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Correios: colapso via Sedex

De todas as estatais em apuros, a mais perto de beijar a lona são os Correios. A empresa tem caixa para manter as suas operações apenas até setembro. Depois disso, nem o salário dos funcionários estará garantido. Só nos quatro primeiros meses do ano, a empresa já acumula prejuízo de 700 milhões de reais, após […]

CORREIOS: o Postalis, fundo de pensão da companhia, é um exemplo de má gestão / Divulgação (Foto/Divulgação)

CORREIOS: o Postalis, fundo de pensão da companhia, é um exemplo de má gestão / Divulgação (Foto/Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 23 de junho de 2016 às 16h31.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h22.

De todas as estatais em apuros, a mais perto de beijar a lona são os Correios. A empresa tem caixa para manter as suas operações apenas até setembro. Depois disso, nem o salário dos funcionários estará garantido. Só nos quatro primeiros meses do ano, a empresa já acumula prejuízo de 700 milhões de reais, após um resultado negativo estimado em 2,1 bilhões de reais em 2015 – o balanço auditado do ano passado ainda não foi divulgado.

Este foi o primeiro resultado negativo da companhia desde 1995. Nos últimos anos, no entanto, o lucro foi muito mais resultado de manobras contábeis do que de ganhos na operação. O faturamento dos Correios tem apresentado um crescimento abaixo tanto da inflação quanto do avanço de suas despesas. No ano passado, a receita líquida cresceu 6,75%, enquanto as despesas aumentaram 18,5%.

A estatal parece ter chegado à exaustão após anos de aparelhamento político, preços de serviços defasados e falta de investimentos. A turbulência política vivida pelo governo federal se refletiu nos Correios com duas mudanças na presidência em menos de um ano. O governo interino de Michel Temer nomeou neste mês o ex-deputado federal Guilherme Campos, presidente do PSD, para comandar a estatal. Ele substitui o também ex-deputado Giovanni Queiroz (PDT-PA), que havia assumido em novembro do ano passado como resultado da última reforma ministerial do governo de Dilma Rousseff.

A nomeação de Campos foi anunciada por Temer poucos dias após ele ter suspendido as nomeações políticas para estatais e fundos de pensão até que o Congresso aprovasse o projeto de lei que cria regras para a nomeação desses dirigentes – o projeto está no Senado, após ter sido aprovado com alterações pela Câmara na semana passada.

“Tenho formação que me credencia para o cargo. Os Correios são a empresa pública mais antiga do país e o cargo de presidente sempre foi uma indicação política”, afirma Campos. Ele é formado em engenharia civil pela Universidade de São Paulo e, antes de entrar para a política, trabalhou na empresa varejista de sua família em Campinas, interior de São Paulo.

Um incêndio por vez

O problema de caixa será o primeiro incêndio que o novo presidente terá que enfrentar. Campos vê três alternativas: a obtenção de um empréstimo bancário, a venda de ativos ou um aporte do Tesouro. Questionado sobre a viabilidade de uma capitalização, uma vez que o governo federal tem um grande rombo nas contas públicas, o presidente dos Correios se limita a dizer que o governo tirou dinheiro da empresa de forma excessiva nos últimos anos.

“Houve uma contumaz ação do Tesouro tirando além do mínimo que os Correios têm que mandar de volta para o seu principal acionista, que é 25% do resultado. O governo vem puxando do caixa da empresa muito acima disso”, diz. Segundo ele, entre 2011 e 2015 os Correios repassaram em dividendos ao governo o equivalente (em valores corrigidos) a 8 bilhões de reais acima do valor mínimo exigido por lei.

Para tentar amenizar a situação, a empresa havia solicitado ao Ministério da Fazenda o reajuste das tarifas de serviços postais. O reajuste médio de 10% foi aprovado nesta semana e tem potencial para elevar as receitas em 300 milhões de reais neste ano. Os preços dos serviços dos Correios tiveram seus preços mantidos defasados para ajudar no controle da inflação, assim como foi feito com outros preços administrados.

Mas antes mesmo de o dinheiro do caixa acabar, em setembro, será necessário negociar reajustes de salários com os quase 120.000 funcionários em agosto, mês da data-base da categoria, que frequentemente faz ameaças de greve. Campos se reuniu com 45 dirigentes de federações, sindicatos e associações de funcionários na última sexta-feira. Foram quase sete horas ouvindo todo tipo de demandas e reclamações, principalmente sobre a reestruturação que está sendo implementada na estatal desde o ano passado, coordenada pela consultoria EY, e que fechou regionais e suprimiu funções.

Como se o cenário não fosse difícil o suficiente, as negociações com os funcionários serão feitas em meio à realização das Olimpíadas e Paraolímpiadas do Rio de Janeiro, eventos em que os Correios são o operador logístico oficial. A empresa será a responsável pela entrega de milhares de equipamentos esportivos, bagagens de atletas, amostras para antidoping e mobiliários como cadeiras, camas, colchões, mesas, sofás e alambrados. Os termos do acordo, fechado em 2015, não foram divulgados, então não está claro qual será o resultado financeiro desse serviço.

Sem fundo

Como uma empresa que detém o monopólio de seu setor desde 1663 chega a uma situação dessas? Segundo funcionários ouvidos por EXAME Hoje, o uso dos Correios como instrumento político é o principal responsável por esse quadro.

“Os Correios tinham uma cultura de meritocracia, com um plano de carreira para os funcionários. Mas nos últimos 10 anos isso foi sendo alterado para um projeto político partidário, em que as posições foram sendo ocupadas por pessoas sem qualificação”, diz Maria Inês Capelli Fulginiti, presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap). Ela relata que a desmotivação dos funcionários é geral, o que se reflete na qualidade dos serviços.

A ingerência política afeta também o fundo de pensão da empresa, o Postalis, e o plano de saúde, o Postal Saúde, que se encontram em situação financeira tão crítica quanto o seu patrocinador.

O Postalis tem um rombo quase do mesmo tamanho de seu patrimônio: 5 bilhões de reais. O déficit acumulado desde 2011 é resultado de má gestão e de investimentos ruins. Entre muitas aplicações sem liquidez, o fundo tem em seu histórico investimentos até em títulos da dívida da Argentina e da Venezuela. Alguns ex-dirigentes da fundação – que são indicados pela direção dos Correios – foram multados e inabilitados pela Previc, órgão regulador dos fundos de pensão.

O déficit bilionário tem feito com que os funcionários e os aposentados dos Correios sejam obrigados a aumentar sua contribuição para o plano de previdência, com a contraparte da companhia, que faz aportes extras de forma paritária. Os números de 2015 do Postalis ainda não foram divulgados, mas o resultado será novamente negativo.

Estima-se que o tamanho do déficit do ano passado deve ficar em torno de 1 bilhão de reais, diz Angelo Donga, conselheiro fiscal do Postalis. “Nosso principal desafio é garantir uma política conservadora da aplicação dos recursos do fundo. Nosso grande receio é de mudanças políticas da diretoria do Postalis”, diz o conselheiro.

Há pouco mais de uma semana no posto, o novo presidente dos Correios já indicou novos nomes para o comando do fundo de pensão, que ainda precisam ser aprovados pelo seu conselho deliberativo. O economista André Motta, que já foi diretor de investimentos do Postalis, deve assumir a presidência, e Christian Scheneider, que era presidente da empresa de telefonia do Paraná, a Sercomtel, vai assumir a diretoria de investimentos.

Já o plano de saúde dos Correios, criado para reduzir os custos da companhia, mas cujo efeito foi justamente o contrário, está sendo investigado pela Lava-Jato. A operação da Polícia Federal apura um suposto esquema de pagamento de propina para fechar contratos com o plano de saúde. A presidente da Adcap relata que o plano está sofrendo com o descredenciamento de clínicas e hospitais por falta de pagamento e que os funcionários encontram dificuldades para a autorização de procedimentos médicos.

Futuro

Além dos problemas de curto prazo, os Correios têm um problema existencial para resolver: seus serviços podem se tornar obsoletos em um mundo que usa cada vez mais serviços digitais – e menos postais.

Uma lei de 2011 ampliou o escopo de atuação da estatal, com a criação dos CorreiosPar, empresa de participações, além de permitir a atuação em serviços de logística integrada, de telefonia e oferta de produtos financeiros. Neste último, a empresa trabalha em parceria com o Banco do Brasil no Banco Postal. Mas quase 60% do faturamento da empresa ainda vem do bom e velho serviço postal. Para empresas que seguem os manuais da boa governança já é complicadíssimo achar um novo caminho, para os Correios, é missão de super herói.

(Thais Folego)

 

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