Com o TikTok, o Walmart enfim tem algo que a Amazon não tem. E daí?
Intriga em torno do plano do Walmart e de seu coinvestidor no TikTok, a Oracle, foi reforçada pela geopolítica do negócio, que Trump ameaçou bloquear
Mariana Martucci
Publicado em 13 de outubro de 2020 às 15h03.
Última atualização em 13 de outubro de 2020 às 16h00.
O investimento no TikTok planejado pelo Walmart está sendo chamado de "transformador". Outro analista previu que o negócio poderia "redefinir o varejo" em todo o setor. "É uma oportunidade que entende o cenário atual", disse Oliver Chen, analista de varejo do Cowen, banco de investimento americano.
Conhecido por suas grandes lojas homogêneas no interior e nos subúrbios dos Estados Unidos, o Walmart chamou muita atenção com sua recém-anunciada participação multibilionária em um aplicativo de vídeo que é sinônimo da divertida vida digital dos jovens.
Como nos primeiros dias de muitos investimentos em tecnologia feitos por grandes corporações, os detalhes de como o Walmart usará o TikTok são confusos. Mas uma coisa é clara: a empresa agora tem algo que sua rival Amazon não tem. Pode se envolver com os consumidores não apenas quando eles estão comprando algo em seu site, mas enquanto criam e consomem vídeos virais.
O Walmart poderia, por exemplo, incorporar anúncios nos vídeos gerados pelos usuários com links para seu site, ou obter os dados das dezenas de milhões de pessoas que o usam e ter acesso a seus hábitos de consumo com base no conteúdo que postam.
A intriga em torno do plano do Walmart e de seu coinvestidor no TikTok, a Oracle, foi reforçada pela geopolítica do negócio, que o presidente Donald Trump ameaçou bloquear se a China mantiver qualquer propriedade na empresa.
Mas, longe do cenário mundial, o Walmart vem tomando uma série de atitudes que já estão transformando a empresa e, por extensão, o setor de varejo dos Estados Unidos.
A maioria delas envolveu mantimentos, um negócio mundano que parece estar longe dos vídeos do TikTok. Isso, porém, ajudou o Walmart a ganhar uma vantagem sobre a Amazon, particularmente durante a pandemia. A compra online com retirada no supermercado está no centro dessa estratégia.
Em setembro, o Walmart anunciou um novo serviço de entrega por assinatura, o Walmart+, que alguns consideram uma resposta da empresa ao Amazon Prime. Por 98 dólares ao ano e pedidos mínimos de 35 dólares, os clientes podem ter entregas ilimitadas em casa.
Analistas do UBS previram que o Walmart+ teria 10 milhões de assinantes até o fim de 2021. O Amazon Prime, que custa 119 dólares por ano, tem cerca de 150 milhões de assinantes.
O serviço do Walmart está centrado no uso da maioria de suas 4.700 lojas como miniarmazéns de e-commerce. Como as lojas são próximas da casa dos clientes, esse tempo de entrega mais curto deve reduzir os custos para o Walmart e manter os alimentos mais frescos.
A Amazon tem oferecido serviços semelhantes em suas lojas Whole Foods, mas não tem a mesma pegada do Walmart.
"Você vê a Amazon atrás do Walmart nesse aspecto", observou Edward Yruma, analista de varejo da KeyBanc Capital Markets.
Impulsionadas pelas vendas online, as vendas globais de e-commerce do Walmart quase dobraram no último trimestre. No entanto, pode ser difícil continuar crescendo nesse ritmo, uma vez que outros grandes supermercados como Albertsons e Kroger começam a aumentar seus pedidos online com retirada no supermercado.
O sucesso do supermercado online levou a mais contratações, o que é significativo para o Walmart, o maior empregador privado do país. O número de funcionários da empresa se manteve relativamente estável por vários anos. Mas a pandemia tem exigido mais ajuda, já que os compradores começaram a fazer estoque por causa dos bloqueios.
O Walmart aumentou sua força de trabalho em 14% desde o ano passado, de acordo com Drew Holler, chefe de recursos humanos das lojas nos Estados Unidos.
A empresa anunciou recentemente que estava revisando o papel dos gerentes em seus supercentros, um movimento que tem grandes implicações nos salários e nas promoções de seus 1,5 milhão de funcionários.
Alguns postos de supervisão de departamentos tradicionais da loja estão sendo eliminados gradualmente, enquanto outros funcionários em departamentos como padaria e cuidados automotivos estão recebendo aumento.
"Estamos reposicionando nossas lojas para o que vemos como o futuro do varejo", disse Holler em uma entrevista.
Para isso, segundo alguns analistas, o Walmart deveria estar investindo nas lojas e na infraestrutura de comércio eletrônico, em vez de gastar bilhões em investimentos como o TikTok.
Scott Mushkin, fundador da empresa de pesquisa de consumo R5 Capital e analista de longa data de Wall Street, frisou que o Walmart deveria se concentrar mais em automatizar seu processo de supermercado online para reduzir custos ou até mesmo reforçar suas ofertas de alimentos frescos.
Mesmo com as taxas de assinatura do Walmart+, Mushkin e outros analistas calculam que a empresa perderá dinheiro em cada entrega em casa. "Talvez o TikTok seja uma varinha mágica. Mas por que gastar dinheiro em um negócio como esse quando poderiam estar investindo em automação no processo de compra de supermercado?", disse Mushkin.
Outros analistas afirmam que o Walmart+, depois de muita fanfarra e antecipação, nunca conseguirá competir com o Prime, que não tem pedido mínimo e inclui entretenimento por streaming.
A maior vantagem do Walmart+ é um desconto em postos de gasolina afiliados.
"Não é tão poderoso quanto o que imaginávamos", escreveram analistas do Morgan Stanley em uma nota de pesquisa nesta semana. Em junho, antes que os detalhes dos serviços fossem anunciados, o banco de investimento previu que até 20 milhões de pessoas poderiam se inscrever em poucos meses e que as ações do Walmart aumentariam de valor.
Em comunicado, o Walmart declarou que o TikTok seria "uma maneira importante de expandir nosso alcance e atender clientes em múltiplos canais, além de ampliar nossos serviços terceirizados".
O investimento proposto no TikTok parece bastante vago, mas muitos analistas disseram estar dispostos a dar tempo ao Walmart para trabalhar nos detalhes.
"O futuro do varejo é o engajamento com a comunidade, onde os usuários estão criando conteúdo. O Walmart está assumindo uma posição muito proativa", disse Chen, analista do Cowen.