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Lei de leniência do BC pode impedir punições, diz procurador

A MP endurece a fiscalização e sanções que poderão ser adotadas pelo BC e pela CVM em caso de fraudes e irregularidades

Procurador Carlos Fernando dos Santos Lima (Rodolfo Buhrer/Reuters)
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Reuters

Publicado em 9 de junho de 2017 às 22h28.

Última atualização em 9 de junho de 2017 às 22h57.

Brasília - Um dos coordenadores da força-tarefa da operação Lava Jato , o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima disse à Reuters nesta sexta-feira que a medida provisória que cria acordos de leniência para o sistema financeiro corre o risco de "apagar o passado" e evitar que crimes sejam punidos.

Dizendo-se "surpreso" com a edição da medida na noite de quarta-feira, Lima disse que não há motivo para publicar tão rápido um texto que vinha sendo discutido há bastante tempo.

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"Não teria por que ser feita da noite para o dia não fosse a intenção de proteger as empresas em meio a rumores de acordos importantes de colaboração premiada", disse.

"Na nossa opinião, não atende os requisitos de urgência da Constituição. É uma urgência nada republicana."

Além de prever acordos de leniência para o sistema financeiro, a MP endurece a fiscalização e sanções que poderão ser adotadas pelo Banco Central e pela Comissão de Valores Mobiliários em caso de fraudes e irregularidades.

Na quinta-feira, fonte do Palácio do Planalto disse à Reuters que, mesmo estando em estudo por alguns meses uma versão da lei estava na Casa Civil desde março, o Banco Central pediu ao presidente Michel Temer para destravar a publicação num encontro na última terça-feira.

A motivação, disse a fonte, é a possibilidade da delação premiada do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, preso em Curitiba, que iria muito além das empresas tradicionais e afetaria bancos e outras instituições financeiras. A fonte disse que há muita preocupação com o sistema financeiro, que apesar de sólido poderia sofrer impacto.

"Não deveria preocupar o governo a não ser pelas notícias de uma possível delação", disse Lima.

Lima afirma que a lei tem "armadilhas" que passam despercebidas num primeiro momento e que alguns pontos da medida dificultam criminalizar responsáveis por fraudes no setor financeiro. O principal seria o fato do texto não exigir que os infratores entreguem outras pessoas envolvidas nos crimes, apenas o próprio banco.

"Pode ser feito o acordo sem entregar outros responsáveis, só se exige a confissão de seus próprios atos. Isso leva a uma situação que apaga o passado."

A medida não prevê participação do Ministério Público ou a comunicação do fato que levou ao acordo de leniência. Além disso, a MP não permite a aplicação da nova multa, que passou de 250 mil reais para até 2 bilhões de reais, para os casos anteriores. Com isso, diz o procurador, a punição seria ínfima.

"Eu posso retroagir o mecanismo da leniência, mas não posso retroagir a penalidade. Então, a lei está permitindo que todos os fatos acontecidos até a edição da lei possam ser objeto de acordo de leniência onde não serão revelados os corresponsáveis e a multa é a da lei antiga, que é insignificante", disse.

"Isso leva a uma situação que parece muito mais atender o interesse de apagar o passado do que realmente atender o interesse público de determinar os responsáveis pelo crime".

Lima criticou ainda o fato da lei prever que os acordos possam ser mantidos em sigilo.

O artigo 14 prevê que, quando assinados, devem ser publicados no site do Banco Central, mas com a seguinte ressalva: "Não será publicado o termo de compromisso nos casos em que a autoridade competente entender, mediante despacho fundamentado, que sua publicidade pode colocar em risco a estabilidade e a solidez do Sistema Financeiro Nacional, do Sistema de Pagamentos Brasileiro."

"Agora se uma empresa, com receio de alguma colaboração premiada vai ao Banco Central, revela que fez isso ou aquilo, não revela por exemplo as autoridades públicas que auxiliaram naquela crise, ela ainda pode pagar uma multa insignificante baseada na lei anterior e, além disso pode ser mantido em sigilo e arquivado no próprio órgão que celebra o acordo? Estamos diante de um excesso de poder deferido aos órgãos (Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários)", disse.

Os acordos de leniência preparados pelo Ministério Público, lembra o procurador, precisam ser homologados pela Justiça. Não há nenhuma previsão na nova legislação da supervisão de um outro órgão nos acordos a serem preparados pelo BC.

"Se a decisão for pelo sigilo, ninguém ficaria sabendo", disse Lima, lembrando que, em tese, o acordo pode não ser nem mesmo comunicado ao Ministério Público para que analise se há crime e qual a ação penal prevista em cada caso.

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