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Mais pressão, mais recalls

Michele Loureiro  Quase 20% dos carros brasileiros apresentaram algum problema de fabricação nos últimos cinco anos. Segundo dados do Procon e do Ministério da Justiça, de janeiro de 2013 a junho deste ano, 7,8 milhões de veículos (de um total de 42,9 milhões que circulam no país) foram chamados para recall pelas montadoras. Apenas neste […]

Toyota Corolla (Toyota/Divulgação)

Toyota Corolla (Toyota/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 14 de junho de 2017 às 16h21.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h59.

Michele Loureiro 

Quase 20% dos carros brasileiros apresentaram algum problema de fabricação nos últimos cinco anos. Segundo dados do Procon e do Ministério da Justiça, de janeiro de 2013 a junho deste ano, 7,8 milhões de veículos (de um total de 42,9 milhões que circulam no país) foram chamados para recall pelas montadoras. Apenas neste ano, já são 63 campanhas e cerca de 1 milhão de veículos envolvidos. Se pagamos tão caro, porque os carros brasileiros têm tantos defeitos?

Uma das explicações é a pressa das montadoras em lançar os produtos, segundo o engenheiro mecânico Hélio da Fonseca Cardoso, diretor do Ibape/SP (Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia de São Paulo) e autor de dois livros sobre o tema. “Há uma década, um veículo demorava cerca de cinco anos para ser planejado e lançado. Atualmente, esse processo é de pouco mais de um ano em virtude da globalização de processos”, diz. Fato é que nenhuma montadora pode se dar ao luxo de esperar e pensar muito em um mercado que encolheu 25% nos últimos quatro anos e viu o número de competidores crescer.

“As fabricantes entendem que é melhor lançar os veículos o mais rápido possível e fazer os eventuais reparos ao longo do caminho. É como o setor de tecnologia, que lança aplicativos buscando pioneirismo e depois faz atualizações. Porém, estamos falando de um segmento mais complexo e que lida com vidas”, avalia Cardoso.

Há alguns exemplos emblemáticos do que ele chama de pressa das montadoras. Um deles é Ford Ka, que no mesmo mês do lançamento de sua versão repaginada (em 2014) teve chamado de recall, por problemas no cilindro de ignição que podiam desligar o carro. Recém lançado, o Jeep Compass também foi convocado para recall na sequência, em março deste ano, por problemas no motor.

Por vezes, o foco voltado aos lançamentos também acaba influenciando os outros produtos. Caso da Fiat, que viu o entusiasmo pelo lançamento do hatch Argos neste mês ser um pouco ofuscado por um amplo chamado para conserto de outros 13 modelos de sua linha por conta de um defeito no alternador, que pode desligar o carro em movimento. No total, 70.740 carros vendidos pela montadora apresentam defeitos.

Em nota, a FCA (Fiat Chrysler Automóveis) afirmou que trata com prioridade a identificação de qualquer inconformidade que possa comprometer a saúde e a segurança das pessoas e realiza de forma preventiva e transparente campanhas de recall mesmo que o risco de ocorrência seja mínimo.

Mão de obra e fornecedores

Outro fator que entra na conta para o alto volume de recalls é a falta de análise aprofundada da cadeia de fornecedores. Como o próprio nome diz, as montadoras apenas montam os veículos, a partir de componentes vindos de autopeças. Segundo dados da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil), 70% dos recalls são causados por problemas com fornecedores de peças – enquanto o restante pode ser atribuído a erros de projeto.

O problema é que os grandes fornecedores, como Delphi, Basf e Magneti Marelli recebem peças de empresas menores (os chamados tier 2 e 3) para montar seus itens. Com a retração do mercado automotivo, o investimento desses pequenos negócios em atualizações e novas tecnologias foi comprometido, isso sem contar as demissões em massa. Em muitos casos a qualidade dos produtos fica comprometida e pode impactar toda a cadeia. “As montadoras exigem um selo de qualidade assegurada e não fazem testes profundos em cada componente”, afirma Cardoso. 

A Toyota é uma das vítimas de problemas sérios com fornecedores e até hoje vive os reflexos das falhas de airbags fornecidos globalmente pela Takata, que já levou milhões de veículos da marca de volta às concessionárias – e estão ligados a pelo menos dez acidentes fatais no mundo. Em abril deste ano, a companhia japonesa fez um novo chamado de 538.000 carros brasileiros para a troca do equipamento, que pode não funcionar em caso de colisão. 

Para piorar, na semana passada, a montadora acionou outros 9.890 proprietários dos modelos sedã Corolla, fabricados entre dezembro do ano passado e fevereiro deste ano, para a substituição do cinto de segurança traseiro, que também pode não exercer seu papel. Em nota, a empresa disse que fez 10 campanhas de recall em 2016 e cinco esse ano, que possui um grupo de melhoria contínua e “que tem como prioridade a fabricação de produtos seguros e com qualidade”.

Quem segura as montadoras?

Enquanto as montadoras desfilam centenas de recalls, não há um controle rígido em relação aos defeitos dos veículos. Enquanto nos Estados Unidos todo defeito é motivo de recall, seja ele uma luz interna ou um problema no motor, no Brasil, apenas os itens de segurança são observados. Lá, há um órgão que fiscaliza as montadoras e coordena as campanhas de recall por meio de banco de dados de proprietários. Por aqui, o processo ainda é mais intuitivo e apesar de o Ministério da Justiça, Ministério Público e os órgãos de defesa do consumidor auxiliarem na questão, não há qualquer sanção às montadoras.

Executivos do setor afirmam que o número de recalls seria pelo menos duas vezes maior se todos os problemas fossem divulgados. O que acontece é que algumas montadoras acabam realizando os reparos na hora da revisão dos veículos, sem que o consumidor sequer seja informado – o que é ilegal. “Chamamos isso de recall branco. Ele é feito para não manchar a reputação da marca”, diz um executivo do setor.

Fato é que o volume de chamados para reparo de veículos saltou 7% de 2015 para 2016 – e continua alto esse ano. Provavelmente você já viu alguma notificação na televisão, jornais, revistas ou até mesmo recebeu uma carta convocando para comparecer à uma das concessionárias da marca. Se você atendeu a um desses chamados, parabéns, você está entre os 13% dos motoristas chamados que realizaram recall em 2016. Isso mesmo, a esmagadora maioria ignora os chamados – ou não fica sabendo sobre eles.

Apesar de as montadoras terem a obrigação de comunicar os proprietários, o atendimento ao chamado é voluntário e não tem prazo. Com o número de concessionárias cada vez menor, em decorrência da redução nas vendas de carros, os motoristas precisam percorrer distâncias maiores e às vezes não há vagas imediatas nas revendas. “Além disso, muitas pessoas notificadas por cartas já não são mais os proprietários e os donos reais não têm acesso à informação”, diz Renato Schahin, professor da Faculdade de Direito e coordenador do Juizado Especial Cível da FAAP.

A ausência de um banco de dados atualizado – que já foi proposto pelo Departamento Nacional de Trânsito, mas nunca saiu do papel – dificulta o acesso aos motoristas, uma vez que há recalls para veículos vendidos há dez anos, por exemplo.

Entretanto, a falta de comparecimento dos proprietários não ausenta as montadoras de culpa em casos de acidentes por conta do problema destacado no chamado. “A fabricante sempre será culpada em caso de acidentes, afinal, ela vendeu um produto com defeito”, afirma Schahin. Não há um levantamento oficial sobre o número de processos contra as montadoras, mas a suposição é que a maior parte dos casos seja relativa ao não ativamento dos airbargs em caso de colisão. “Ninguém processa uma montadora pelo simples fato de ser convocado para o recall, mas pode fazer isso se um acidente ocasionado pelo problema causar algum transtorno”, afirma o professor.

Enquanto isso, as montadoras vão gastando pequenas fortunas para indenizar os motoristas que sofrem acidentes – e escondendo isso muito bem.

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