações. "Neste momento, a companhia não vai conseguir vender as refinarias com o preço que ela gostaria", diz Lara.

Nesse horizonte, o que os analistas acreditam é que o pré-sal continuará sendo, de fato, a tão falada "joia da coroa" da estatal brasileira. "Com disciplina e os custos baixos no pré-sal, a Petrobras deve conseguir atravessar este período rumo a um mercado mais estável lá na frente", acrescenta o analista.

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