Ken Ono: renomado matemático é professor da Universidade de Virgínia, nos EUA (Matt Riley/ University of Virginia Communications/Divulgação)
Repórter
Publicado em 4 de dezembro de 2025 às 10h18.
Última atualização em 4 de dezembro de 2025 às 10h18.
Ken Ono, 57 anos, é considerado um dos matemáticos mais conhecidos do mundo e construiu a carreira em universidades de ponta nos Estados Unidos, como Wisconsin, Emory e, mais recentemente, a Universidade de Virgínia (UVA), onde tinha cargo vitalício.
Agora, ele decidiu deixar a estabilidade da academia para trabalhar em uma startup de inteligência artificial fundada por uma ex-aluna de 24 anos, como mostra reportagem do jornal americano Wall Street Journal (WSJ).
Professor de teoria dos números, Ono se tornou uma figura conhecida também fora do meio acadêmico. Ele orientou o principal programa de pesquisa para alunos de graduação de elite nos EUA e já formou diversos ganhadores do Morgan Prize, prêmio dado ao melhor pesquisador de matemática em nível de graduação no país — entre eles, a própria nova chefe, Carina Hong.
Sua trajetória sempre foi pouco convencional. Filho de pais que pressionavam por resultados, ele não chegou a concluir o ensino médio. Mesmo sem diploma, entrou na faculdade, se apaixonou por matemática e passou décadas ensinando antes de chegar à UVA em 2019.
Ao WSJ, o matemático Ken Ribet, ex-presidente da Sociedade Americana de Matemática, resumiu o impacto de Ono dizendo que ele é uma figura “maior que a vida” na matemática.
Ono é conhecido pelo seu trabalho com teoria dos números, mas também ganhou espaço ao aplicar matemática em outras áreas. Ele trabalhou com campeões olímpicos de natação dos EUA, assessorou a Agência de Segurança Nacional (NSA), ajudou a produzir o filme “O Homem Que Conhecia o Infinito", sobre o matemático indiano Srinivasa Ramanujan, e até estrelou um comercial de cerveja nos EUA.
Por muitos anos, Ono via a inteligência artificial com ceticismo. Ele acompanhava a evolução dos modelos, reconhecia o avanço em tarefas cognitivas e em problemas que as máquinas já tinham visto, mas acreditava que a criatividade exigida pela matemática pura, feita de intuição e pensamento abstrato, manteria seu trabalho protegido por décadas.
Essa visão mudou em 2024, quando ele foi um dos 30 matemáticos convidados para selecionar problemas de pesquisa que seriam usados como teste para modelos de IA. A experiência o abalou.
"A vantagem que eu tinha sobre os modelos estava diminuindo", disse Ono ao Wall Street Journal. “‘E em áreas da matemática que não eram o meu forte, eu sentia que os modelos já estavam me deixando para trás’”.
Depois desse encontro, o matemático contou ao WSJ que passou meses como se estivesse “de luto” pela própria identidade profissional, sem saber qual seria o próximo passo, sabendo que os modelos continuariam a ficar mais fortes.
"Então eu tive uma epifania", afirmou. "Percebi que o que os modelos ofereciam era uma forma diferente de fazer matemática".
Em vez de encarar a IA apenas como ameaça, Ono passou a tratá-la como colaboradora. Ele disse ao WSJ que hoje "passa uma ou duas horas por dia trocando ideias com os modelos" e que, "tarde da noite, se não consegue dormir, pega o iPhone e fica falando de matemática com os modelos de IA".
Ao mesmo tempo, outros fatores tornaram o ambiente universitário menos atraente. Com o Departamento de Justiça dos EUA voltando a atenção para o ensino superior, ele passou a temer pelos recursos federais de pesquisa.
Na UVA, a situação política se intensificou após a saída do reitor, pressionado pelo governo Trump. Como conselheiro de ciências exatas da reitoria, Ono diz que estava gastando cada vez mais tempo com política interna e menos tempo fazendo matemática.
Ele decidiu aceitar o convite da ex-aluna e mudar para a Axiom Math, em Palo Alto, para participar de um projeto que, na visão dele, pode redesenhar a própria prática da matemática. "Tenho o privilégio de participar da transformação de como o mundo realmente funciona", disse ao WSJ. "Como matemático puro, isso raramente foi o caso".
Ono pediu licença estendida da UVA, sem planos de retorno, e mudou-se para a Califórnia com a esposa e o cachorro da família, o Mochi. Ele se tornou o 15º funcionário da Axiom.
No início das conversas, a startup o convidou com o título informal de "chefe da matemática". Depois de alguma negociação, as partes chegaram a um cargo oficial: matemático fundador.
A função de Ono será testar os limites dos modelos de IA da empresa, criando problemas que só podem ser resolvidos com compreensão real de princípios matemáticos e desenhando métricas para medir o desempenho do sistema e orientar o desenvolvimento dos modelos. "Pense nisso como um mapa para um marinheiro", explicou ao WSJ.
Ele afirma que a motivação não é financeira. "Não estou fazendo isso pelo dinheiro", disse. Ono já estava entre os funcionários mais bem pagos da UVA e conta ter recusado propostas mais lucrativas e participações maiores em outras empresas de IA, segundo o Wall Street Journal.
Questionado sobre o fato de ser um dos primeiros matemáticos de renome a trocar uma cátedra estável por uma startup de IA, Ono resumiu sua visão com uma frase: "Se eu for o primeiro, tudo bem, mas não serei o último", disse ao WSJ.
A startup que levou Ken Ono para fora da academia foi criada por Carina Hong, ex-aluna do próprio matemático. Aos 24 anos, ela acumula uma trajetória de alto desempenho em matemática e em universidades de elite.
Nascida e criada na China, Hong aprendeu inglês sozinha ainda jovem para conseguir ler livros avançados de matemática, segundo o Wall Street Journal.
Ela passou por programas de olimpíada de matemática, mas acabou mais interessada no trabalho de pesquisa. “A pesquisa em matemática é como bater a cabeça na parede. É dor e sofrimento. Eu gosto dessa parte”, disse ao WSJ.
Primeira pessoa da família a ir para a faculdade, Hong estudou no MIT, onde ganhou o Morgan Prize, prêmio máximo para pesquisador de graduação em matemática nos EUA, e o Schafer Prize, voltado à melhor estudante mulher na área.
Em vez de seguir para um fundo como trader quantitativa, foi para Oxford como bolsista Rhodes. Lá estudou neurociência e escreveu duas dissertações antes de seguir para Stanford, onde começou um doutorado em matemática combinado com o curso de Direito.
A ideia de empreender em IA para matemática começou em um café perto do campus de Stanford. Foi nesse ambiente que ela ficou amiga de Shubho Sengupta, cientista de IA da Meta que também frequentava o local. Em conversas, eles perceberam que poderiam juntar as duas áreas.
Durante as corridas matinais, enquanto pensava em abandonar a universidade para abrir uma empresa, Hong lembrava um conselho de Lisa Su, CEO da fabricante de chips AMD: corra na direção dos problemas mais difíceis. "Pesquisa em matemática é muito difícil", disse Hong. "IA para matemática é ainda mais difícil".
Hong decidiu sair de Stanford assim que a rodada seed da Axiom foi fechada, no meio do ano passado. A empresa levantou US$ 64 milhões.
A Axiom definiu como missão construir um "matemático de IA", capaz de raciocinar sobre problemas conhecidos, encontrar novos desafios e validar resultados por meio de provas formais. Se a estratégia funcionar, a companhia pretende atacar questões que intrigam matemáticos há séculos.
Embora a fundadora tenha apenas 24 anos, muitos dos pesquisadores da empresa estão na faixa etária de Ono. "Muitos dos principais pesquisadores de fronteira estão em uma fase da vida em que já têm histórico, corpo de trabalho, segurança financeira, e estão procurando seu projeto de legado", disse Hong ao Wall Street Journal. "Ken Ono é o ídolo de muitos estudantes de matemática", completou.