Wilson Ferreira Júnior: transformação completa para atender às necessidades do futuro (Germano Lüders/Exame Hoje)
Da Redação
Publicado em 1 de dezembro de 2016 às 15h55.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h09.
Ana Paula Ragazzi
Na madrugada de 11 de outubro, mais precisamente às 3h48 da manhã, Wilson Ferreira Júnior respirou aliviado pela primeira vez desde que assumiu a presidência da Eletrobras, estatal brasileira de energia, em agosto deste ano. Naquele minuto, Ferreira conseguiu entregar à SEC, agência que regula o mercado financeiro americano, os balanços auditados da empresa dos anos de 2014 e 2015. Aquela era a data-limite estabelecida pela SEC para que as informações fossem entregues. Caso Ferreira não conseguisse, a estatal seria expulsa da bolsa de Nova York, transformando-se de vez em pária do mercado financeiro internacional.
Para qualquer uma dos milhares de empresas normais que têm ações listadas na bolsa americana, entregar balanços a cada ano é tarefa elementar. O básico. Para a Eletrobras, uma carcomida estatal que parece viver num mundo paralelo, foi um feito e tanto. Ferreira teve de coordenar uma força-tarefa para botar de pé os balanços atrasados. Foi uma vitória comemorada, e justamente. Mas, apesar da alegria daquela madrugada, era impossível mascarar a realidade: para que a situação da maior empresa de energia do país ficasse ruim, seria preciso melhorar muito.
Assolada por anos, décadas de má gestão, descaso, uso e abuso governamental, a Eletrobras tenta se reerguer sob o comando de Ferreira, engenheiro de 57 anos que fez carreira no setor elétrico e presidiu, por 16 anos, outra empresa do setor, a CPFL. O atraso na publicação dos balanços era apenas um sintoma da doença que vinha comendo as entranhas da Eletrobras. A empresa está metida numa série de denúncias de corrupção originadas nas investigações da Operação Lava-Jato, e precisava estimar o prejuízo causado pela roubalheira. Aquela era a razão específica para a lentidão na publicação dos balanços.
Mas, assim como aconteceu com sua coirmã Petrobras, a corrupção representa apenas parte do problema da Eletrobras. Vitimada por um descontrole operacional difícil de compreender, projetos grandiosos sem retorno e intervenções desastradas do governo federal, a estatal perde muito dinheiro. De 2012 a 2015, a Eletrobras teve um prejuízo somado de 31 bilhões de reais. Com uma dívida de 45 bilhões de reais, não tem fôlego para o futuro. O buraco se deve, em parte, à Medida Provisória 579, editada em 2012. Para reduzir as tarifas de energia, o governo permitiu que as empresas do setor renovassem suas concessões desde que seguissem uma nova metodologia de cálculo de preços que poderia diminuir suas receitas em até 70%.
Os acionistas minoritários da Eletrobras protestaram, mas, como o governo é o dono, a companhia aceitou os novos termos. Em janeiro, a companhia chegou a valer, em bolsa, parcos 7 bilhões de reais, uma fração de seu patrimônio e de sua receita, que foi de quase 40 bilhões de reais no ano passado. Ferreira foi convidado logo após a troca de governo. “No início, dá desespero”, diz ele, que, como qualquer executivo que se preze, justifica a decisão de aceitar o convite do novo governo por ser “movido a desafios”. Mas logo emenda, meio rindo: “Precisava ser um desafio tão grande assim?”
Há muito se sabe que o problema da Eletrobras não é de diagnóstico, mas de execução. Há dois anos, o conselho de administração da companhia contratou a consultoria Roland Berger para elaborar um plano de ação para tirar a companhia da crise. Nada saiu do papel. Ferreira ganhou do governo a promessa de autonomia para colocar os projetos em andamento. No plano mais imediato, o objetivo é tirar a Eletrobras da beira da insolvência. Em paralelo, transformá-la numa empresa administrável, o que não é o caso hoje.
O Grupo Eletrobras é a maior empresa de energia da América Latina. Atua em geração e transmissão por vocação — e em distribuição a contragosto. Nos anos 90, chegou a valer mais na bolsa do que a Petrobras e o Banco do Brasil, mas a situação foi se deteriorando à medida que os anos passavam. Hoje, a dívida da companhia equivale a oito vezes sua geração de caixa — um número considerado insustentável. As sete distribuidoras sugam 2 bilhões de reais por ano em prejuízos. Antes mesmo da chegada de Ferreira, o conselho já havia decidido privatizá-las — ao mesmo tempo levantava dinheiro para melhorar a situação financeira do grupo, tornando a gestão do conglomerado mais racional.
A venda das distribuidoras é um sonho antigo, que remonta aos anos 90, mas nunca foi posta em prática. Em julho, o governo publicou uma medida provisória autorizando o processo, que deverá ser concluído em dezembro de 2017. O primeiro leilão, da Celg (distribuidora de Goiás), foi realizado no dia 30, e arrecadou 2,2 bilhões de reais. Para financiar gastos emergenciais até que a venda de ativos comece a levantar dinheiro, o governo liberou também aportes de 4,5 bilhões de reais.
Talvez o pedaço mais difícil da missão de Ferreira seja justamente o segundo — fazer da Eletrobras uma empresa normal. O grupo é dividido em 13 subsidiárias e tem participações minoritárias em 178 sociedades de propósito específico (SPEs), como são chamados os diferentes projetos da companhia. Se o novo presidente quisesse conhecer pessoalmente cada uma delas, não daria conta de fazê-lo em um ano. Nesse bolo, estão incluídos megaprojetos de geração, como as usinas hidrelétricas de Belo Monte, Jirau, Teles Pires e Santo Antônio.
A única coisa em comum a todas essas SPEs é a participação minoritária da Eletrobras, entre 25% e 40%. Os sócios da empresa em cada projeto são diferentes e os contratos, que determinam as obrigações e a remuneração dos sócios, seguem padrões distintos. As subsidiárias têm vida própria e são apelidadas dentro do grupo de “descontroladas”. Cada uma faz o que quer, como se não tivesse dono.
A Eletrobras já afirmou, num exemplo grotesco, que não monitorava o combustível consumido por uma de suas subsidiárias, a Amazonas Energia, que tem hoje uma dívida de 7 bilhões de reais com a Petrobras. Em leilões de venda de energia, Furnas, Chesf, Eletronorte e CGTEE, outras “descontroladas”, entravam competindo entre si e baixando os preços. Dois anos atrás, a cúpula da Eletrobras soube pela imprensa que Furnas, sua subsidiária de geração e transmissão, pensava em abrir o capital.
Além de os controles serem precários, não há padrão para sistemas operacionais e cada empresa usa os serviços de uma empresa de auditoria. Ferreira foi para os conselhos de administração das subsidiárias e está passando um pente-fino nas SPEs e em seus projetos, muitos deles atrasados. Vendê-las será um desafio. As SPEs foram criadas na era Lula-Dilma sem nenhuma pretensão de dar retorno (o objetivo era ajudar a desenvolver o país e ganhar dinheiro mais tarde, com o crescimento da economia, e deu no que deu). A projeção de investimento para os próximos anos caiu 30%.
Ferreira espera reduzir o endividamento da empresa para quatro vezes sua geração de caixa — sobretudo com a venda das SPEs —, reduzir o volume de investimentos, melhorar a eficiência e os controles internos, enxugar o quadro de funcionários e vender participações nas distribuidoras. No total, espera arrecadar 5 bilhões de reais. Até agora, pelo menos, Ferreira não trocou nenhum diretor, mas ajudou a formar um novo conselho, com nomes prestigiados, entre eles Ana Paula Vescovi, secretária do Tesouro Nacional, Esteves Pedro Colnago Júnior, secretário executivo adjunto do Ministério do Planejamento, a advogada Elena Landau, que está se dedicando às privatizações, e o consultor Vicente Falconi, que tem a missão de melhorar a eficiência administrativa. Também estão de volta José Luiz Alquéres, que já foi do conselho de várias empresas do grupo, e Mozart Araujo, que já comandou a Chesf.
Em tese, a Eletrobras é uma espécie de empresa dos sonhos de qualquer reestruturador. A quantidade de custos escandalosos é enorme. O grupo tem 24.000 funcionários, metade deles em funções corporativas. Estima-se que pelo menos 200 deles recebam o dobro do salário do próprio Ferreira (de 50.000 reais). Acumularam aumentos ao longo de décadas de empresa e hoje custam 300 milhões de reais por ano. “Tem anuênio, quinquênio, incorpora uma função gerencial, ganha uma gratificação, e as coisas vão acumulando”, diz Ferreira. No Rio de Janeiro, seis empresas do grupo ocupam prédios diferentes; o mesmo acontece com outras quatro em Brasília, onde nove motoristas ficam à disposição da presidência. Nos próximos meses elas passarão a ocupar juntas um prédio no Rio e outro em Brasília. Ferreira ainda nem sequer foi apresentado a todos os seus assessores diretos.
Na prática, porém, o caminho rumo à racionalidade é cheio de obstáculos típicos do mundo estatal. Os cortes de pessoal acontecerão à medida que as distribuidoras forem vendidas e os funcionários aderirem a um plano de demissão e aposentadoria voluntárias que deverá custar 2,5 bilhões de reais — cerca de 40% dos funcionários têm 51 anos ou mais. A Eletrobras não adota nenhum mecanismo de incentivo ao desempenho, como bônus por cumprimento de metas. Um comitê liderado por Vicente Falconi está elaborando um modelo para implantar a tal “meritocracia” no grupo. Até lá, Ferreira vai se virando como pode.
Quanto tempo vai levar, no ritmo atual, para que a Eletrobras deixe de ser esse monstrengo? O plano de Ferreira tem prazo para acabar — cinco anos. Como a situação atual é muito ruim, é fácil imaginar que as coisas evoluam nesse período. Mas existem, claro, riscos. Segundo os analistas do banco Morgan Stanley, entre os principais estão as investigações sobre corrupção, a capacidade de Ferreira de implementar o plano e se ele terá, de fato, o apoio do governo. Por enquanto, os sinais que vêm de Brasília têm sido positivos. “A questão não é ter carta branca ou não. O fato é que, se essa reorganização não for feita, não haverá Eletrobras para contar história”, disse a EXAME Fernando Bezerra Coelho Filho, ministro de Minas e Energia.
Existem ainda passivos para os quais a empresa não fez provisões: o banco Morgan Stanley estima em 32 bilhões de reais os esqueletos que podem pular do armário — como passivos trabalhistas e fiscais. Ainda que nada tenha saído do papel, o mercado está gostando do que pode ser a nova Eletrobras — o Morgan está recomendando comprar as ações. Após o anúncio de que Ferreira assumiria a companhia, o valor da estatal na bolsa subiu 200%. É um pouco como o Brasil: a mera mudança de discurso e alguns sinais de coragem já bastam para que os investidores deem o benefício da dúvida. Daqui para a frente, vem a parte mais difícil — mostrar que esse otimismo não é em vão. “Nós trazemos um benefício para a sociedade, que é transmitir e gerar energia mais barata”, diz Ferreira. “Se conseguirmos fazer isso sem perder dinheiro, será excepcional.”