Robert Sebbag, da Sanofi: "A unidade brasileira da Sanofi, em Suzano, é responsável pela produção do tratamento da leishmaniose" (Divulgação/EXAME)
Da Redação
Publicado em 25 de setembro de 2012 às 11h56.
São Paulo - Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 15% da população mundial está infectada por doenças tropicais como malária, tuberculose, leishmaniose e chagas. Apesar do volume, essas doenças não estão entre as prioridades das grandes farmacêuticas – que concentram investimentos em remédios com maior potencial de retorno. É natural que assim seja. Mas a francesa Sanofi, que faturou 33 bilhões de euros em 2011, destoa de seus concorrentes.
Para fortalecer a presença em países em desenvolvimento, como o Brasil, a Sanofi mantém uma divisão de doenças tropicais desde 2006. O maior objetivo é auxiliar na erradicação das doenças – nem que, para isso, a empresa precise abrir mão do lucro por enquanto. Em entrevista a EXAME, o vice-presidente mundial de acesso a medicamentos da Sanofi, o médico infectologista Robert Sebbag, diz que investir em doenças ignoradas pela concorrência pode trazer outros benefícios à companhia – inclusive, claro, muito dinheiro no futuro.
EXAME: Quais as ações da Sanofi para colaborar com a erradicação das doenças tropicais?
Robert Sebbag: O objetivo da Sanofi é auxiliar na erradicação das doenças por meio de uma política de preços especiais e doação de medicamentos em alguns casos. A ideia é manter o departamento “sem lucro, nem prejuízo”. Cobramos menos de US$ 1 para um tratamento de malária com duração de três dias e doamos tratamentos para a doença do sono. Além disso, temos uma equipe de 55 pesquisadores para desenvolvimento de medicamentos adaptados e buscamos parcerias para tornar a ação mais viável. A informação também faz parte do nosso trabalho, por isso distribuímos material didático para ajudar a capacitar profissionais da saúde e informar comunidades.
EXAME: Além da responsabilidade social, a Sanofi promove a marca com a iniciativa?
Sebbag: Cerca de 70% da população mundial não tem acesso a medicamentos, é um problema de saúde pública. Além de ser uma questão moral e ética, quando a Sanofi auxilia no tratamento dos pacientes carentes, a empresa reforça sua imagem na área de responsabilidade social e tem acesso facilitado aos países em desenvolvimento, por meio das parcerias com os governos locais. Além disso, cerca de 10% dos investidores assumem que só aportam recursos em empresas que tem fundos éticos.
EXAME: Quais os principais resultados do departamento desde sua criação?
Sebbag: O desenvolvimento de um medicamento para o controle da malária é o mais emblemático, porque a doença lidera em número de infectados. O departamento forneceu 170 milhões de tratamentos para malária nos últimos seis anos, mas o número de contaminados pelo mundo chega a 500 milhões. Cerca de 800 mil pessoas morrem por ano vítimas da doença. O custo para um tratamento de três dias para adultos é de menos de US$ 1, para as crianças o mesmo procedimento sai por US$ 0,50. O maior problema é o acesso às comunidades carentes, que vivem em áreas remotas. Ainda temos muito trabalho pela frente, já que essa doença é a terceira principal causa de mortalidade infantil na África. A cada 45 segundos uma criança morre vítima da doença.
EXAME: Qual das doenças tem a maior taxa de mortalidade e como a Sanofi atua para auxiliar no controle da epidemia?
Sebbag: A tripanossomíase humana, conhecida como doença do sono, é uma enfermidade exclusiva do território africano e a mais perigosa entre as doenças tropicais. Transmitida pela picada de uma mosca, a doença leva a morte caso não seja tratada. O tratamento é injetável e dura uma semana, mas apesar das dificuldades já curamos 170 mil pessoas. A previsão é de que a doença esteja erradicada até 2020. Neste caso, a Sanofi não cobra pelos medicamentos. Em março de 2011, assinamos um acordo com a OMS para a doação de US$25 milhões, estendendo por mais cinco anos a parceria iniciada há dez anos. O total das contribuições chega a US$75 milhões. A doação incluiu medicamentos, patrocínio para formação profissional, campanhas de conscientização sobre as doenças, logística e infraestrutura para os tratamentos.
EXAME: Como a unidade brasileira da Sanofi participa no combate às doenças tropicais?
Sebbag: A unidade brasileira da Sanofi, em Suzano (SP), é responsável pela produção do tratamento da leishmaniose. A doença causa deformação, deficiência e, em certos casos, leva a morte. Todos os anos registra-se 1,6 milhão de casos novos da doença, que está presente em cerca de 90 países. O Brasil produz e exporta cerca de 6 milhões de ampolas anualmente. O tratamento dura entre 15 e 20 dias e o valor por ampola é de US$ 1,20. Unificar a produção do remédio no país é uma forma de garantir que o preço seja o mesmo para qualquer lugar do mundo. O mesmo acontece para o tratamento da malária, produzido exclusivamente na unidade do Marrocos, e para o tratamento da tuberculose, fabricado na África do Sul. Desta forma, também colaboramos economicamente para os países em desenvolvimento com a criação de empregos nas fábricas, além da transferência de tecnologia para as unidades.
EXAME: Quais as principais dificuldades para a erradicação dessas doenças?
Sebbag: Atualmente o gasto médio anual com medicamentos é de US$7 por pessoa no mundo. Se esse valor chegasse a US$ 20, cerca de 95% das doenças poderiam ser tratadas. É uma questão de disponibilidade de recurso, mas não é só isso. Remédios não são como Coca-Cola, que chega a qualquer lugar. O acesso a algumas comunidades pode ser muito difícil, para não se dizer impossível. Outra questão é a estabilidade política. A África, por exemplo, sofre com epidemias e escassez de medicamentos, mas patrocina uma guerra civil. São questões muito complicadas que levam muito tempo para serem modificadas.
EXAME: Qual a participação dos países emergentes na receita da Sanofi?
Sebbag: Os países em desenvolvimento representaram 33% das vendas globais da companhia em 2011, que somaram 33,3 bilhões de euros. Os números comprovam a relevância desse negócio, que cresce acima da média global. Os mercados emergentes registram crescimento de 10,4%, enquanto o resultado global subiu 5,2% no período.