Ghosn: O ex-CEO do setor automotivo, de 65 anos, tem três nacionalidades francês, libanês e brasileiro (Issei Kato/Reuters)
AFP
Publicado em 31 de dezembro de 2019 às 11h35.
Como Carlos Ghosn, um homem popularmente conhecido e reconhecível no mundo todo, conseguiu sair do Japão sem ser detectado e quais as consequência disso em seu julgamento? Essas são as primeiras perguntas que feitas nesta terça-feira em um Japão chocado.
O ex-CEO do setor automotivo, de 65 anos e que tem três nacionalidades (francês, libanês e brasileiro), conseguiu deixar o Japão, onde estava em liberdade condicional, sem que ninguém percebesse.
Enquanto ele se preparava para seu julgamento, de acordo com seus defensores, e parecia, segundo amigos íntimos, cumprir as regras impostas (não viajar para o exterior, não ver ou entrar em contato com sua esposa, informar sobre suas reuniões, não deixar Tóquio por mais de três dias), esse vazamento surpreendeu a todos.
Seu principal advogado, Junichiro Hironaka, que soube da notícia "na televisão", disse estar "perplexo".
"É claro que é indesculpável, já que é uma violação das condições de sua fiança, é ilegal pela lei japonesa. Mas dizer que não entendo seus sentimentos é outra história", disse Hironaka à mídia.
Segundo uma fonte anônima da emissora pública NHK, "a Agência de Imigração informou que não tem nenhum registro" (nem digital, nem em vídeo) de Ghosn saindo do país.
Além disso, seus três passaportes oficiais estão nas mãos de seus advogados japoneses, fiadores do respeito às condições de sua fiança.
Nesta terça-feira, Hironaka explicou que ainda possui esses documentos em sua posse, sugerindo que Ghosn fugiu com outro documento, ou escapou dos controles.
Críticas de parlamentares começam a invadir redes sociais, como a de Masahisa Sato, do Partido Liberal Democrático (PLD) no poder, chamando de "problemático para um país permitir uma saída ilegal".
Segundo Hironaka, a fiança provavelmente será anulada e o dinheiro pago (cerca de 13,5 milhões de dólares) retido pela Justiça.
No entanto, na ausência de um tratado de extradição entre Beirute e Tóquio, é improvável que Ghosn seja devolvido ao Japão.
De qualquer forma, será difícil impor as acusações no exterior, disse o ex-promotor e hoje advogado Nobuo Gohara, que não integra o caso.
"Uma coisa é certa. Para os promotores, é uma situação extremamente séria. A Nissan deve temer. Os promotores também", estima.
"A equipe de defesa prometeu ao juiz que Ghosn permaneceria no Japão como condição para sua fiança. Eles mantiveram seus passaportes, mas ele foi para o exterior", resumiu.
Segundo o advogado, no Japão, um julgamento na ausência do acusado não é uma opção. Para ele, essa fuga também é resultado de um sistema judicial que dá pouca esperança de avançar.
Ghosn e sua família protestaram desde o início contra os métodos japoneses, assim como seus advogados franceses. Enquanto isso, os promotores haviam feito tudo para que ele não fosse libertado, alegando precisamente que poderia fugir.
"Não sou mais refém de um sistema judicial japonês parcial no qual prevalece a presunção de culpa, onde a discriminação é generalizada e os direitos humanos são violados, sem levar em conta as leis e tratados internacionais que o Japão ratificou e está obrigado a respeitar", escreveu Ghosn, fora do Japão, em comunicado.
"Não fugi da Justiça, livrei-me da injustiça e da perseguição política", acrescentou.