Petz, rede de pet shops: com parte das lojas fechadas por coronavírus, sobe participação dos pedidos online (Facebook/Petz/Divulgação)
Carolina Riveira
Publicado em 5 de abril de 2020 às 08h00.
Última atualização em 28 de abril de 2020 às 10h45.
O ditado que diz que o cachorro é "o melhor amigo do homem" nunca foi tão verdadeiro. Cada vez mais, os humanos vêm tratando seus animais de estimação como se fossem verdadeiramente parte da família, sejam eles cachorro, gatos, coelhos ou outros pets. E vêm gastando para isso: no mundo, segundo a Euromonitor International, o segmento de cuidados com animais teve alta de 66% na última década.
Que o mercado é promissor não há dúvida, mas a pergunta de ouro é como empresas e prestadores de serviços podem abocanhar parte desse crescimento. Um estudo da consultoria CVA Solutions, obtido em primeira mão pela EXAME, ouviu 5.420 donos de cães e gatos de estimação para entender como essa parcela da população consome e o que prioriza na hora de comprar itens para seus companheiros.
Mais de 70% dos entrevistados considera o cão ou gato como “um bebê”, “um filho” ou “um membro da família”. Os vira-latas ou animais sem raça definida também são campeões entre os respondentes: são mais de 22% dos cães e 56% dos gatos.
"Quanto mais você humaniza o pet, mais ele vai para dentro da casa e mais você vai cuidar da saúde, fazer banho e tosa, comprar comida especial", diz Sandro Cimatti, diretor da CVA Solutions e organizador do estudo. “Com o crescimento do setor vemos cada vez mais uma especialização, produtos extremamente de nicho."
No geral, 80% dos entrevistados gasta dinheiro com veterinário, 324 reais ao ano com cães e 294 reais com gatos. Mais além, 11% dos donos de cães e 17% dos gatos gastam inclusive com plano de saúde -- mais de 1.000 reais por ano, em média.
O preço também não é tudo para os donos de animais, mostra o estudo. Os custos de alimentação (se a ração rende mais ou é mais barata) ainda representa 60% da chamada “árvore de valor”, isto é, a importância de um aspecto em um produto. Mas os benefícios, como a ração ser saborosa para o animal e nutritiva, já são 40% do valor para donos de cães e 43% para gatos. "Gasto com pet sempre foi um serviço de classe alta, e esses serviços de nicho ainda têm esse perfil. Mas há também muitos gastos vindos da classe C, até D", diz Cimatti.
O número de empresas aumentando sua variedade de serviços e produtos para pets também vêm crescendo, mesmo as que atuam para um nicho mais especializado. A startup Dog's Care, que fabrica fraldas e outros produtos de higiene para cachorros, chegou a mais de 5.000 lojas parceiras pelo Brasil. Neste ano, lançou também a Cat's Care, para gatos.
A Special Dog, que vende mais de 80 tipos de alimentos para cães e gatos, prevê alta de 10% no faturamento em 2020, chegando a 790 milhões de reais. O volume de vendas cresceu mais de 50% entre 2017 e 2019, com exportação para seis países. A fábrica da empresa no interior de São Paulo obteve um investimento de 80 milhões de reais no ano passado para expansão.
A DogHero, de hospedagem de cachorros, tornou-se uma das maiores empresas de serviços de cães na América Latina vendendo serviços para os animais. A plataforma da empresa conecta donos dos animais a passeadores ou aos chamados "anfitriões", que hospedam o animal em casa. São mais de 20.000 anfitriões em 750 cidades no Brasil, na Argentina e no México e já captou mais de 45 milhões de reais em aportes.
Na linha dos serviços, empresas de adestramento como Tudo de Cão, Cão Cidadão e Adestramento Millenium também angariam milhares de clientes com o objetivo de melhorar a interação entre humanos e os animais.
Mesmo empresas não especializadas tentam conseguir uma parte da bilionária receita do mercado pet, como a Nestlé, que tem desde 2001 a marca Purina, de produtos para pets.
No varejo, são mais de 31.000 estabelecimentos comerciais especializadas em produtos para pet, segundo estudo do Instituto Pet Brasil com base em dados governamentais. Entre 2017 e 2018, data do último estudo consolidado, foram mais de 1.000 novas lojas abertas. Embora tenha havido um aumento no número de unidades das chamadas mega stores (grandes redes de lojas, como Cobasi ou Petz), quase 80% do varejo para pets é composto pelas pequenas lojas de vizinhança.
Na pesquisa da CVA, aumentou o número de respondentes que compra os produtos em mega petshops: são o lugar escolhido por 18% cães e 23% para gatos. Pet shops de bairro são 38% das opções, com leve crescimento. Quem caiu foram os supermercados e hipermercados, que hoje são a opção preferida de 25% dos respondentes -- ante 35% para cães e 44% para gatos em 2014.
Um dos principais reflexos do crescimento do varejo especializado é a rede Petz, que planeja abrir capital na bolsa nos próximos meses, tendo pedido em fevereiro registro para seu IPO. A Petz tem 30 megalojas na cidade de São Paulo e 107 no total, em 12 estados brasileiros e Distrito Federal. De olho no segmento de saúde, a empresa também lançou em 2018 uma rede própria de clínica veterinária, a Seres. Outra gigante no setor é a Cobasi, que tem 34 anos no segmento pet e 100 lojas em todo o Brasil.
Na análise de valor percebido da CVA, Petz, Cobasi, Mundo Animal, Pet Love e outras redes especializadas estão à frente de todas as redes de supermercado, como Extra, Carrefour, Atacadão e Assaí, tanto em custo quanto em benefícios.
“As pessoas querem mais opções. O supermercado tem conveniência, porque você compra a ração junto com o arroz. Mas às vezes a ração especializada que o veterinário recomendou não tem no supermercado, que só tem duas marcas”, diz Cimatti, da CVA. "Por isso essas mega pet shops estão tomando muito mercado."
O varejo reflete o crescimento do setor, mas também um dos maiores desafios do segmento pet no momento. Com a disseminação da pandemia de coronavírus afetando todos os mercados de forma sem precedentes, o mundo pet não passa 100% ileso. Veterinários e lojas especializadas, sobretudo os que operam majoritariamente no mundo físico, vêm sendo afetadas pela menor circulação de pessoas e quarentena em vários estados do Brasil.
Por outro lado, afirma Cimatti, para boa parte das famílias, os gastos com itens pet já atingiram o patamar de itens “essenciais”. "Os consumidores não vão deixar de comprar itens para seus animais, porque já são vistos como de primeira necessidade. O que pode mudar é forma de consumo, com mais itens comprados online", diz.
A Zee.Now, braço de entregas da startup de itens para pets Zee.Dog, afirma que nas últimas semanas têm crescido em meio à quarentena a procura não só por itens considerados essenciais, como ração, mas também pelas compras menos “urgentes”, como acessórios para pets. Segundo a Zee.Now, a receita subiu 49% nos primeiros 26 dias de março em relação a fevereiro.
“A proporção ‘essenciais’ versus ‘não-essenciais’ ficou praticamente a mesma de sempre. Isso mostra a resiliência do setor quanto as pessoas, mesmo em momentos de crise, que não abrem mão de gastar com seus cachorros e/ou gatos”, diz o co-fundador e presidente da Zee.Now, Felipe Diz. A Zee.Now também tem parceria com o iFood para vender itens na plataforma na cidade de São Paulo.
O digital será essencial neste momento. O Rappi tem parceria com a rede Petz. O aplicativo também oferece entregadores para buscar produtos em supermercados ou outras lojas, que podem também vender itens para os animais.
As grandes redes têm parte de suas lojas fechadas, e enfrentam o desafio de manter o volume de vendas online. A Petz diz que o número de compras online aumentou, mas não revela o tamanho do crescimento. Já a concorrente Cobasi diz que, na semana do dia 16, ainda antes de um movimento maior de quarentena nos estados, os consumidores estavam comprando “além do normal” nas lojas físicas. Passado esse período, aumentou o número de compras online na semana do dia 23 e dobrou a participação do e-commerce no total de vendas. As entregas conseguem ser feitas em até quatro horas.
Para agilizar as entregas, as duas redes estão usando modelo de entregas direto dos estoques das lojas, algumas delas fechadas em meio à pandemia – sobretudo as que ficavam dentro de shopping centers.
O mercado pet não é o campeão no mundo online. O segmento representou só 1,6% dos pedidos do e-commerce em 2019, e menos de 1% do faturamento, segundo a empresa de inteligência de mercado Compre&Confie. Telefonia e eletroeletrônicos, por sua vez, têm mais de 30% do faturamento.
Mas o cenário vem mudando na quarentena: a venda de produtos pet subiu 54% em número de pedidos entre 24 de fevereiro e 29 de março. É quase o mesmo nível de crescimento de produtos de saúde, os mais requisitados do momento, e mais do que alimentos e bebidas.
Como em outros segmentos, o mercado pet não passará totalmente ileso. Estabelecimentos do varejo e de prestadores de serviços, como banho e tosa e clínicas veterinárias, saíram amplamente prejudicados pela quarentena. O Instituto Pet Brasil assinou junto a outras organizações do setor uma carta aberta pedindo que consultórios, clínicas, ambulatórios e hospitais veterinários sejam registrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e que, após serem aprovados pela vigilância sanitária, possam operar mais facilmente em meio à quarentena.
Outros negócios têm precisado se adaptar. O aplicativo Lilu conecta donos de animais a profissionais que prestam serviços de banho e tosa em São Paulo -- com investimento de 40.000 reais no aplicativo e menos de 10 funcionários, a startup ganhou o desafio programa Startup SP do Sebrae-SP. Com donos de animais evitando ir às ruas, a empresa afirmou em suas redes sociais que está redobrando os cuidados com higiene em seu atendimento em domicílio.
De qualquer forma, mesmo nos tortuosos desafios do coronavírus, os gastos com pets devem continuar crescendo no mundo todo e sendo essenciais para milhares de famílias. As empresas do setor estarão de olho para se adaptar a estes novos tempos.