Vacinação privada contra a covid-19: mesmo com autorização da Câmara, fabricantes não irão negociar com empresas (Amanda Perobelli/Reuters)
A Câmara aprovou na última quarta-feira, 7, o projeto de lei que permite a compra de vacinas contra a covid-19 por empresas sem a obrigatoriedade de doação total das doses ao Sistema Único de Saúde (SUS), permitindo que empresas possam comprar vacinas para imunizar suas forças de trabalho.
O projeto também autoriza a aquisição de imunizantes com aval de uso concedido por qualquer autoridade sanitária estrangeira "reconhecida e certificada" pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em outros países, ou seja, mesmo sem o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O projeto segue agora para votação no Senado.
A decisão é celebrada por grupos de empresários que reivindicam as alterações na lei, bem como o direito de vacinar seus funcionários sob a argumentação de que a compra pela iniciativa privada iria acelerar a imunização em massa e a retomada econômica do país.
Porém, mesmo com o andamento das decisões, a compra de vacinas pela iniciativa privada ainda esbarra em dois problemas elementares: a escassez de imunizantes e os desacordos entre empresas e fabricantes. Do ponto de vista nacional, há ainda o risco do país sofrer um apagão de vacinação nas próximas semanas, com o atraso na chegada dos insumos da China pelo Instituto Butantan, principal fornecedor de vacinas no país, junto da Fiocruz.
Sem previsão de colaboração que vá além da oferta ao Ministério da saúde, nenhuma das quatro fabricantes de vacinas contra a covid-19 aprovadas no Brasil (Pfizer, Janssen, AstraZeneca e o Instituto Butantan) devem negociar a venda de imunizantes para o setor privado.
A Associação Brasileira de Clínicas de Vacina (ABCVAC) assinou recentemente uma intenção de compra de 5 milhões de doses da vacina Covaxin, imunizante fabricado pela farmacêutica indiana Bharat Biotech e comercializado pela Precisa Medicamentos no Brasil. Outros laboratórios chegaram a ser contactados pela entidade, mas informaram não haver disponibilidade por estarem focados no fornecimento a governos.
O Ministério da Saúde também acertou a compra da vacina indiana, com 20 milhões de doses. A aplicação ainda depende da liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Na semana passada, a agência proibiu a importação da vacina, alegando falta de documentos no pedido.
Tanto a legislação já aprovada, quanto a que está em debate no Congresso permitem que empresas privadas comprem imunizantes para aplicar em seus funcionários, proibindo a comercialização. Os textos não fazem menção às clínicas privadas de vacinação, o que faz com que elas entrem na mesma regra geral. Ou seja, inviabiliza a disponibilidade de uma vacina contra a covid-19 no mercado privado. A ABCVAC se mobiliza para alterar a determinação.
Em uma outra variável, a aprovação do Senado para a lei que permite a aquisição de vacinas sem o aval da Anvisa poderia liberar a importação de doses da Covaxin pela ABCVAC. A compra, no entanto, continuaria restrita à imunização dos funcionários da Associação, uma vez que a comercialização não está permitida. Na prática, não haveria qualquer impacto, pois as clínicas continuariam proibidas de vender vacinas.
As próximas semanas serão determinantes para a iniciativa privada. O posicionamento do Senado e as negociações para que as clínicas de vacinas possam comercializar um imunizante contra a covid-19 irão basear os próximos passos da imunização privada no país. No que diz respeito às empresas do setor de saúde, as decisões recentes não afetaram a organização e intenção de compras de doses, bem como a negociação prévia de importações.
Procurados pela EXAME, o Grupo Fleury, um dos principais redes de saúde do país, e a farmacêutica EMS afirmaram em nota que não mantêm negociações neste momento. “O Grupo Fleury não tem negociações com a indústria farmacêutica para a oferta da vacina contra o coronavírus em suas unidades neste momento.”
Já a EMS, empresa envolvida no grupo que pretende acelerar a imunização privada, afirmou que não estabeleceu novas definições com as recentes aprovações do Congresso. “Em relação à possível compra de vacinas, a EMS ainda não tem qualquer definição sobre o assunto.”
Também procurada pela reportagem, a Dasa, maior grupo de medicina diagnóstica da América Latina, não se pronunciou até o momento da publicação.