Novo Renault Kwid é o carro mais barato do país, com opções a partir de 59.890 reais (Renault/Divulgação)
Estadão Conteúdo
Publicado em 23 de janeiro de 2022 às 08h28.
Última atualização em 28 de janeiro de 2022 às 09h49.
Em um mercado em que os modelos populares estão à beira da extinção e o custo de financiamento sobe em velocidade que não se via havia 13 anos, sair de carro novo de uma concessionária vem se tornando um sonho inviável a um número cada vez maior de brasileiros.
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Se, quatro anos atrás, 28 salários mínimos eram suficientes para comprar um automóvel, hoje não se adquire um zero quilômetro por menos de 40 salários mínimos. Isso porque o salário mínimo, com alta de 27%, não conseguiu acompanhar o salto três vezes maior no período (83%) do preço do carro mais barato do mercado - hoje o subcompacto Kwid, da Renault, que custa R$ 48,8 mil.
Levantados com exclusividade para o Estadão/Broadcast pela consultoria Jato Dynamics, os dados oferecem um retrato do abismo entre a renda e preço dos veículos. Revelam também em números como a transição dos carros compactos a modelos maiores, tanto em tamanho quanto em conteúdo tecnológico, mudou o curso de um produto que vinha, por muito tempo, tornando-se mais acessível.
A pandemia ajudou a acentuar bastante a elitização no consumo de automóveis porque as restrições de oferta abriram margem ao repasse de aumentos de todo tipo na estrutura de custo das montadoras: do frete aos materiais usados na produção, passando pela energia, e com tudo maximizado pelo câmbio mais caro.
A guinada das montadoras tem origem anterior à crise sanitária. Nem a indústria, decidida a voltar a ser rentável em vez de brigar por participações de mercado a qualquer preço, nem o consumidor de menor renda estão dispostos a pagar a conta das tecnologias de controle de emissões e segurança que vêm se tornando obrigatórias nos carros fabricados no País.
Assim, as montadoras decidiram se voltar nos últimos cinco anos a um público de maior poder aquisitivo, investindo em modelos maiores - especialmente utilitários esportivos (SUVs) e picapes.
O resultado é que modelos populares estão sendo aposentados - entre eles, o Uno e, futuramente, o Gol -, enquanto os carros que seguem no mercado estão sendo vendidos, na média, por mais de R$ 120 mil. Antes da pandemia, essa conta ficava abaixo dos R$ 100 mil, conforme dados da Bright Consulting.
O mercado de carros teve dois momentos distintos nas últimas duas décadas. Durante a maior parte desse período, entre 2000 e 2018, o produto se tornou mais acessível, e com anos marcados por incentivos do governo, como o IPI reduzido, o consumo anual de automóveis de passeio chegou a passar das 3 milhões de unidades - o dobro do ano passado.
Porém, após esse ciclo, o movimento se inverteu, com o carro voltando a se distanciar do alcance dos brasileiros nos anos seguintes, marcados pela ascensão dos SUVs sobre os segmentos de entrada e avanços do padrão tecnológico em meio à globalização das plataformas.
Numa comparação que ilustra bem a diferença de viabilidade do produto, o brasileiro precisa trabalhar três vezes mais do que o americano para conseguir comprar um automóvel, se considerado o salário mínimo de cada país.
Nos Estados Unidos, o modelo mais barato é o Chevrolet Spark, que em sua versão mais básica custa US$ 13,6 mil, ou 12 salários mínimos de um trabalhador de lá com jornada de 40 horas semanais.
Diretor de desenvolvimento de negócios da Jato, Milad Kalume Neto diz que, mesmo se o dólar se estabilizar abaixo de R$ 5 no futuro, a possibilidade de o preço de entrada do automóvel voltar ao valor mais próximo de R$ 40 mil esbarra na prioridade da indústria.
"Para lançar veículos mais acessíveis, a indústria precisará de tempo para amortizar investimentos realizados nos últimos anos e realizar mais lucros. Não podemos nos esquecer que o setor vem se recuperando de três crises nos últimos anos sete anos", afirma Kalume Neto, referindo-se à recessão doméstica de 2015/2016, a pandemia e, agora, a crise de oferta causada pela escassez de componentes eletrônicos.
Há quase seis meses em busca do meio de transporte para ir ao trabalho, o enfermeiro Bruno De Paula foi um dos brasileiros que viram o sonho do carro próprio ficar mais difícil. Ele conta que pensava em adquirir um seminovo popular como o HB20. Contudo, precisou optar por um modelo com mais de dez anos de fabricação. "Para não abrir mão de alguns itens de conforto, eu preferi comprar um mais antigo."
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