Conheça o brasileiro que foi de estagiário a vice-presidente da Renault
Bruno Hohmann entrou na empresa aos 20 anos e, em apenas duas décadas, construiu história de sucesso
Gabriel Aguiar
Publicado em 24 de maio de 2021 às 14h52.
Última atualização em 26 de maio de 2021 às 08h29.
Experimente dizer ao estagiário da sua empresa que, após 20 anos, ele será promovido a vice-presidente. Provavelmente, será encarado apenas como discurso motivacional. Só que isso realmente aconteceu com Bruno Hohmann, vice-presidente comercial da Renault no Brasil há um ano. “Crescer não pode ser uma meta cega. Só pelo objetivo. Tem que vir naturalmente”, diz o executivo.
Nascido em Curitiba (PR), começou a observar os carros que passavam pelas ruas da cidade aos 12 anos, quando identificava pela janela os modelos de Chevrolet, Ford e Volkswagen – nos anos 1980, a marca francesa ainda não estava por aqui. Mas foi durante o intercâmbio aos EUA, para cursar o ensino médio em Ohio, que veio a primeira experiência: a visita à fábrica da GM em Detroit.
“Foi uma reunião de marketing para lançar a versão policial de um carro. Teve agência, equipe de mídia. Eu nem imaginava aquilo. Escolhi fazer engenharia mecânica na Universidade Federal do Paraná e, como sabia que Renault e VW viriam a Curitiba, tentei estágio. Consegui a vaga no terceiro ano da faculdade, em 2000, e eu nem cuidava da engenharia pura, mas de planejamento de produto. Tinha quer analisar a concorrência e volume de vendas. Um pouco do que eu fazia quando criança”.
E foi durante a faculdade que Hohmann decidiu morar um ano na França – seis meses para estudar e os outros seis meses trabalhando na sede do fabricante. Graças aos contatos que fez por aqui, se tornou o responsável pela base de dados de marcas rivais. Em 2003, já formado e de volta ao Brasil, foi efetivado para trabalhar na mesma área (mas até levou bronca por visitar o marketing).
“Estava com 22 ou 23 anos e, naquela época, a Renault planejava lançar modelos mais populares e com volume para brigar com os principais fabricantes do país. Eu fui responsável pelo projeto do Sandero e, depois, fui o gerente responsável pelo lançamento dele e do Logan no nosso mercado. E, em 2007, foi a primeira experiência de apresentar produtos à imprensa, trabalhar no lançamento e definir preços. Nós tivemos sacadas bacanas, como garantia de três anos e revisões a preço fixo”.
Com o sucesso da empreitada – além de experiências em diferentes etapas, que iam desde a concepção de novos veículos até a apresentação ao público –, o executivo foi convidado para assumir a gerência da marca na região sul do Brasil. Foi neste período que surgiu a primeira dúvida em relação à permanência na companhia, já que MBA no exterior e período sabático entraram no radar.
“Só que a Renault sempre trazia algo novo. E eu gostava disso. Tanto que me ofereceram a diretoria de marketing na Colômbia, onde somos líderes de mercado. Aceitei e fiquei por três anos no cargo. Foi bem legal conhecer esse novo país e também a liderança de vendar, pensando em como defender a posição em relação às chinesas e coreanas. Foi uma experiência muito boa. Meu desafio era colocar a cultura da Renault, já que, até 2008, a operação era uma joint venture com a Toyota”.
De volta ao mercado brasileiro, Hohmann manteve o mesmo cargo que tinha na Colômbia com objetivos claros: fazer crescer e crescer as vendas – enquanto o mercado, entre 2013 e 2016, começava a cair. Foi durante a crise econômica e política, quando os emplacamentos baixaram de 3,6 milhões para cerca de 2 milhões, que o desafio passou a ser rentabilidade e planejar os estoques.
“Eu buscava outra experiência fora do país e imaginei que me mandariam a algum mercado com língua espanhola ou para a matriz na França. Mas um dia ligaram e perguntaram se eu falava alemão. Eu disse que sabia pouco. Só que a vaga era na Holanda e eu não sabia falar holandês (risos). Depois de algumas entrevistas, fui convidado para assumir a diretoria de operação comercial. Foi superlegal, porque já era um mercado maduro. Falava de carsharing, assinatura e elétricos em 2017”.
Depois de morar em Amsterdam e conhecer outra cultura de trabalho – com menos hierarquia entre os cargos, muita eficiência durante o expediente e saídas pontuais às 17h –, o executivo foi convidado para ser chefe de gabinete do diretor de operações globais, segundo no escalão da companhia (respondendo diretamente a Carlos Ghosn, então diretor executivo do grupo com a Nissan).
“Gostei da ideia porque teria a chance de conhecer todas as operações no mundo e também a diretoria. Mas aí veio uma pedra no caminho, porque, três meses depois, Carlos Ghosn foi preso no Japão. Então, foi uma fase tumultuada para achar nosso caminho e como seria. Meu chefe passou a ser o Número 1 e passamos a organizar a casa, reestabelecendo as boas relações com a Nissan, fazendo muitas viagens ao Japão. Pude conhecer bem a aliança e foi muito rico estar nesse novo projeto”.
E foi durante a pandemia, em 2020, que Bruno Hohmann retornou ao mercado brasileiro para assumir o cargo atual – praticamente quatro anos depois de sair do país. Entre as responsabilidades, teria (e terá) que aplicar a nova estratégia do fabricante, que inclui mudar o foco atual, subir na gama com modelos mais sofisticados e se aproximar do mercado europeu sem perder identidade.
“Vamos lançar o novo Captur em dois meses e teremos projetos mais próximos da matriz. Nós fazemos sucesso com Duster e Kwid atualmente. E tem sido bacana atuar diretamente com os concessionários, focar nos clientes. Eu gostei muito de trabalhar na parte corporativa, cuidando da estratégia do grupo, só que eu realmente acho incrível estar neste terreno voltado às operações”.
E, depois de duas décadas na mesma companhia, o executivo garante que não nunca pensou em deixar o setor para trabalhar em outros segmentos. Como? Graças ao incentivo que teve para crescer dentro da própria empresa, com chances em diferentes áreas e países, acompanhando evoluções do mercado e o surgimento das tendências – como a liderança na Europa e a eletrificação.
“Nunca foi cansativo. Sempre foi emocionante por conta dos novos desafios. Neste tempo, o maior risco foi não olhar para o lado e perder movimentos naturais que surgiam. E, por isso, sempre tentei aprender com as pessoas que vinham de fora, porque, com certeza, tinham algo a ensinar. É o conselho que dou: beber fora da fonte, sair do lugar comum e também olhar a outros setores”.
De acordo com o vice-presidente comercial, houve alguns desafios ao longo da carreira, mas o principal foi assumir a posição de chefia com apenas 25 anos (quando foi promovido de analista a gerente), pois acredita que o papel de liderança exige, além de conhecimento técnico, o conhecimento humano. Outro foi a mudança para o lado corporativo, para atuar diretamente na matriz.
“Eu saí daquela vivência de operação, que permite tomar decisões muito mais agilidade e com equipes pequenas, para trabalhar globalmente para o grupo que tem mais de 130 mil funcionários. Então, tudas as decisões precisam ser pensadas com mais consenso. Foi uma fase na qual eu me tornei espectador, só que tive aprendizados que aplico até hoje. Então, foi muito importante”.
E, depois de tanto tempo, ainda há algum objetivo a ser realizado? De acordo com Hohmann, o próximo sonho é trabalhar no mercado asiático, em especial na China – maior mercado automotivo atualmente – para cuidar de mobilidade e tecnologia. Mas também existe carinho especial por produtos, sejam físicos ou serviços (como veículos por assinatura), que sempre estiveram presentes.
“Eu agradeço muito a forma de a Renault gerenciar a carreira, porque muitas posições eu nem falei que queria e foram acontecendo. Meu conselho é tentar escolher ou ter a chance de bons chefes. Acho que eu tive sorte. Não sei se é a palavra, mas tive a chance de trabalhar com caras incríveis. São inspiração. Porque, se faltar motivação ou achar que o chefe não é certo, vale repensar”.
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