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Embate com J&F pode ter desdobramentos no setor financeiro

A J&F fechou as bases de um acordo de leniência com o Ministério Público Federal pelo qual pagará multa recorde de 10,3 bilhões de reais

Congresso: o governo mandou a Caixa cortar linhas para o grupo, recusando-se a renovar linhas de crédito e dar novas (Paulo Whitaker/Reuters)

Congresso: o governo mandou a Caixa cortar linhas para o grupo, recusando-se a renovar linhas de crédito e dar novas (Paulo Whitaker/Reuters)

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Reuters

Publicado em 6 de junho de 2017 às 18h39.

São Paulo - Após quatro anos acumulando perdas com EBX, Sete Brasil, Oi e Odebrecht, bancos brasileiros estavam saindo do ciclo de provisões multibilionárias para calotes de grandes conglomerados, mas o embate entre o Palácio do Planalto com a J&F pode estar prestes a mudar esse quadro.

Com os acordos de delação de executivos da J&F e de leniência da empresa, admitindo pagamento de propinas a políticos, o que levou a pedidos de renúncia do presidente Michel Temer, o governo federal mandou a Caixa Econômica Federal cortar linhas para o grupo, recusando-se a renovar linhas de crédito e dar novas.

A Caixa obedeceu de pronto e fez uma provisão extra para o balanço do segundo trimestre para perdas esperadas com empréstimos para o grupo, dono da JBS, da Alpargatas, do Banco Original e da Eldorado Celulose.

"Depois que veio a delação (de executivos da J&F e da JBS), a Caixa recebeu o recado (do governo) e logo fez a provisão", disse uma fonte familiarizada com o banco.

A J&F fechou na semana passada as bases de um acordo de leniência com o Ministério Público Federal pelo qual pagará multa recorde de 10,3 bilhões de reais por atos praticados por empresas controladas pela holding.

Um importante integrante do governo admitiu que a ordem à Caixa para cortar o crédito a J&F foi uma retaliação.

"É óbvio que se cria uma má vontade contra os caras, que se aproveitaram do país, tomaram juro subsidiado, e foram comemorar no exterior", disse a fonte de alto escalão do governo, também sob condição de anonimato.

A ordem do Palácio do Planalto foi direto para a Caixa, maior credora da J&F com cerca de 9,7 bilhões de reais, segundo a fonte familiarizada com o banco, e não passou pelo Ministério da Fazenda, ao qual o banco está subordinado.

A equipe econômica tem preferido manter distância do assunto, por perceber que o Palácio do Planalto está agindo "com o fígado" no caso J&F, disse outra fonte no governo.

A decisão da Caixa de fazer uma provisão para a J&F foi provocada também pelo fato de o banco considerar ter garantias contratuais maiores do que as dadas pela J&F a outros bancos.

Isso porque a Caixa foi quem financiou a compra da Alpargatas pela J&F no fim de 2015, por 2,7 bilhões de reais, disse a fonte familiarizada com o banco. A transação envolveu a concessão de garantias da J&F para a Caixa.

Ou seja, numa eventual inadimplência da J&F com bancos, a Caixa poderia ter uma condição privilegiada de credor.

A JBS tem cerca de 18 bilhões de reais em dívidas vencendo nos próximos 12 meses. O valor sobe para cerca de 32 bilhões se contar todo o conglomerado J&F. Além dos empréstimos, a Caixa tem 6,9 por cento do capital da JBS.

A decisão da Caixa representa uma quebra do protocolo respeitado pelos bancos para casos similares. Em geral, empréstimos volumosos para grandes grupos são feitos em consórcios entre as instituições financeiras.

Quando a situação do tomador se enfraquece, os bancos costumam rolar as dívidas, mas ao mesmo tempo vão constituindo provisões, para evitar um impacto muito pesado de uma só vez.

Foi esse o rito obedecido nos casos de EBX, Sete Brasil, Oi e de Odebrecht, só para citar os casos maiores.

Por enquanto, J&F e JBS têm honrado pagamentos com bancos, segundo fontes do setor financeiro. E analistas avaliam que ainda é cedo para falar de fragilização de liquidez da JBS, embora a empresa já tenha tido o rating cortado pelas agências Moody's e pela Fitch.

Em parte, a confiança está lastreada no fato de no ano passado 64 por cento das receitas da JBS terem vindo do exterior e a crença majoritária é que essa linha não terá grandes impactos, mesmo com os desdobramentos da delação premiada de executivos do grupo J&F e do acordo de leniência da própria holding, o que levará a pagar 10,3 bilhões de reais em 25 anos.

"Não esperamos que os ativos internacionais da JBS sejam impactados pelos eventos no Brasil", afirmou em relatório a equipe de analistas do Goldman Sachs.

Efeito cascata

Para os bancos, no entanto, a iniciativa da Caixa os coloca em xeque. Como fizeram outros grupos nos últimos anos, eles vêm rolando linhas de crédito, mas exigindo mais garantias, com a justificativa de que é melhor preservar a empresa, pois as chances de receber os valores devidos é maior.

Ao ter se adiantado, a Caixa na prática deixou um menor volume disponível de garantias, o que poderia gerar uma corrida dos demais bancos por elas. Diante de uma chance maior de perda, uma possível consequência desse quadro poderia vir na forma de provisões excedentes a partir do segundo trimestre.

"Essa decisão da Caixa vai ter um efeito em cascata nos bancos", disse um alto executivo de um grande banco privado.

E o movimento acontece no momento em que, pela primeira vez em vários trimestres, o sistema financeiro em conjunto começava a dar sinais de que as provisões para calotes começariam a cair.

As provisões de Itaú Unibanco, Santander Brasil, Bradesco, Banco do Brasil caíram no primeiro trimestre entre 7 e 27 por cento, todos na comparação anual. Ao contrário da própria Caixa, cujas provisões deram um salto de 36 por cento ano a ano.

Entre os grandes bancos, o BB tem cerca de 4,5 bilhões de reais de empréstimos para a J&F, segundo uma fonte do próprio banco. Santander Brasil, Bradesco e Itaú Unibanco todos têm exposição inferior a 4 bilhões de reais cada, segundo fontes do setor bancário.

Consultados, BB, Itaú Unibanco e Bradesco afirmaram que não comentariam o assunto. O Santander Brasil não se manifestou até a publicação da reportagem. A Caixa reafirmou que o banco fez uma provisão relacionada à J&F, mas não deu mais detalhes.

Em nota, a J&F afirmou que "mantém relacionamento de longo prazo com as instituições financeiras e não irá comentar discussões de temas específicos".

O Palácio do Planalto afirmou que os bancos seguem critérios técnicos.

"Os bancos decidirão sobre remuneração das linhas de crédito seguindo critérios técnicos. Toda e qualquer orientação em outro sentido não tem aval do Palácio do Planalto", afirmou a Presidência da República.

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