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Dolly acusa procuradores de complô para favorecer concorrentes

Em recuperação judicial, a empresa fechou fábricas, demitiu funcionários, viu suas contas congeladas e o presidente, Laerte Codonho, ser preso

Produtos da Dolly: fraude fiscal estruturada, lavagem de dinheiro e organização criminosa estão entre as acusações (Dolly/Divulgação)

Produtos da Dolly: fraude fiscal estruturada, lavagem de dinheiro e organização criminosa estão entre as acusações (Dolly/Divulgação)

Karin Salomão

Karin Salomão

Publicado em 16 de janeiro de 2019 às 06h00.

Última atualização em 16 de janeiro de 2019 às 14h29.

A história da fabricante de refrigerantes Dolly e de suas disputas com a justiça acaba de ganhar um novo capítulo. A empresa entrou com duas ações, contra a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e contra a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, por acreditar que os órgãos agiram de má fé em investigações e, assim, causaram a prisão do seu presidente e a quase a levaram à falência.

A fabricante acredita que há indícios de que os procuradores tenham agido em favor de concorrentes multinacionais (Ambev e Coca-Cola), “interessados em prejudicar a Dolly”.

Ela está envolvida em investigações por fraude contábil e acusa seu escritório de contabilidade, RD Assessoria Contábil, de prejudicá-la. As fraudes podem ter gerado um prejuízo de 4 bilhões de reais ao longo de 20 anos. Em recuperação judicial desde junho, a empresa fechou fábricas, demitiu funcionários, viu suas contas congeladas e o presidente, Laerte Codonho, ser preso.

No dia 21 de dezembro, Codonho e seus advogados protocolaram duas ações de indenização contra quatro procuradores federais e oito do estado de São Paulo. Segundo ação, a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo contratou uma empresa de tecnologia, a Neoway, para fornecer um software de análise de dados. Esse sistema, segundo a ação, para investigar as empresas ligadas à Dolly. A Neoway estaria ligada às maiores concorrentes da Dolly, a Coca-Cola e a Ambev, de acordo com o documento, que liga acionistas da empresa de tecnologia a sócios, parceiros ou ex-funcionários das fabricantes de bebidas.

No processo, a Dolly diz que "aumentou o seu market share, o que, inevitavelmente, passou a despertar a curiosidade e até os olhares preocupados da concorrência". Não é a primeira vez que a fabricante de refrigerantes responsabiliza as concorrentes. Quando Codonho foi preso, em maio do ano passado, exibiu uma folha de papel na qual se podia ler a frase: “preso pela Coca-Cola”.

A Ambev afirmou que não irá comentar o assunto. A Coca-Cola disse que "não tem qualquer envolvimento com os processos judiciais que o empresário enfrenta".

A Neoway afirma que "não é parte no processo e atuou somente como provedora de softwares, contratada após vencer certame realizado em 2017". "Os sócios-investidores da Neoway não participam do dia-a-dia da empresa e não exercem qualquer tipo de influência sobre a natureza dos clientes atendidos. A plataforma da Neoway é utilizada diretamente pelo cliente final que tem total autonomia sobre o seu uso", informou em nota.

Dolly acusa erro

As empresas ligadas à Dolly também afirmam que os procuradores se basearam em informações incorretas. Os procuradores sustentam que uma empresa, a Lumia Capital Industries LLC, teria sido aberta no exterior por Codonho, presidente da Dolly, para ocultar movimentações patrimoniais. Essa empresa teria imóveis e outros bens no Brasil.

No entanto, os advogados de defesa, Guilherme Tilkian e Paulo Assad, afirmaram que desconhecem a companhia Lumia Capital Industries. Codonho, segundo eles, é dono de uma empresa de nome similar, a offshore Lumia Industries. Por e-mail, o empresário disse a EXAME que a Lumia Industries "foi aberta dentro da estratégia de expandir a marca Dolly para fora do país".

A fabricante de refrigerantes diz que  a confusão teria causado o bloqueio das contas da Dolly e a demissão de 850 funcionários. Os procuradores não comentaram.

Outro argumento da companhia é que os procuradores teriam interferido em questões judiciais além de sua responsabilidade, ou seja, pediram o não processamento da recuperação judicial da empresa. A União Federal fez o requerimento depois que as dívidas tributárias, de 1,4 bilhão de reais, não foram incluídas no processo de recuperação.

“Vimos essa interferência, das procuradorias federal e estadual, como uma forma de impedir a Recuperação Judicial da empresa. Não querem receber o que é devido, mas fechar a empresa”, afirma o advogado Guilherme Tilkian. De acordo com ele, as dívidas tributárias não entram na recuperação judicial, mas são cobradas separadamente, em processo já começado.

Resposta

A Procuradoria da Fazenda Nacional afirmou que "os procuradores atuaram de forma exclusivamente técnica e no estrito cumprimento do dever funcional, seguindo as orientações institucionais do órgão, notadamente aquelas aplicáveis aos devedores contumazes.". "A atuação da PGFN foi fundamentada em robustos elementos probatórios. Caberá ao Poder Judiciário avaliar e proferir a decisão sobre o processo, que está em segredo de justiça", informou por e-mail.

A Procuradoria Geral do Estado de São Paulo afirmou que "a atuação da PGE ocorreu nos termos da lei, em virtude de fraudes fiscais estruturadas, origem de vultosa dívida tributária, conforme constam dos processos judiciais".

A PGE refuta que as investigações tenham levado às demissões ou ao fechamento da fábrica por conta do bloqueio das contas. "As medidas cautelares ajuizadas pelo Ministério Público, no âmbito do procedimento instaurado para a apuração dos crimes de organização criminosa, fraude fiscal estruturada, lavagem de dinheiro e corrupção pelas pessoas físicas responsáveis pela fabricação, distribuição e comercialização dos produtos da marca Dolly, não abrangem bloqueio das contas das pessoas jurídicas e físicas envolvidas na investigação", apenas "propiciaram o bloqueio/sequestro de uma aplicação financeira de uma das empresas do grupo".

A procuradoria informa ainda que "o bloqueio momentâneo de valores existentes nas contas constatou a presença de valores pouco significativos em face dos débitos nas contas das empresas do grupo, o que traz sérios questionamentos sobre a forma utilizada pelas empresas do grupo para o recebimento de valores decorrentes das vendas que realiza".

"Causa, portanto, estranheza, que Laerte Codonho, afastado da gestão da empresa, justifique a demissão de funcionários no bloqueio de contas das empresas do grupo, nas quais, vale repetir, não foram localizados valores significativos para a satisfação dos débitos bilionários existentes", diz o órgão em comunicado.

Procurada, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional não se manifestou até o fechamento da reportagem.

História

Criada na década de 1980, a Dolly começou a desmoronar em dezembro de 2017, quando passou a ser investigada por sonegação de impostos. A empresa é acusada de sonegar 4 bilhões de reais em impostos e chegou a ter suas contas congeladas, o que levou a dificuldades para pagar funcionários, fornecedores e impostos.

Uma fábrica da empresa chegou a ser fechada por alguns dias, e reaberta depois que o grupo pagou 33 milhões de reais em débitos declarados de ICMS.

Em maio do ano passado, o dono da empresa, Laerte Codonho, foi preso sob suspeita de fraude fiscal continuada e estruturada, sonegação, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Foi solto depois de oito dias, junto com o ex-gerente financeiro da Dolly, César Requena Mazzi, preso na mesma operação.

Desde então, a empresa enfrenta obstáculos em sua operação. “Tivemos que parar uma unidade, levando a uma grande demissão porque não tínhamos conta corrente para fazer os pagamentos”, afirmou Codonho, por e-mail.

A empresa diz ainda que perdeu mercado. “Com a ajuda do Judiciário, em especial da Vara de Recuperação Judicial, vamos recuperar e ultrapassar a participação perdida”, acredita o presidente.

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