“Não existe galinha feliz presa na indústria”, diz executiva da Mercy for Animals
Em entrevista à EXAME Solutions, Cristina Mendonça fala sobre o papel da MFA em ajudar a banir as piores práticas da exploração animal em indústrias e o trabalho para retirá-las do sistema de produção
EXAME Solutions
Publicado em 3 de setembro de 2024 às 09h30.
Última atualização em 7 de outubro de 2024 às 09h44.
Há mais de 25 anos, a Mercy For Animals (MFA) tem se dedicado a eliminar a exploração de animais em fazendas industriais por meio da construção de um sistema alimentar mais justo e sustentável. Na prática, isso implica fomentar a diversificação proteica e o maior consumo e mercado de alimentação vegetal e à base de células.
O desafio é grande. Só no Brasil, mais de 6 bilhões de animais são abatidos para alimentação todos os anos. Os frangos, por exemplo, que poderiam viver, em média, dez anos na natureza, costumam ser levados a abatedouros com apenas 40 dias de vida.
“Mesmo no sistema cage-free (livre de gaiola) ou no sistema orgânico, as galinhas vivem apenas dois anos podendo expressar seus comportamentos naturais e enfrentam um verdadeiro terror no transporte e nos abatedouros”, diz Cristina Mendonça, diretora-executiva da MFA no Brasil. “Então, não existe galinha feliz na indústria. Essa é a realidade.”
A MFA trabalha em parceria com empresas para apoiar a criação de políticas corporativas que eliminem as piores práticas da indústria.
"Demonstramos às empresas que isso é uma demanda do crescente nível de conscientização do público consumidor", aponta Cristina
Um levantamento divulgado em janeiro deste ano pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), por exemplo, mostra que 81% dos brasileiros adotam hábitos sustentáveis sempre ou na maioria das vezes. Em 2022, esse índice era de 74%.
Outra pesquisa – essa encomendada pela Mercy For Animals ao Instituto IPSOS – expôs cerca de mil pessoas a imagens que mostravam a realidade das aves presas em gaiolas para a produção de ovos. Resultado: 82% dos entrevistados qualificaram a prática como inaceitável, e 71% rechaçaram a venda desses ovos em supermercados e restaurantes.
“Uma de nossas frentes é justamente dar visibilidade a isso e mostrar o que acontece, para que as pessoas possam fazer escolhas mais bem informadas. A outra frente é apoiar as empresas para que elas façam o banimento dessas práticas mais terríveis aos animais”, afirma Cristina.
A boa notícia é que, nos supermercados, já é possível encontrar diversas opções de produtos de origem vegetal e de carnes cultivadas. Só no ano passado, no Brasil, as vendas no varejo de substitutos vegetais de carnes e frutos do mar alcançaram R$ 1,1 bilhão – um aumento de 38% em relação ao ano de 2022. Em 2026, a expectativa é que esse mercado ultrapasse os R$ 2 bilhões.
Baixe, aqui , o Monitor de Iniciativas Corporativas pelos Animais (MICA), da MFA, que analisa o desempenho das empresas mais influentes da América Latina no que diz respeito ao bem-estar animal.
Uma questão de ESG
Diante de consumidores mais conscientes – e da reação da indústria para atendê-los –, Cristina lista outros motivos para que as empresas se preocupem com a maneira em que são tratados os animais na indústria. "A exploração intensiva de animais gera outros impactos, como as múltiplas crises climáticas, poluição, perda de biodiversidade e na saúde pública. Cerca de 75% das doenças emergentes e reemergentes são doenças zoonóticas”, alerta a executiva.
Cristina também fala da importância de se estabelecer sistemas produtivos mais eficientes. “O planeta não tem recursos para suportar esse processo de produção e consumo de alimentos. Hoje, 83% das terras agrícolas no mundo são utilizadas para a produção de leite, ovos e carnes. E esses 83% de terras agrícolas só geram 18% de calorias; ou seja, a conta não bate.”
Outro ponto de reflexão levantado pela executiva está relacionado à incapacidade de cumprir os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela ONU. "Vou citar apenas dois exemplos: o ODS 16, que promove a paz. Eu nunca havia percebido que nós projetamos isso para os seres humanos, mas não para outros seres. Como se isso fosse viável. Transformamos os animais – seres sensíveis – em verdadeiras máquinas; em verdadeiros reatores de produção de alimentos. E o ODS 10, que trata da redução das desigualdades. Não há recursos para atender a um sistema tão ineficiente. Por tudo isso, não podemos falar sobre ESG sem discutir como tratamos os animais, sem falar sobre o bem-estar animal."