Negócios

Como derrubar o valor de uma empresa

Os passos que levaram ao encolhimento da Parmalat no Brasil e a aproximaram de um desfecho praticamente inevitável - a venda para uma concorrente

EXAME.com (EXAME.com)

EXAME.com (EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 9 de março de 2010 às 11h53.

História de sucesso nos anos 90, a Parmalat brasileira transformou- se na protagonista de um dos mais rumorosos casos de empresa em processo de lento, doloroso e constante declínio. Os fatos recentes traçam um cenário inconteste.

Sua lista de produtos, que chegou a ter 100 itens, como creme de leite e sucos, agora tem apenas um - o tradicional e pouco rentável leite longa vida.
Nos últimos três meses os produtos da marca chegaram a faltar em algumas das maiores redes de varejo, e fornecedores de leite com pagamentos atrasados forçaram o fechamento de uma de suas cinco fábricas, em Goiás.

De janeiro a setembro de 2009, as receitas da companhia foram de 900 milhões de reais - queda de 30% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Não é pouca coisa em termos de más notícias. O declínio levantou rumores sobre uma possível venda da Parmalat - graças a eles, no início deste ano as ações do fundo de investimento Laep, controlador da empresa desde 2006, dobraram de valor em apenas três dias. No final de janeiro, o fundo Global Yield Fund Limited, da Global Emerging Markets, fez um aporte de 120 milhões de reais para se tornar sócio da companhia (trata-se do primeiro investimento do fundo no país). É um paliativo, mas não um remédio definitivo, segundo analistas. "É uma solução temporária", diz um executivo do setor. "A empresa dificilmente vai se levantar sozinha."

O cenário é diametralmente oposto ao desenhado pelo financista Marcus Elias, dono do Laep, ao comprar a Parmalat, há pouco mais de três anos. Com um histórico de viradas bem-sucedidas na locadora de veículos Unidas e na fabricante de alimentos Gomes da Costa, Elias prometeu aos investidores repetir o roteiro. Para isso ele compraria concorrentes, ganharia participação de mercado e criaria a Integralat, empresa que teria o objetivo de melhorar o perfil genético do gado brasileiro e fun cionaria como grande fornecedora de lei te da Parmalat. O plano seria financiado com mais de 1 bilhão de reais levantados na abertura de capital da Laep. Co mo quase sempre acontece com os planos de negócios, o modelo proposto por Elias fazia todo sentido. Como muitas vezes também acontece, na prática nada saiu como planejado. A começar pelo IPO, realizado em 2007, que rendeu metade do previsto. A partir daí, uma sucessão de decisões foi enfraquecendo cada vez mais a companhia. Em vez de aplicar 60% do dinheiro obtido na abertura de capital na Integralat, como prometera, a Laep se lançou às compras - e decidiu abrir a carteira justamente quando o preço do leite batia recordes. Em setembro de 2008, menos de quatro meses depois de adquirir as marcas Poços de Caldas e Paulista, que pertenciam à Danone, a Laep as revendeu à Leitbom, controlada pela GP Investimentos. Na época, durante uma teleconferência com investidores, o próprio Marcus Elias admitiu ter errado o momento da expansão. Procurados por EXAME, nem o empresário nem o atual presidente da companhia, o executivo Othniel Lopes, concederam entrevista sob a justificativa de que a Laep está em período de silêncio.

NOS ÚLTIMOS DOIS ANOS, a Parmalat acumulou prejuízos superiores a 600 milhões de reais. "Boa parte das perdas veio de puro descontrole na gestão", diz um executivo próximo à companhia. Esse descontrole teria sido crítico até 2008, quando a Parmalat teve perdas recordes. Até aquele ano, os executivos da companhia não conseguiam identificar quais os produtos mais rentáveis ou as fábricas menos lucrativas. O planejamento logístico, algo vital para uma empresa com centenas de fornecedores e, naquela época, 14 fábricas em cinco regiões do país, era falho. Em alguns casos o leite rodava 4 000 quilômetros do produtor ao supermercado. "Descuidos como esses são comuns em empresas brasileiras", diz Jean-Claude Ramirez, consultor da Bain&Company. "Os executivos se preocupam em ganhar participação de mercado, que é o lado mais sexy, e deixam a eficiência em segundo plano."


Pródiga ao investir o dinheiro levantado no IPO e ineficiente na operação, a Parmalat ficou sem reservas para suportar momentos de baixa do mercado. Em agosto de 2009, quando o preço do leite despencou devido ao superabastecimento do mercado, a Parmalat se viu financeiramente acuada. Em setembro, reuniu seus principais credores - oito empresas, como Tetra Pak e Klabin, além de 300 produtores de leite - e renegociou o pagamento de uma dívida que se arrasta há quatro anos. Até então, a Parmalat vinha fazendo pagamentos mensais aos credores no valor total de 4 milhões de reais. A partir da reunião, começou a pagar apenas um quarto dessa quantia. Ainda assim, não deu conta de entregar a parcela de dezembro a um grupo de produtores de leite de Goiás, que bloquearam a entrada da fábrica na cidade de Santa Helena e interromperam a produção. Para manter a operação das outras fábricas, a Parmalat abandonou a venda de produtos de maior valor e se concentrou no mercado de leite básico, que garante giro mais rápido, mas traz apenas 1 centavo de lucro por caixinha. Quem financia a operação são os próprios varejistas. "A Parmalat primeiro recebe os pedidos para só depois fabricar os produtos", diz Everton Muffato, da rede de supermercados paranaense Muffato, a nona maior do país. "Os concorrentes entregam uma encomenda em dois dias, mas eles levam até 40."

Não há sinal mais evidente da perda de valor da Parmalat do que a venda de seus ativos - um processo de "desmanche" que se acelerou em 2009. Em fevereiro, transferiu sua fábrica de Pernambuco para a Laticínios Bom Gosto. Em abril, a empresa vendeu as fazendas que compunham a Integralat, por valor não divulgado, para a Companhia Brasileira de Agronegócio e Alimentos. Sete meses depois repassou para a Nestlé sua principal fábrica, localizada em Carazinho, no Rio Grande do Sul. Hoje restam cinco fábricas - uma em Goiás, uma no Rio de Janeiro, uma em Minas Gerais e duas em São Paulo. Todas estão à venda. O que resta de mais valioso para a Laep é a marca Parmalat, que apesar de todos os problemas continua a ser a mais lembrada do país. Detalhe importante: sua licença de uso expira em 2017. "Os problemas de gestão da empresa vão acabar, pouco a pouco, minando a marca", diz José Roberto Martins, da consultoria Global Brands. É o que de pior poderia acontecer com a Laep.


O passo a passo da crise

Os erros que levaram à atual situação da Parmalat:

1) DESCUIDAR DOS CUSTOS
Até 2008, a Parmalat não conseguia identifi car qual produto dava lucro ou prejuízo. Em alguns casos, a logística tornava algumas operações, como a do Nordeste, inviáveis. O leite chegava a rodar até 4 000 quilômetros para ir dos produtores aos varejistas

2) IR ÀS COMPRAS NA HORA ERRADA
A empresa decidiu comprar as marcas Poços de Caldas e Paulista, ambas da Danone, no início de 2008 - justamente o ano em que o preço do leite bateu recordes. O faturamento, que girava em torno de 170 milhões de reais ao mês, não era sufi ciente para pagar as dívidas e a companhia foi forçada a dar meia-volta. Menos de quatro meses depois das aquisições, a Parmalat teve de revender as duas marcas para a Leitbom, controlada pela GP Investimentos

3) NÃO CUMPRIR O TRATO COM OS ACIONISTAS
Quando levantou 500 milhões de reais na abertura de capital, no fi m de 2007, a Laep prometeu investir 60% do valor na Integralat, empresa que abasteceria a Parmalat com leite próprio. Mas 80% do dinheiro foi investido em aquisições e para manter a operação. Contrariado, o fundo Gavião Investment, que detinha cerca de 24% das ações, vendeu sua participação na Laep em 2008

4) ABRIR ESPAÇO PARA A CONCORRÊNCIA
Sem fôlego para manter a própria operação em funcionamento, em novembro de 2009, a Laep vendeu à Nestlé - que até então não atuava nesse mercado - sua principal fábrica, no município gaúcho de Carazinho. A unidade tem capacidade de suprir 10% do consumo nacional

5) ABANDONAR PRODUTOS DE MAIOR VALOR
No final de 2009, a Parmalat abandonou a venda de leites especiais e se concentrou no leite básico, que garante uma venda mais rápida, diminuindo os estoques e aumentando o giro - mas estrangula as margens. O lucro não passa de 1 centavo por caixinha.


Acompanhe tudo sobre:Crises em empresasDívidas de paísesEmpresasEmpresas italianasLaepParmalat

Mais de Negócios

Os criadores do código de barras querem investir em startups brasileiras de olho no futuro do varejo

Marca de cosméticos naturais Laces aposta em 'ecossistema' para chegar a 600 salões e R$ 300 milhões

Uma vaquinha de empresas do RS soma R$ 39 milhões para salvar 30.000 empregos afetados pela enchente

Ele fatura R$ 80 milhões ao transformar gente como a gente em palestrante com agenda cheia