Negócios

O fabuloso mercado de games, que atrairá 2,7 bilhões de usuários em 2020

Uma mostra do poderio do setor em meio ao coronavírus veio nesta quarta-feira, 13, quando a chinesa Tencent, dona do WeChat, divulgou alta de 26% na receita

Tencent: braço de games da dona do WeChat cresceu 31% em faturamento no primeiro trimestre (Florence Lo/Reuters)

Tencent: braço de games da dona do WeChat cresceu 31% em faturamento no primeiro trimestre (Florence Lo/Reuters)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 13 de maio de 2020 às 16h17.

Última atualização em 13 de maio de 2020 às 18h13.

Da lista de poucos setores que crescem em meio ao coronavírus está o universo de games. Com pessoas quarentenadas em casa, os jogos, que já estavam em uma crescente nos últimos anos, ganham ainda mais tração.

Líderes de crescimento nos últimos anos, os jogos pelo celular ou tablet devem continuar sendo as estrelas. Relatório da consultoria especializada Newzoo divulgado nesta semana projeta que os games para dispositivos móveis devem gerar receita de 77,2 bilhões de dólares neste ano, alta de 13,3% e quase metade de toda a receita do setor. O segmento como um todo deve crescer 9,3%, chegando a uma receita de 159,3 bilhões de dólares, já com projeções incluindo o panorama pós-coronavírus.

O setor de jogos para celular pode atingir 2,6 bilhões de usuários, segundo a projeção da Newzoo, quase todos os 2,7 bilhões de usuários que devem jogar em 2020. Ou seja: mesmo quem joga em computador ou console deve apostar em algum jogo de celular neste ano.

A quarentena intensificou este cenário. Uma mostra do poderio dos jogos para celular veio nesta quarta-feira, 13, quando a chinesa Tencent divulgou alta de 26% na receita, puxada sobretudo por seu braço de jogos que corresponde a quase um terço do faturamento. A receita atingiu 108 bilhões de iuanes, cerca de 15,3 bilhões de dólares. O lucro foi de 4 bilhões de dólares, também acima das projeções.

A Tencent também é dona do WeChat, um super app chinês que inclui desde mensagens até transferência de dinheiro e, é claro, muitos jogos.

A empresa de análise de jogos Sensor Tower afirma que os dois principais jogos da empresa (Honor of Kings e PlayerUnknown's Battlegrounds) tiveram a maior receita do setor no mundo no mês de março. A Tencent tem ainda participação nas principais empresas de jogos do mundo, como no estúdio americano Riot, dono do sucesso mundial League of Legends.

Animal Crossing, da Nintendo: um dos destaques da quarentena (Tyrone Siu)

O dinheiro vem da China

O mercado chinês de jogos que a Tencent domina se beneficiou da quarentena na Ásia, que começou antes do fechamento de regiões como Europa e Estados Unidos. A China descobriu os primeiros casos de coronavírus no fim de dezembro e começou um período de quarentena em partes do país ainda em janeiro e, depois, um fechamento mais restrito em fevereiro. Assim, os resultados do trimestre da Tencent já refletem os ganhos obtidos neste período.

A região da Ásia-Pacífico, que responde por 49% da receita global de games, deve seguir sendo uma das propulsoras do setor no mundo e crescer 9,9% neste ano. A América do Norte deve crescer 8,5%, projeta a Newzoo. China e Estados Unidos combinados também representarão 49% da receita.

Mas o crescimento é promissor mesmo em outros mercados. A América Latina deve ter alta de 10,3%, a maior taxa de crescimento do mundo. Mas, ao todo, a região ainda representa só 4% da receita de jogos global. Para o público latino-americano, os jogos mobile são promissores pela alta penetração de aparelhos celulares na comparação com outros segmentos, como consoles, que são menos acessíveis.

Um dos desafios do celular é convencer o usuário a pagar pelo entretenimento, mais do que com ferramentas como computador ou console: só 38% destes jogadores mobile devem gastar com os jogos em 2020. Ainda assim, projeta a Newzoo, a pandemia favorece um potencial maior de engajamento. "Os jogos mobile têm a menor barreira de entrada: mais de dois quintos da população global tem um smartphone — e muitos jogos mobile estão lá de graça para ser jogados", escreve a empresa em um artigo sobre os resultados.

Games por região: América Latina ainda tem parte pequena dos usuários, mas segue crescendo (Newzoo/Reprodução)

Para os outros segmentos, a quarentena também traz ganhos de curto prazo, mas alguns desafios maiores. Jogos de console devem crescer 6,8%, para 45 bilhões de dólares em receita. Serão 729 milhões de jogadores atingidos. O problema para os consoles, diz a Newzoo, é que a pandemia pode afetar a produção de novos jogos e a cadeia logística de distribuição para quem ainda vende peças físicas.

No computador, o crescimento esperado é de 4,8%, para 37 bilhões de dólares, atingindo 1,3 bilhão de jogadores. Esse formato também fica menos suscetível aos problemas da cadeia física. "O ecossistema de PC se moveu para o digital de forma muito mais rápida do que os consoles", escreve a Newzoo. Mas o desenvolvimento dos jogos, que é mais complexo do que em celulares, também pode ser afetado com a quarentena.

Duelo de gigantes

A busca pela mina de ouro no setor de games vem atraindo outras empresas fora desse nicho, como as gigantes Amazon, Facebook e Apple. O Facebook lançou neste ano um aplicativo de seu braço de jogos, o Facebook Gaming, para transmitir e assistir a jogos na plataforma. A rede social mãe da empresa (que é também dona de WhatsApp e Instagram) já é conhecida por ter jogos mais simples dentro da plataforma. Agora, quer abocanhar também o segmento de streaming no setor.

A Amazon é dona da plataforma de streaming Twitch, já usada por jogadores, mas tenta engrenar na produção de jogos próprios com seu Amazon Game Studios, que vem lançando alguns produtos desde 2014, sem muito sucesso. Mas 2020 promete trazer uma virada: a empresa lança em maio o primeiro jogo do ano, o Crucible. Outro jogo deve ir ao ar no segundo semestre. A empresa de Jeff Bezos também trabalha em uma grande plataforma de streaming para jogos, o Project Tempo.

Também de olho no streaming, o Google lançou no ano passado o Stadia, plataforma de streaming para jogos pela internet, mas com jogos de terceiros — a plataforma vem tendo dificuldade em conseguir usuários. O Google já tem, indiretamente, parte do segmento de streaming de jogos e e-sports com as transmissões pelo YouTube.

Na briga das gigantes de tecnologia, a Microsoft, dona do console Xbox, já está com o pé no setor há mais tempo. O principal foco no modelo atual é conseguir dinheiro com serviços de assinatura da plataforma de jogos do Xbox e obter, assim, uma receita recorrente, saindo de um formato em que se vendia a licença de um jogo somente uma vez. A Apple também lançou no ano passado o streaming de jogos Arcade, com mais de 100 jogos disponíveis para dispositivos da empresa, em um modelo similar ao das assinaturas do Xbox.

Outro modelo é a aposta em jogos do tipo freemium, gratuitos para jogar, mas com compras dentro do app. É o formato da Tencent e da brasileira Wildlife, que se tornou unicórnio no ano passado e vale 1,3 bilhão de dólares, sendo lucrativa desde o nascimento — um fato raro para as startups estreladas. A empresa está entre as dez maiores produtoras da games do mundo e tem escritório em quatro países, com menos de 5% dos usuários no Brasil. A Wildlife teve o mérito de entrar no início da ascensão dos smartphones e cresceu com o mercado de games móveis. “Quando começamos, ninguém pensava em jogos para celular”, diz o diretor de tecnologia da empresa, o chileno Michael Mac-Vidar, em entrevista à EXAME no ano passado.

As empresas de tecnologia devem se mostrar competidoras cada vez mais duras para os estúdios e grandes empresas do universo de games. Mas a quarentena também trouxe um exemplo de "retomada" das companhias nativas do setor (e dos consoles): a japonesa Nintendo conseguiu emplacar como o grande hit das últimas semanas o jogo Animal Crossing: New Horizon, nova versão do jogo que já existe desde 2001 e no qual aldeões fazem uma série de atividades no tempo livre.

Como é exclusivo para o console Switch da Nintendo (rival do Xbox e do Playstation, da Sony), o sucesso do jogo fez explodir as vendas do aparelho. Lançado em março, o jogo já teve mais de 13 milhões de compras — o jogo mais vendido no primeiro mês da história da Nintendo. No crescente e lucrativo universo dos games, a disputa pela atenção na quarentena seguirá sendo ferrenha.

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