Embraer 195: Empresa estuda remodelar avião para transportar até 130 passageiros e concorrer com Boeing e Airbus (.)
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h38.
Quem se prende à velocidade com que os jatos comerciais cruzam oceanos e alcançam outros continentes corre o risco de ignorar o básico: tudo se move lentamente na indústria da aviação. Ao contrário das montadoras, que despejam dezenas de modelos no mercado a cada ano, o lançamento de uma nova aeronave consome às vezes uma década - além de centenas de milhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento. Já as companhias aéreas planejam com uma antecedência de enxadrista cada ampliação da frota, e qualquer imprevisto pode protelar por anos a conversão de uma opção de compra em pedido firme. Desde 2001, não faltaram motivos para jogar o setor na defensiva - de atentados terroristas à disparada do petróleo, passando, nos últimos dois anos, pela crise financeira mundial e pelo refluxo dos passageiros. Enquanto outros segmentos dão sinais de recuperação, a aviação civil ainda sofre prejuízos bilionários. E é esse o cenário que deve manter os negócios da Embraer em ritmo de taxiamento na pista por mais um ano. Analistas e a própria empresa admitem que as vendas só voltarão a decolar a partir de 2011.
"Não vejo um 2010 forte", afirma Mauro Kern, vice-presidente da Embraer para aviação comercial. "A recuperação virá a partir do ano que vem". Apesar de investir na diversificação, com a entrada no mercado de jatos executivos e a busca de mais contratos no setor de defesa, os jatos comerciais continuam a ser o principal negócio da companhia - e devem responder, neste ano, por 57% do faturamento, segundo a corretora Link Investimentos. Por isso, tudo o que acontece com as companhias aéreas tem impacto direto na empresa. E não há boas notícias nessa área. Segundo a Associação Internacional do Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês), as companhias aéreas amargarão um prejuízo líquido de 5,6 bilhões de dólares em 2010. É verdade que, no ano passado, o rombo alcançou o dobro desse montante, mas as novas perdas são maiores que a projeção inicial de 3,8 bilhões. Se confirmadas, a indústria aérea mundial terá amargado literalmente uma década no vermelho. Entre 2000 e 2009, os prejuízos acumulados foram de 49,1 bilhões de dólares - ou quase 5 bilhões por ano.
Custos operacionais crescentes, prejuízos bilionários e retração global não animam ninguém a comprar mais aviões. Em todo o mundo, foram encomendados 656 jatos comerciais no ano passado - um tombo de 64% sobre 2008. Trata-se também do menor volume de vendas desde 2002, quando o mercado mundial movimentou 333 pedidos, segundo a Flight Global, uma publicação especializada no setor. A Embraer não escapou à escassez de encomendas. A companhia viu sua carteira de pedidos firmes declinar de 426 jatos comerciais no quarto trimestre de 2008 para 265 em dezembro. Ou seja: o ritmo com que os novos pedidos chegaram não foi suficiente para repor as aeronaves que entregou no período. Os contratos mais relevantes que a empresa fechou no ano passado foram com a argentina Austral Líneas Aéreas, que encomendou 20 jatos EJ 190, e com a Oman Air, que pediu cinco EJ 175, além de assinar cinco opções de compra. Se nenhum novo pedido fosse fechado a partir de agora, a corretora Link calcula que a Embraer esgotaria sua carteira de encomendas em 2012. (Continua)
Clientes na penúria
É claro que não se espera que a empresa fique de braços cruzados, vendo suas encomendas minguarem. Mas, para os especialistas, é muito difícil elas cresçam neste ano. "A carteira de pedidos firmes deve continuar caindo neste ano", afirma Felipe Rocha, analista de aviação da corretora Link. "Ela só deve voltar a crescer em 2011 ou 2012", diz. O fundamental para que isto aconteça é que seus clientes voltem a enxergar um horizonte sem nuvens, mas, por enquanto, alguns deixam os especialistas em alerta. A Japan Airlines, por exemplo, entrou em recuperação judicial no início do ano. A maior companhia aérea japonesa tem um contrato de pedidos firmes de 10 aeronaves da Embraer. Quatro ainda não foram entregues - e a brasileira torce para que os pedidos não sejam cancelados.
A alemã Lufthansa, quarta maior cliente da Embraer em pedidos firmes, também enfrenta tempos difíceis. Nos nove meses acumulados até setembro, o grupo registrou um prejuízo de 32 milhões de euros - ante um lucro de 529 milhões no mesmo período do ano anterior. Dos 30 aparelhos encomendados, 15 ainda não saíram da fábrica de São José dos Campos, no interior paulista. Em meados de 2009, a companhia anunciou um plano para cortar 1 bilhão de euros em custos até o fim de 2011. A empresa possui uma das maiores carteiras de pedidos entre as europeias, com 160 jatos a serem entregues até 2014 num total de 16 bilhões de euros. As dificuldades em financiar as encomendas, porém, já leva a empresa a considerar o adiamento de algumas aeronaves. Por enquanto, a medida deve afetar apenas os aparelhos maiores, solicitados à Boeing e à Airbus.
A americana US Airways é a quinta maior cliente da Embraer, com 65 encomendas, das quais 12 ainda não foram entregues. A empresa vem enxugando sua oferta de assentos para reequilibrar as contas. No final do ano passado, por exemplo, a companhia comunicou que vai adiar, por três anos, a compra de 54 aparelhos da Airbus - mas não falou nada de protelar os aviões da brasileira, embora os analistas avaliem que isto seja possível. "O adiamento nas entregas desses aviões é bastante plausível", afirma Rocha, analista da Link.
Atualmente, 28 empresas mantêm pedidos firmes de jatos comerciais da Embraer. Seu maior cliente é David Neeleman. Juntas, as duas aéreas que fundou - a brasileira Azul e a americana Jetblue - aguardam a entrega de 87 aeronaves. Por enquanto, o empresário não dá sinais de preocupação para os brasileiros. Nos Estados Unidos, a Jetblue aposta cada vez mais em rotas para o Caribe - movimento que pode favorecer os aviões da brasileira. Já no Brasil, a Azul espera elevar sua frota para 21 unidades neste ano - o que significa a incorporação de seis jatos da Embraer. (Continua)
Aviões usados
Sempre que uma empresa fecha um pedido firme de aviões, é estimulada a assinar também um contrato de opções de compra. A vantagem é que, caso decida converter uma opção em uma encomenda de fato, a empresa terá condições diferenciadas de pagamento e ganhará posições na "fila" de entrega. A Embraer terminou dezembro com 722 opções de compra. O volume também é menor que as 860 registradas um ano antes. Ao contrário dos pedidos firmes, a empresa não divulga as companhias e o número de opções de cada uma. O argumento é que a conversão de pedidos é muito volátil e a divulgação de detalhes poderia alimentar especulações. Para os especialistas, converter uma opção em venda firme também não será fácil neste ano pelos mesmos motivos que dificultam a venda de um avião novo. Neste caso, o que se espera é que as empresas adiem essa conversão para um momento mais propício.
Algo que pode atrapalhar tanto a venda de novos aviões quanto a conversão de opções em pedidos firmes é o mercado de aeronaves usadas. Como no setor automotivo, sempre que os consumidores ficam sem dinheiro para comprar um modelo zero quilômetro, o mercado de usados se aquece. Em outubro do ano passado, por exemplo, para quitar uma dívida de 35 milhões de dólares, a US Airways vendeu dez jatos Embraer 190 para a Republic Airways. A compra de aeronaves usadas também atrapalha os negócios da Embraer dentro do Brasil. "Se quiser ajudar a Embraer, o governo precisa restringir de algum modo a importação de aviões usados", afirma o consultor Paulo Bittencourt Sampaio, especialista em aviação.
Frota redimensionada
Com a crise, muitas companhias aéreas resolveram cortar a oferta de assentos para melhorar a taxa de ocupação e as margens. Nos Estados Unidos, 85% das rotas movimentam menos de 400 passageiros por dia. No Brasil, 88% delas são procuradas por menos de 300 pessoas diariamente. Na Ásia, essa porcentagem é de 80%. Premidas pelos custos, as companhias perceberam que não faz sentido colocar no ar um Airbus ou um Boeing de mais de 200 lugares para atender essa clientela. Com aviões menores, é possível aumentar a freqüência diária dos vôos (o que dá mais opções de horário aos passageiros), melhorar a taxa de ocupação e pousar em aeroportos menores. Isso está aquecendo, aos poucos, a demanda por aviões médios - justamente o mercado da Embraer, cujos jatos comerciais têm de 30 a 120 assentos. (Continua)
A United Airlines, por exemplo, aumentou o número de freqüências na rota Nova York/Chicago, ao mesmo tempo em que cortou a oferta de assentos de 2.040 para 1.920. Isto foi possível porque a companhia substituiu alguns Airbus 320 (cuja configuração normal é de 150 assentos) por jatos Embraer 170, que comportam até 88 pessoas. "O 'right sizing' é hoje a nossa maior força de vendas", afirma Kern, da Embraer. Dos 265 pedidos firmes em carteira, metade provém do redimensionamento das frotas.
A revisão das frotas também incentiva a Embraer a estudar um passo ousado - e, para muitos, polêmico. Trata-se do eventual lançamento de uma versão estendida do Embraer 195. O modelo atual comporta até 118 passageiros, e a ideia é oferecer um jato de 130 lugares. A intenção já havia sido aventada em meados da década, mas não foi adiante por oposição do então presidente da companhia, Maurício Botelho. O motivo era simples: o aparelho concorreria diretamente com os modelos mais simples da Boeing e Airbus. Na época, Botelho chegou a afirmar publicamente que bater de frente com essas gigantes não seria nada bom para os negócios. Os planos, contudo, voltaram às mesas de reunião com o aquecimento do 'right sizing'. O alvo inicial seria a substituição de aeronaves MD-80, lançadas na década de 80 pela Douglas Aircraft e hoje sob responsabilidade da Boeing. Esses jatos têm capacidade de 130 a 172 passageiros. A decisão de lançar o Embraer 195X, como o projeto é chamado, só será tomada em meados de 2011.
Enquanto os brasileiros pensam em invadir o espaço aéreo das líderes do setor, também precisam se precaver contra incursões em seu próprio território. A partir de 2011 - justamente quando o mercado deve melhorar -, uma série de estreantes desafiará a Embraer no segmento de jatos de 30 a 120 assentos. A russa Sukhoi, a japonesa Mitsubishi e a chinesa AVIC 1 preparam-se para pôr no ar seus primeiros aviões. E, claro, sempre é bom lembrar da canadense Bombardier, a tradicional concorrente da empresa, que também guarda novidades.
O mau desempenho do setor de aviação corroeu o valor de mercado da Embraer. De acordo com o blog Por Dentro das Empresas, de EXAME, a empresa foi a que mais se desvalorizou na Bovespa nos últimos cinco anos: de 13,1 bilhões de reais para 6,9 bilhões. Segundo a Link, as ações ordinárias da empresa (EMBR3, com direito a voto) têm potencial de alta de 20% neste ano, para 11,80 reais. A valorização, porém, não é suficiente para livrar a companhia de uma receber, da corretora, uma recomendação de "underperform" (ou com potencial de alta abaixo da média de mercado). Para um setor acostumado a velocidades quase supersônicas, a recuperação da crise parece chegar de zepelim.