Netshoes: estreia em Nova York (Germano Lüders/Exame)
Rafael Kato
Publicado em 13 de fevereiro de 2017 às 12h53.
Reportagem publicada originalmente em EXAME Hoje, app disponível na App Store e no Google Play. Para ler esta reportagem antecipadamente, assine EXAME Hoje.
Há eventos que vêm se repetindo todo mês de janeiro, ano após ano. Os arrastões nas praias cariocas, as contratações milionárias de times de futebol chineses e a explosão de blocos de carnaval em São Paulo estão entre eles. No mundo das finanças, janeiro é tempo de especulações sobre a possível oferta pública de ações (IPO, na sigla em inglês) da Netshoes, maior e-commerce esportivo do país. A companhia ensaia entrar na bolsa pelo menos desde 2013, apesar dos constantes prejuízos. O ano de 2017 continuou sendo de arrastões e gastança chinesa, mas tudo indica que, agora sim, o IPO da Netshoes sai do papel.
EXAME Hoje apurou que a companhia está decidida a abrir capital, no Brasil ou nos Estados Unidos – se tudo ajudar, ainda no primeiro semestre. Para isso, contratou a consultoria KPMG para organizar suas contas e também bancos nacionais e internacionais para tocar as negociações com investidores. Procurada, a Netshoes disse que “a abertura de capital é apenas uma dentre diversas possibilidades que a empresa tem à sua disposição para seguir seu planejamento estratégico”.
Os planos anteriores da companhia envolviam realizar uma abertura de capital na bolsa americana Nasdaq, que abriga gigantes da tecnologia como Amazon, Apple e Google. A Netshoes chegou a ilustrar uma capa de EXAME sobre o tema, em 2013. Lá, os investidores estariam mais acostumados com negócios na área da tecnologia – onde perder dinheiro é rotina, em prol de um crescimento acelerado. Mas a Netshoes não foi para Nasdaq, por uma série de motivos, e a cada dia que passa a distância foi ficando maior. “A empresa precisaria mostrar um crescimento mais sustentável, com uma tendência mais clara de que está no caminho certo”, afirma um especialista do setor.
Os desafios da Netshoes são pra lá de conhecidos – manter um ritmo de crescimento minimamente agressivo e ao mesmo tempo entrar no azul. O problema é que o balanço da Netshoes é uma gangorra. Até 2014, o ritmo de crescimento vinha diminuindo – em 2014 o faturamento cresceu apenas 19% enquanto prejuízo chegou ao patamar recorde de 93 milhões de reais, uma alta de 30%. Em 2015, no último balanço disponível, a companhia conseguiu voltar a crescer com o lançamento do seu e-commerce de moda Zattini. O faturamento avançou 30%, para 1,5 bilhão de reais, e o prejuízo diminuiu, para os 63 milhões de reais.
A dúvida agora é o que a companhia conseguiu fazer em 2016, ano em que, por conta da crise, nem as gigantes do comércio eletrônico foram poupadas. O varejo online cresceu apenas 11%, segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico, ante uma média superior a 20% nos anos anteriores. A B2W, a maior do país, que opera o e-commerce das Lojas Americanas, Submarino.com e Shoptime, teve uma queda de 8,7% na receita nos primeiros nove meses de 2016, com o prejuízo subindo 49%, para 383,6 milhões de reais. “A principal dúvida é: a Netshoes conseguiu fazer o dever de casa e crescer mesmo em tempos de crise? Essa é a questão fundamental para um IPO”, diz Paulo Humberg, presidente da companhia de investimentos em internet A5. Os dados de 2016 devem ser divulgados pela Netshoes em março.
Outros planos
Uma possibilidade que bate na porta da Netshoes é a venda para uma empresa maior. No último dia 5, o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, noticiou que a B2W estaria negociando uma aquisição. O que se sabe é que a Lojas Americanas, controladora da B2W, contratou o banco Credit Suisse para uma nova emissão de ações, no valor de 1,5 bilhão de reais, mas esse dinheiro não deve ser usado para comprar a Netshoes, de acordo com o que apurou EXAME Hoje com executivos próximos das duas empresas. “Essa conversa existiu, mas há 10 anos, quando as duas companhias eram bem próximas”, disse um deles. “Agora, isso não existe mais”.
Nesse período, a Netshoes operou o braço de artigos esportivos da B2W, mas as conversas para uma fusão ou compra da Netshoes não avançaram.
Por conta própria, a Netshoes tem avançado na seara da B2W. No início de 2016, a Netshoes anunciou a criação de seu marketplace – plataforma que permite que outros lojistas vendam seus produtos no site da companhia. Na época, a empresa estimou que o marketplace poderia representa até 20% de seu negócio no médio prazo, dobrando seu portfólio – na época de 80.000 produtos – ainda em 2016.
“A Netshoes é uma das únicas companhias de e-commerce com um atendimento ao consumidor especializado e internalizado, e também tem parcerias exclusivas com grandes marcas como a Nike, que só utiliza o marketplace da Netshoes”, diz um executivo de uma concorrente. “Eles estão conseguindo montar uma operação parecida com a da B2W”. Por enquanto, a Netshoes se mantém focada em beleza, moda e esporte, mas, segundo EXAME Hoje apurou, há planos para avançar para novos nichos.
Se vier a ofertar suas ações na Bovespa, a Netshoes também vai seguir os mesmos passos da B2W – única companhia do setor na bolsa brasileira. Os números da empresa não animam muito: a B2W já perdeu 54% de valor de mercado, que passou de 9,6 bilhões de reais na época do IPO, em 2007, para os 4,4 bilhões de reais atuais, segundo a consultoria Economatica. “A companhia é boa e na minha visão está barata, mas os investidores estão cansados de prejuízo atrás de prejuízo”, afirma Luis Gustavo Pereira, estrategista da corretora Guide. Em 10 anos de bolsa, a B2W nunca fechou um ano no azul.
Analistas consultados por EXAME Hoje afirmam que a Netshoes a não poderia exigir um valor muito alto pelos papeis – a exemplo do que aconteceu com as últimas tentativas ocorridas no mercado. A única empresa a entrar na bolsa em 2016 – a companhia de diagnósticos Alliar – já perdeu mais de 30% do valor de suas ações, a construtora Tenda desistiu de um IPO no fim do ano passado e a locadora de veículos Movida teve que reduzir o preço inicialmente pedido para conseguir estrear na bolsa esta semana.
Calcular o valor de mercado da Netshoes é uma tarefa difícil. Em 2013, os acionistas da companhia esperavam que, no dia de seu IPO, a Netshoes valesse 2 bilhões de reais. Há um ano e meio, a varejista americana Walmart fez uma oferta de 900 milhões de reais pelo controle da companhia, mas a Netshoes recusou.
Em todos esses casos de aberturas de capital recente, a explicação para as avaliações abaixo do esperado é de que as empresas têm colocado seus preços com base em expectativas de lucros maiores no futuro, mas o investidor – depois de sofrer com promessas não cumpridas nos últimos anos – não está tão disposto a pagar para ver. Não é o cenário dos sonhos para a Netshoes. Mas a empresa espera a janela ideal de oportunidade há quatro anos. Uma hora cansa.