Carlos Ghosn quando liderava a montadora japonesa (Kazuhiro Nogi/AFP)
Juliana Estigarribia
Publicado em 3 de janeiro de 2020 às 16h30.
A notícia sobre a impressionante fuga de Carlos Ghosn, que enfrenta dois processos e estava sob forte vigilância no Japão, deixou executivos da Nissan Motor boquiabertos vasculhando aplicativos de mensagens.
O CEO da montadora, Makoto Uchida, que soube da fuga de seu ex-chefe pela mídia, estava igualmente surpreso, segundo uma pessoa a par do assunto. A fuga de Ghosn cria uma distração exatamente quando o novo diretor-presidente precisa ser o centro das atenções.
Com o lucro no menor nível em décadas e ações em queda livre, a Nissan enfrenta conflitos internos sobre a saída do ex-líder e o caminho a seguir. Agora Ghosn está livre para falar, munido de detalhes potencialmente negativos sobre os atuais executivos da Nissan.
“Muitas pessoas na Nissan e na Renault devem pensar que pode ser realmente perigoso se Ghosn falar”, disse Koji Endo, analista sênior da SBI Securities, em Tóquio.
Uchida, que assumiu o posto de CEO no mês passado, tem uma longa lista de desafios. Um executivo do alto escalão deixou a empresa de repente, cerca de 12,5 mil empregos estão na berlinda e ele precisa modernizar uma linha antiga de modelos como o sedan Skyline e o esportivo GT-R para impulsionar as vendas. Além disso, há a questão de tentar melhorar o relacionamento difícil com a parceira francesa Renault diante do desafio apresentado pelos veículos autônomos e eletrificação.
Ghosn disse que as acusações de improbidade financeira contra ele são falsas, alegadas por executivos da Nissan, promotores japoneses e funcionários do governo que se opuseram a seus planos de integrar mais profundamente as duas montadoras. Na quinta-feira, 02, o ex-executivo divulgou um segundo comunicado sobre sua fuga para negar relatos de que a esposa estava envolvida na trama.
“Organizei minha partida sozinho”, disse Ghosn, de 65 anos. “Minha família não teve influência alguma.”
Ironicamente, foi em uma crise anterior há duas décadas que a Nissan, à beira da falência, foi resgatada pela Renault, que assumiu uma participação na montadora japonesa e enviou Ghosn para solucioná-la. Posteriormente, Ghosn incluiu a Mitsubishi Motors ao pacto, formando a maior aliança de fabricação de carros do mundo.
Ghosn foi preso em novembro de 2018 no aeroporto de Haneda, dando início a uma saga nos tribunais que resultaria em sua libertação sob fiança e uma nova prisão. Ghosn havia sido solto novamente. O ex-executivo, que seria julgado por crimes financeiros quando o Japão iniciou um feriado de uma semana em 31 de dezembro, revelou que havia fugido para o Líbano para escapar do que descreveu como “sistema de justiça japonês fraudulento”.
Ainda é um mistério como Ghosn, um dos estrangeiros mais reconhecidos no Japão, escapou do país apesar de estar sob vigilância 24 horas - uma fuga condizente com um thriller de Hollywood.
As teorias são abundantes, mas parece que Ghosn voou para o Líbano em um jato particular operado por uma subsidiária da MNG Holding, da Turquia, segundo uma autoridade turca com conhecimento direto do assunto.
O ex-executivo do setor automotivo aparentemente voou para Istambul em outra aeronave da MNG na segunda-feira de manhã, antes de ser transferido entre os dois aviões dentro de uma caixa, disse a autoridade, que pediu para não ser identificada devido à sensibilidade do assunto.
Representantes da Nissan e da Renault não quiseram comentar.