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Como a GM deixou a Tesla para trás?

Farhad Manjoo © 2016 New York Times News Service Orion Township, Michigan – A dez anos um empreendedor de tecnologia pouco conhecido chamado Elon Musk publicou o plano secreto por trás da Tesla Motors, a ambiciosa startup de carros elétricos que havia criado. Tecnologias revolucionárias sempre começam como projetos pouco práticos e caros demais, explicava […]

FÁBRICA DA GM: o elétrico Bolt é produzido na mesma linha de produção de automóveis tradicionais / Bill Pugliano/Getty Images
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Da Redação

Publicado em 27 de setembro de 2016 às 16h07.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h30.

Farhad Manjoo
© 2016 New York Times News Service

Orion Township, Michigan – A dez anos um empreendedor de tecnologia pouco conhecido chamado Elon Musk publicou o plano secreto por trás da Tesla Motors, a ambiciosa startup de carros elétricos que havia criado.

Tecnologias revolucionárias sempre começam como projetos pouco práticos e caros demais, explicava Musk. Assim, o primeiro carro da Tesla seria um roadster de dois lugares vendido por 110.000 dólares. Contudo, ao utilizar os lucros da venda desse carro para aumentar a capacidade de pesquisa e produção, Musk prometeu que a Tesla iria criar rapidamente modelos de carro mais baratos e em volume maior, tudo com um objetivo mítico em vista: desenvolver carros elétricos de longo alcance, capazes de viajar mais de 320 quilômetros com uma única carga, mas que custassem menos de 40.000 dólares.

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Este ano, o sonho de Musk finalmente chegará às estradas: um carro capaz de percorrer 383 quilômetros a cada carga, será vendido por cerca de 30.000 dólares, com a ajuda de um incentivo do governo federal. Seu plano funcionou perfeitamente, a não ser por um pequeno problema.

Em agosto dirigi o primeiro carro elétrico de longo alcance que realmente me empolgou: mas não se trata de um Tesla. Precisei ir do Vale do Silício a Detroit para dirigi-lo, porque o veículo foi inventado não por uma startup celebrada, mas pelo maior clichê da glória decaída da indústria norte-americana: a Chevrolet, que pertence à General Motors.

O carro é o Chevy Bolt EV, um compacto baixo em forma de cunha. Esse é um carro muito importante para a GM e, em sentido mais amplo, para a indústria automobilística tradicional como um todo. Ele demonstra que as montadoras estão levando a sério a ameaça representada pelas startups que prometem mudar completamente o mundo dos carros. O Bolt não é apenas o primeiro carro elétrico de longo alcance a chegar às estradas, mas também funciona como plataforma de testes da GM para novos modelos de compartilhamento e direção autônoma.

O Bolt também é prova de que, na indústria automobilística, tamanho é documento – que mesmo que demorem um pouco para ter acesso às tecnologias mais recentes, as grandes montadoras podem alterar o setor de forma mais radical do que a Tesla foi capaz de fazer, simplesmente em função de seu tamanho.

Musk, o executivo-chefe da Tesla e da SpaceX, já contrariou em diversas ocasiões as pessoas que diziam que ele estava errado, mas há sinais cada vez mais claros de que sua pequena montadora esteja chegando ao limite de seu potencial. Este ano, a Tesla revelou seu modelo de baixo custo, o Model 3, que será vendido por 35.000 sem desconto, e terá autonomia de 346 quilômetros por carga, o que é menos que o Bolt. Cerca de 400.000 pessoas pagaram 1.000 dólares para entrar na lista de espera do veículo, que a Tesla afirma que chegará ao mercado em 2017.

Contudo, poucos analistas do setor acreditam que a Tesla será capaz de atingir seus objetivos de produção e a mera existência de uma lista de espera já revela sua situação. A empresa abriu o caminho para a aceitação dos carros elétricos, mas o Model 3 ainda não passa de um protótipo. O Bolt, da GM, chegará ao mercado ainda este ano e a empresa ganhará dinheiro o bastante para satisfazer todo mundo que queira comprar um.

É uma ironia e tanto: um bilionário arrogante faz promessas difíceis de cumprir em um blog. Dez anos depois, ele tem seu desejo realizado da pior maneira possível.

O Bolt está longe de ser um carro de luxo. O interior é surpreendentemente espaçoso (com espaço de sobra para acomodar as cadeiras dos meus dois filhos pequenos) e tem um painel touch-screen bem integrado ao console. Contudo, ele tem a aparência e sensação de um compacto qualquer. O que há de mais revolucionário no Bolt é que ele traz a autonomia de bateria de um carro elétrico de luxo a preço de carro popular. Na verdade, ele supera o luxo. Nas configurações mais baratas, o Tesla tem autonomia inferior ao Bolt.

“Normalmente os veículos elétricos vão de A a B e de volta a A. Esse carro foi projetado para ir de A a B, de C a D e de volta a A, ou seja, ele é mais focado em motoristas que queiram passear, não apenas ir e voltar do trabalho”, afirmou Darin Gesse, gerente de produto da GM.

Como a GM criou o carro dos sonhos da Tesla antes dos concorrentes? A resposta é complexa, como pude perceber quando conheci a linha de produção do Bolt. A GM começou construindo um dos laboratórios de teste de bateria mais avançados do mundo em 2008, mais ou menos na época em que a empresa esteve prestes a desaparecer durante a crise financeira. O carro que surgiu a partir desses testes, o híbrido Chevy Volt, foi um dos principais responsáveis por salvar a empresa. O Volt sempre foi exibido como prova da criatividade da GM por políticos favoráveis ao pacote de ajuda oferecido a Detroit. O presidente Barack Obama, que aprovou a ajuda, afirmou em 2012 que compraria um Volt depois de deixar o governo.

Boa parte das vantagens da GM se resume ao tamanho da empresa e sua eficiência operacional. A Tesla precisou construir uma fábrica enorme para produzir as baterias do Model 3 em volume suficiente. As baterias da GM são produzidas pela gigante dos eletrônicos LG Chem. A Tesla precisou remodelar uma montadora em Fremont, Califórnia, para produzir seu carro, ao passo que a GM utiliza sistemas de produção pré-existentes. Na linha de montagem Orion, nos arredores de Detroit, vi Bolts sendo produzidos na mesma linha do Chevy Sonics e do Buick Veranos, movidos a gasolina. Robôs e seres humanos passavam sem dificuldades do Bolt aos carros mais tradicionais, como se não houvesse diferença.

Por fim, a GM conta com a vantagem regulatória de produzir uma frota. Por conta da grande autonomia da bateria e de não emitir CO2 o Bolt ajuda a empresa a se manter dentro dos padrões de economia de combustível do governo federal. Isso permite que a GM torne mais lucrativa a venda dos carros que consomem mais gasolina, como o Tahoe SUV. Como consequência, ela pode perder dinheiro na venda do Bolt e ainda assim considerar o projeto lucrativo no cômputo geral.

A Tesla será capaz de concorrer com essas vantagens? Os fãs da Tesla (sim, eles existem) talvez digam que o Model 3 terá alguns luxos que não existem no Bolt, incluindo a opção de adquirir o sistema de direção semiautônomo da Tesla, além de ter acesso aos postos de recarga rápida da empresa. A Tesla também tem a aura de grife e exclusividade que escapam à GM. E quando a fábrica de baterias estiver funcionado a todo vapor, ela será capaz de produzir baterias mais baratas, permitindo um salto na lucratividade.

A Tesla não quis comentar este artigo, mas os analistas com quem conversei também desconfiam dos planos da empresa. Uma das questões é se ela será capaz de atingir seus objetivos de produção. A empresa faz cerca de 50.000 carros em 2015, e este ano irá fabricar algo em torno de 82.000, apesar de alguns problemas.

Embora a Tesla nem sempre tenha atingido os objetivos estabelecidos por Musk, ele fez mais promessas de que a empresa dará grandes saltos de produtividade nos próximos anos. Ela quer produzir de 100.000 a 200.000 carros em 2017, e 500.000 em 2018. Contudo, está ficando sem dinheiro, e os investidores estão irritados com o plano apressado de compra da SolarCity, a empresa de painéis solares de Musk.

Outra preocupação é se a Tesla tentará atingir suas metas de produção abrindo mão da qualidade. No ano passado, a Consumer Reports deixou de recomendar o Model S depois que uma pesquisa mostrou que os carros dos clientes estavam repletos de barulhos, sons estranhos, vazamentos e outros problemas.

“Se a qualidade não estiver a contento, você começa a montar os carros rápido demais e os defeitos aparecem, mas não dá para interromper a produção de centenas ou milhares de carros com defeito”, afirmou Edward Niedermeyer, analista e editor do site Daily Kanban, especializado no setor.

A GM também teve sua parcela de defeitos. Mas seu histórico de produzir carros majoritariamente bons pode representar uma vantagem em relação a uma startup que cresce tão rápido. E Pam Fletcher, engenheira-chefe de veículos elétricos da GM, afirmou: “Temos 108 anos de conhecimento em fabricação. É isso que fazemos”.

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