O motorista de táxi alemão que desafia o poder do Uber
Taxista alemão que diz ter transportado mais de 100 mil passageiros ao longo da carreira diz que o Uber é uma ameaça que visa "tirar sua forma de sustento"
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2015 às 17h44.
Nascido em uma família de artesãos em uma miserável vila bávara, Richard Leipold começou a dirigir um táxi quando cursava a universidade em Berlim.
Gostou tanto que continuou, depois de formado, e acabou ajudando a derrubar um cartel local de taxistas com regras de trabalho que asfixiaram a concorrência.
Ele estima ter transportado mais de 100.000 passageiros ao longo dos anos -- ganhando o suficiente para adquirir um apartamento em um silencioso subúrbio, ao sul --. Em 1981, ele comprou seu primeiro táxi Mercedes .
No ano seguinte, adquiriu o segundo e, atualmente, possui oito veículos e emprega 14 motoristas
O Uber ameaça tudo isso, diz Leipold. E o serviço de transporte, em contrapartida, vê Leipold e sua turma como os monopolistas da era moderna, prestes a serem destituídos.
“Quando vem alguém e diz que vai tirar sua forma de sustento, é claro que deixa de ser uma simples questão comercial”, diz ele, enquanto monitorava a posição de seus motoristas em seu escritório, no piso térreo de um sobrado do século 19. “A coisa passa a ser pessoal”.
Vaias para o Uber
Por toda a Europa, os taxistas estão furiosos com o Uber. Em junho passado, mais de 30.000 deles entupiram as ruas de cidades como Barcelona e Berlim para protestar contra o rival.
Cerca de 1.200 motoristas parisienses bloquearam os aeroportos da cidade. Em Madri, os manifestantes vaiaram o Uber e perseguiram os táxis que não tinham se juntado ao protesto. Em Londres, milhares de táxis pretos e limusines privadas convergiram para as praças Trafalgar e do Parlamento.
Em Berlim, onde os táxis geram uma receita de cerca de 450 milhões de euros (US$ 514 milhões) por ano, Leipold encabeça a oposição.
Ele liderou mais de 500 taxistas locais, que formaram uma legião em frente ao Estádio Olímpico de Berlim, na manifestação de junho, e entrou com uma ação judicial que ameaça a capacidade do Uber de operar na cidade.
Para motoristas e proprietários de táxi como Leipold, não poderia haver mais em jogo. Embora ninguém enriqueça dirigindo um táxi, na Europa a atividade pode ser um passaporte para a classe média. Tirar férias duas vezes ao ano e ter casa própria têm estado dentro do alcance.
Além disso, trata-se de uma profissão de mais fácil acesso para os imigrantes, porque não exige o domínio do idioma local.
Licenças caras
Esse passaporte, contudo, não é barato. As licenças parisienses chegam a ser vendidas por mais de 200.000 euros. Os motoristas da capital britânica passam anos memorizando 25.000 ruas e 20.000 pontos de referência para um teste chamado London Knowledge (Conhecimento sobre Londres, em tradução livre).
Em Berlim, os motoristas precisam se submeter a exames médicos regulares, portar seguro de acidentes e provar que são capazes de percorrer a cidade.
Leipold diz que quando começou a dirigir, a carreira era uma escolha razoável até mesmo para quem tinha educação superior; ele tem diplomas em História e em alemão antigo e conhece matemáticos e linguistas que são motoristas.
O ex-ministro das Relações Exteriores alemão Joschka Fischer foi taxista por anos antes de entrar para a política. John Griffin começou como motorista; depois, em 1975, fundou a empresa de locação de carros privados Addison Lee Ltd. e atualmente é um dos cidadãos mais ricos da Grã-Bretanha.
O Uber prometeu virar o velho sistema de cabeça para baixo -- e precisará fazê-lo para merecer a avaliação de US$ 40 bilhões conquistada na última rodada de financiamento.
Seu fundador, Travis Kalanick, argumenta que as proteções legais de que os táxis tradicionalmente desfrutam criam um “monopólio” de motoristas com pouco incentivo para reduzir os preços ou melhorar o serviço.
O atual sistema “implica em mais carros, mais trânsito, desemprego mais elevado e uma maior emissão de carbono”, disse Kalanick, em 18 de janeiro, na Digital Life Design, uma conferência de tecnologia em Munique. “Isso não está servindo à cidade. Isso não está servindo aos cidadãos. Está servindo a poucas pessoas da indústria estabelecida”.
Fora da lei
A primeira queixa de Leipold é que o Uber oferece um serviço equivalente ao dos táxis -- transportar pessoas do ponto A ao ponto B mediante solicitação --, mas não obedece às mesmas regras.
Leipold diz que seus melhores motoristas levam para casa 1.800 euros por mês, incluindo gorjetas, ou cerca de 9 euros por hora. Desde janeiro, cada motorista garantiu um salário mínimo por hora de 8,50 euros antes de impostos -- ou pouco menos de 7 euros em salário líquido para um motorista em tempo integral --, o que, segundo os chefões dos serviços de táxis, os forçará a reduzir a equipe, a menos que as tarifas subam significativamente. Eles estão pedindo um aumento de até 30 por cento. As autoridades de Berlim estão analisando suas exigências.
O Uber chama seus motoristas de “parceiros”, de forma a evitar muitas proteções legais para os trabalhadores, como férias remuneradas, plano de saúde e contribuição previdenciária. A empresa não garante salário para os motoristas, e qualquer queixa legal que eles tenham contra o Uber precisa ser encaminhada, em inglês, a um tribunal nos Países Baixos.
O Uber diz que não emprega motoristas diretamente porque a estratégia não faz parte de seu modelo de negócio, e em vez disso visa a atrair pessoas que queiram uma maior flexibilidade.
‘Nenhum direito’
“O motorista tem muitas obrigações e, basicamente, nenhum direito”, diz Lara Sherman, advogado trabalhista da Pflüger Rechtsanwälte GmbH em Frankfurt.
“Seria assustador se esse fosse o padrão para as relações entre empregador e empregado”. As autoridades trabalhista e tributária alemãs dizem que não investigaram o Uber.
Para tentar garantir a regra de retorno à base, Leipold processou o Uber e, em 9 de fevereiro, ganhou uma liminar que impede a empresa de atuar como intermediária do serviço de limusines para transporte particular.
Em um comunicado, o Uber disse estar “decepcionado”, mas aceita a decisão e prometeu trabalhar com os “órgãos reguladores para modernizar as ultrapassadas regras de transporte alemãs”.
A princípio, as ações judiciais de Leipold e os protestos dos taxistas pareciam ser um tiro saído pela culatra. Pessoas que nunca haviam ouvido falar no Uber de repente viam taxistas bloqueando estradas para defender seu espaço contra um serviço rival que oferecia preços mais baixos.
UberPop proibido
E então, em agosto passado, Berlim proibiu o UberPop -- corridas com motoristas que trabalham na informalidade usando seus próprios carros -- porque os trabalhadores não tinham licença para transporte comercial.
O Uber não conseguiu derrubar essa medida nem proibições similares em Hamburgo e Düsseldorf (apesar de estar operando em Munique e Frankfurt). O serviço, disponível em diversos países do mundo, também foi restringido na Espanha, na Índia e na China.
Para contornar a proibição do UberPop em Berlim, a empresa reduziu os preços para 35 centavos de euro por quilômetro – valor que os alemães podem requerer como dedução tributária por dirigirem seus carros para o trabalho –.
A cifra mal cobre o custo do combustível e representa cerca de um quinto do cobrado pelos táxis, mas permite que o Uber continue no jogo porque, tecnicamente, já não oferece um serviço comercial. Com pouco incentivo para os motoristas permanecerem atrás do volante, o Uber aumenta as tarifas com pagamentos extras. Ainda assim, o serviço está limitado aos fins de semana.
Embora tenha preferido não informar nada para essa reportagem a respeito de suas finanças na Alemanha, o Uber afirma ter recebido mais de 12.000 candidaturas de motoristas no país, e Kalanick prometeu apelar às mais altas cortes do país para conseguir aprovação para o Uber.
Situações incômodas
Ao mesmo tempo que os taxistas ampliam sua resistência, a chegada do Uber levou as companhias de táxi a repensarem seus negócios.
No ano passado, o serviço dominante de reserva de táxis introduziu um treinamento de relações com clientes com tópicos como “evitar situações incômodas no táxi”. Mais de 1.000 motoristas foram aprovados no exame final (e cerca de 250, reprovados).
A aceitação de cartões de crédito em breve será obrigatória, e a maioria dos táxis de Berlim agora pode ser reservada através de um aplicativo que -- não muito diferente do Uber -- permite que os passageiros avaliem os motoristas.
“Há alguns anos, ninguém tinha nenhum interesse em treinamento de serviço e coisas do tipo, e agora vejam o que está acontecendo”, diz Wolfgang Jäschke, motorista que trabalhou junto com Leipold para derrubar o cartel de táxis nos anos 1970.
“A geração mais jovem sentirá muito mais pressão do que eu. Acho que o tempo em que alguém podia criar uma empresa de táxi e administrá-la por 35 anos acabou”.
Nascido em uma família de artesãos em uma miserável vila bávara, Richard Leipold começou a dirigir um táxi quando cursava a universidade em Berlim.
Gostou tanto que continuou, depois de formado, e acabou ajudando a derrubar um cartel local de taxistas com regras de trabalho que asfixiaram a concorrência.
Ele estima ter transportado mais de 100.000 passageiros ao longo dos anos -- ganhando o suficiente para adquirir um apartamento em um silencioso subúrbio, ao sul --. Em 1981, ele comprou seu primeiro táxi Mercedes .
No ano seguinte, adquiriu o segundo e, atualmente, possui oito veículos e emprega 14 motoristas
O Uber ameaça tudo isso, diz Leipold. E o serviço de transporte, em contrapartida, vê Leipold e sua turma como os monopolistas da era moderna, prestes a serem destituídos.
“Quando vem alguém e diz que vai tirar sua forma de sustento, é claro que deixa de ser uma simples questão comercial”, diz ele, enquanto monitorava a posição de seus motoristas em seu escritório, no piso térreo de um sobrado do século 19. “A coisa passa a ser pessoal”.
Vaias para o Uber
Por toda a Europa, os taxistas estão furiosos com o Uber. Em junho passado, mais de 30.000 deles entupiram as ruas de cidades como Barcelona e Berlim para protestar contra o rival.
Cerca de 1.200 motoristas parisienses bloquearam os aeroportos da cidade. Em Madri, os manifestantes vaiaram o Uber e perseguiram os táxis que não tinham se juntado ao protesto. Em Londres, milhares de táxis pretos e limusines privadas convergiram para as praças Trafalgar e do Parlamento.
Em Berlim, onde os táxis geram uma receita de cerca de 450 milhões de euros (US$ 514 milhões) por ano, Leipold encabeça a oposição.
Ele liderou mais de 500 taxistas locais, que formaram uma legião em frente ao Estádio Olímpico de Berlim, na manifestação de junho, e entrou com uma ação judicial que ameaça a capacidade do Uber de operar na cidade.
Para motoristas e proprietários de táxi como Leipold, não poderia haver mais em jogo. Embora ninguém enriqueça dirigindo um táxi, na Europa a atividade pode ser um passaporte para a classe média. Tirar férias duas vezes ao ano e ter casa própria têm estado dentro do alcance.
Além disso, trata-se de uma profissão de mais fácil acesso para os imigrantes, porque não exige o domínio do idioma local.
Licenças caras
Esse passaporte, contudo, não é barato. As licenças parisienses chegam a ser vendidas por mais de 200.000 euros. Os motoristas da capital britânica passam anos memorizando 25.000 ruas e 20.000 pontos de referência para um teste chamado London Knowledge (Conhecimento sobre Londres, em tradução livre).
Em Berlim, os motoristas precisam se submeter a exames médicos regulares, portar seguro de acidentes e provar que são capazes de percorrer a cidade.
Leipold diz que quando começou a dirigir, a carreira era uma escolha razoável até mesmo para quem tinha educação superior; ele tem diplomas em História e em alemão antigo e conhece matemáticos e linguistas que são motoristas.
O ex-ministro das Relações Exteriores alemão Joschka Fischer foi taxista por anos antes de entrar para a política. John Griffin começou como motorista; depois, em 1975, fundou a empresa de locação de carros privados Addison Lee Ltd. e atualmente é um dos cidadãos mais ricos da Grã-Bretanha.
O Uber prometeu virar o velho sistema de cabeça para baixo -- e precisará fazê-lo para merecer a avaliação de US$ 40 bilhões conquistada na última rodada de financiamento.
Seu fundador, Travis Kalanick, argumenta que as proteções legais de que os táxis tradicionalmente desfrutam criam um “monopólio” de motoristas com pouco incentivo para reduzir os preços ou melhorar o serviço.
O atual sistema “implica em mais carros, mais trânsito, desemprego mais elevado e uma maior emissão de carbono”, disse Kalanick, em 18 de janeiro, na Digital Life Design, uma conferência de tecnologia em Munique. “Isso não está servindo à cidade. Isso não está servindo aos cidadãos. Está servindo a poucas pessoas da indústria estabelecida”.
Fora da lei
A primeira queixa de Leipold é que o Uber oferece um serviço equivalente ao dos táxis -- transportar pessoas do ponto A ao ponto B mediante solicitação --, mas não obedece às mesmas regras.
Leipold diz que seus melhores motoristas levam para casa 1.800 euros por mês, incluindo gorjetas, ou cerca de 9 euros por hora. Desde janeiro, cada motorista garantiu um salário mínimo por hora de 8,50 euros antes de impostos -- ou pouco menos de 7 euros em salário líquido para um motorista em tempo integral --, o que, segundo os chefões dos serviços de táxis, os forçará a reduzir a equipe, a menos que as tarifas subam significativamente. Eles estão pedindo um aumento de até 30 por cento. As autoridades de Berlim estão analisando suas exigências.
O Uber chama seus motoristas de “parceiros”, de forma a evitar muitas proteções legais para os trabalhadores, como férias remuneradas, plano de saúde e contribuição previdenciária. A empresa não garante salário para os motoristas, e qualquer queixa legal que eles tenham contra o Uber precisa ser encaminhada, em inglês, a um tribunal nos Países Baixos.
O Uber diz que não emprega motoristas diretamente porque a estratégia não faz parte de seu modelo de negócio, e em vez disso visa a atrair pessoas que queiram uma maior flexibilidade.
‘Nenhum direito’
“O motorista tem muitas obrigações e, basicamente, nenhum direito”, diz Lara Sherman, advogado trabalhista da Pflüger Rechtsanwälte GmbH em Frankfurt.
“Seria assustador se esse fosse o padrão para as relações entre empregador e empregado”. As autoridades trabalhista e tributária alemãs dizem que não investigaram o Uber.
Para tentar garantir a regra de retorno à base, Leipold processou o Uber e, em 9 de fevereiro, ganhou uma liminar que impede a empresa de atuar como intermediária do serviço de limusines para transporte particular.
Em um comunicado, o Uber disse estar “decepcionado”, mas aceita a decisão e prometeu trabalhar com os “órgãos reguladores para modernizar as ultrapassadas regras de transporte alemãs”.
A princípio, as ações judiciais de Leipold e os protestos dos taxistas pareciam ser um tiro saído pela culatra. Pessoas que nunca haviam ouvido falar no Uber de repente viam taxistas bloqueando estradas para defender seu espaço contra um serviço rival que oferecia preços mais baixos.
UberPop proibido
E então, em agosto passado, Berlim proibiu o UberPop -- corridas com motoristas que trabalham na informalidade usando seus próprios carros -- porque os trabalhadores não tinham licença para transporte comercial.
O Uber não conseguiu derrubar essa medida nem proibições similares em Hamburgo e Düsseldorf (apesar de estar operando em Munique e Frankfurt). O serviço, disponível em diversos países do mundo, também foi restringido na Espanha, na Índia e na China.
Para contornar a proibição do UberPop em Berlim, a empresa reduziu os preços para 35 centavos de euro por quilômetro – valor que os alemães podem requerer como dedução tributária por dirigirem seus carros para o trabalho –.
A cifra mal cobre o custo do combustível e representa cerca de um quinto do cobrado pelos táxis, mas permite que o Uber continue no jogo porque, tecnicamente, já não oferece um serviço comercial. Com pouco incentivo para os motoristas permanecerem atrás do volante, o Uber aumenta as tarifas com pagamentos extras. Ainda assim, o serviço está limitado aos fins de semana.
Embora tenha preferido não informar nada para essa reportagem a respeito de suas finanças na Alemanha, o Uber afirma ter recebido mais de 12.000 candidaturas de motoristas no país, e Kalanick prometeu apelar às mais altas cortes do país para conseguir aprovação para o Uber.
Situações incômodas
Ao mesmo tempo que os taxistas ampliam sua resistência, a chegada do Uber levou as companhias de táxi a repensarem seus negócios.
No ano passado, o serviço dominante de reserva de táxis introduziu um treinamento de relações com clientes com tópicos como “evitar situações incômodas no táxi”. Mais de 1.000 motoristas foram aprovados no exame final (e cerca de 250, reprovados).
A aceitação de cartões de crédito em breve será obrigatória, e a maioria dos táxis de Berlim agora pode ser reservada através de um aplicativo que -- não muito diferente do Uber -- permite que os passageiros avaliem os motoristas.
“Há alguns anos, ninguém tinha nenhum interesse em treinamento de serviço e coisas do tipo, e agora vejam o que está acontecendo”, diz Wolfgang Jäschke, motorista que trabalhou junto com Leipold para derrubar o cartel de táxis nos anos 1970.
“A geração mais jovem sentirá muito mais pressão do que eu. Acho que o tempo em que alguém podia criar uma empresa de táxi e administrá-la por 35 anos acabou”.