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Lucro das empresas e clima andam juntos

Ferramentas de previsão do tempo são utilizadas para reduzir custos e racionalizar operações de empresas de diversos setores

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h40.

Muitas empresas estão com suas atenções voltadas para a cidade de Cachoeira Paulista (SP), onde está localizada a sede do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), responsável por definir se o El Niño vai estar oficialmente presente entre nós na temporada 2009/2010. Muitos já conhecem os efeitos do fenômeno fruto da elevação atípica da temperatura das águas do Pacífico que provoca alterações climáticas em diversas partes do mundo. No Brasil, o El Niño é sinônimo de temperaturas mais elevadas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste (até 2° C acima das temperaturas habituais), chuvas acima da média no Sul e abaixo do padrão no Norte e Nordeste. O que alguns desconhecem é que a previsão do tempo já é vista como uma ferramenta estratégica de negócios para grandes empresas dos mais diferentes segmentos da economia, como energia, petróleo, varejo, bebidas e até agências de publicidade.

Monitorar diariamente o tempo - e, de modo mais particular, as chuvas - é fundamental para o dia a dia da AES Tietê, atual responsável por 20% da energia elétrica produzida no estado de São Paulo e principal fornecedora para a distribuidora AES Eletropaulo. "Antes mesmo da privatização, a companhia já contava com o apoio de ferramentas de meteorologia governamentais como o CPTEC/Inpe e Inmet. Também temos uma rede de telemetria própria com 48 estações de medição de vazão e chuvas espalhadas pelo estado de São Paulo nas regiões dos reservatórios", afirma o gerente de operações da AES Tietê, Antônio Carlos Garcia.

O monitoramento climático e de chuvas é estratégico para o planejamento de geração de energia, principalmente em eventuais casos de menor oferta hídrica e para a segurança do empreendimento. "Por meio desse procedimento, eu consigo identificar a quantidade de água que irá chegar a cada reservatório. Assim, é possível armazenar naqueles com maior volume e, se necessário, redirecionar para aqueles mais secos, mantendo a geração de energia em nossa capacidade plena, mesmo em um cenário de menor oferta de chuvas", afirma o executivo da AES Tietê.

Para se ter uma ideia da importância que essa antecipação de cenários de chuvas traz à concessionária, nos anos de 2001 e 2002, que sofreram forte influência do El Niño, a geração de energia foi de, respectivamente, 9 mil e 11 mil gigawatts-hora (GWh). Em 2008, ano no qual o fenômeno climático não ocorreu, as dez hidrelétricas da AES Tietê S.A. produziram 13,5 mil GWh, energia suficiente para abastecer 5 milhões de residências no período.

Vale lembrar ainda que a oferta de água é fundamental para o novo pacote de investimentos da AES Tietê, no total de 101 milhões de reais, dos quais 30 milhões devem ser destinados à construção de novas Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). Os recursos fazem parte do projeto de ampliação de capacidade da concessionária que durante a privatização em 1999 se comprometeu a elevar a capacidade em 15% inicialmente até o fim de 2007. O prazo foi estendido em virtude do apagão em 2001 e da crise do gás em 2006. Não há ainda nova data definida.

Distribuição de energia

Empresa que também faz parte do grupo AES, a Eletropaulo, que distribui a energia na região metropolitana de São Paulo, também possui preocupações climáticas, mas com as chamadas chuvas de verão, acompanhadas de fortes ventos. A empresa reduziu pela metade o tempo médio de interrupção no fornecimento de energia elétrica durante tempestades. Isso é importante porque o contrato de concessão firmado com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) prevê sanções quando o fornecimento é interrompido.

Para reduzir ainda mais os problemas, a empresa vai investir 2 milhões de reais em um projeto inédito no Brasil que tornará possível a previsão de chuvas de verão que se formam sobre a região. "Hoje os sistemas disponíveis no país são capazes apenas de detectar chuvas fortes que têm origem com a chegada de frentes frias à capital e a movimentação de grandes nuvens. Com esse projeto, saberemos com três horas de antecedência se esse tipo de precipitação irá ou não ocorrer", afirma o diretor de Operações da AES Eletropaulo, Fernando Mirancos.

O projeto, que tem como parceiro o INPE, começou a ser desenvolvido em maio deste ano e tem previsão para estar concluído em 2011. "Saber com antecedência a ocorrência de descargas atmosféricas, chuvas e ventos é fundamental para a manutenção e segurança da nossa rede. Hoje, 95% não está enterrada. Além disso, a partir dele definimos toda nossa operação logística. Em dias normais, temos 180 equipes nas ruas. Quando há chuvas fortes, esse efetivo pode chegar a 320", afirma Mirancos.

Além disso, o sistema de previsão do tempo ajuda a distribuidora a avaliar se pedidos de indenização feitos por consumidores que envolvem a queima de aparelhos eletrodomésticos e eletroeletrônicos por descarga elétrica são pertinentes ou não.

Petróleo

Já a Petrobras monitora os ventos e as ondas oceânicas para que seus funcionários que trabalham em plataformas em alto-mar não sejam pegos de surpresa. Desde meados da década de 90, a estatal mantém contratos regulares com empresas de previsão do tempo a fim de subsidiar o apoio às operações sobre o mar. Segundo a companhia, ter em mãos informações antecipadas sobre as condições climáticas é fundamental para a segurança e para o planejamento das operações.

Uma vez que os riscos e custos são elevados, tais dados contribuem de forma significativa para a estratégia da petrolífera e têm reflexos diretos no resultado do negócio. Isso porque várias atividades - tais como voo, mergulho e transbordo (transferência de pessoas ou de material de uma embarcação para outra) - dependem de modo crítico das condições de tempo e mar, enquanto outras – ancoragem de unidades, pull-in (conexão entre as linhas de produção) e offloading (operações de transferência entre a plataforma e o terminal, conhecidas popularmente por alívio) - são afetadas de forma relevante.

Varejistas

Estar em sintonia com o clima também é estratégico para a Lojas Renner, segunda maior rede de lojas de departamento de vestuário do país. "Por meio de estudos meteorológicos e do histórico de clima por região, podemos planejar geograficamente a demanda necessária de estoques pesados para as coleções de inverno e de meia-estação. Esse equilíbrio de mix entre lojas torna possível uma redução de encalhes e descontos e, por consequência, uma melhor margem para a companhia", afirma o diretor de Compras da Lojas Renner, Haroldo Rodrigues.

Com 110 lojas espalhadas pelas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste, a Renner detém 11 marcas próprias. Segundo Rodrigues, a rede utiliza previsão meteorológica de curto prazo na definição das datas promocionais e para estabelecer as estratégias de vendas e exposições de mercadorias.

Do delivery à agência de propaganda

Embora a Climatempo, desde o início das atividades em 1988, mantenha contratos com empresas para o fornecimento de serviços de meteorologia e previsão do tempo, nos últimos dois anos, a demanda por esse tipo de serviço tem se aquecido cada vez mais e também se diversificado.

"Antigamente, a procura praticamente ficava centralizada nos segmentos de alimentação e vestuário. Nos últimos dois anos, começamos a atender mais empresas de construção civil e infraestrutura, mas já chegamos a ter como clientes desde deliveries de redes de fast food a agências de propaganda ou produtoras de vídeo", afirma André Madeira, chefe do departamento de Meteorologia da Climatempo.

Por razões contratuais, a Climatempo não revela a identidade daqueles que compõem sua carteira de clientes formada hoje por 20 empresas. Por pertencer ao setor público, o CPTEC/Inpe mantém um convênio com a Fundação de Ciência, Aplicações e Tecnologia Espaciais (Funcate) a fim de poder atender demandas do setor privado.

"A procura de empresas por serviços de meteorologia e previsão do tempo cresce ano a ano. São aproximadamente 50 que nos procuram. No entanto, só prestamos serviços hoje não disponibilizados pela iniciativa privada. Assim, anualmente desenvolvemos serviços para aproximadamente 20 empresas", afirma o chefe substituto do grupo de atendimento ao usuário do CPTEC/Inpe, William Escobar.

Ainda segundo Escobar, hoje a meteorologia já é vista pelas grandes empresas como uma ferramenta importante voltada a ampliar lucros e diminuir gastos.

Bebidas

Temperaturas mais altas estão entre as variáveis que têm influência direta no consumo de bebidas. Os balanços divulgados pela maior empresa de bebidas do Brasil, a AmBev, constantemente citam a influência positiva ou negativa do clima sobre os resultados. No primeiro trimestre deste ano, por exemplo, a cervejaria atribui o crescimento de 7,6% no volume de vendas da bebida no Brasil a um tempo menos chuvoso do que o registrado de janeiro a março de 2008, entre outros motivos. A diferença é que as fabricantes de bebida têm mais dificuldades para usar as previsões a seu favor.

"A previsão do tempo ainda não permite projeções de médio e longo prazos, o que dificulta sua utilização pelas indústrias de bebidas. Você não tem uma confiabilidade de dois ou três meses, que é o tempo necessário para atividades-chave como compra de matéria-prima, embalagens e envase", afirma o diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcoólicas (Abir), Paulo Mozart.

As empresas do setor, no entanto, aguardam com ansiedade a confirmação de que o clima no Brasil sofrerá a influência do El Niño no biênio 2009-2010. Em 1997, as vendas de cerveja subiram 11% devido a esse fenômeno climático. Ainda não é possível prever se ele virá ou não, mas uma coisa é certa: as companhias estão cada vez mais de olho no tempo.
 

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