ESG

Bracher, do Itaú: crise ambiental será mais severa do que a pandemia

Presidente do maior banco do País defende que o combate às mudanças climáticas seja um dos pilares da retomada. E que as empresas repensem seu propósito

Candido Bracher, presidente do Itaú: governo deve trabalhar para evitar as queimadas na Amazônia (Germano Lüders/Exame)

Candido Bracher, presidente do Itaú: governo deve trabalhar para evitar as queimadas na Amazônia (Germano Lüders/Exame)

RC

Rodrigo Caetano

Publicado em 22 de junho de 2020 às 09h23.

Para Candido Bracher, presidente do Itaú Unibanco, essa é a hora para o governo aumentar os gastos, mas com responsabilidade. A pandemia do coronavírus impõe uma nova maneira de pensar a economia. Diante da severidade da crise, não basta fazer: é preciso pensar em como fazer. “Atuar de forma ética e com responsabilidade social e ambiental passou a ser fundamental”, diz Bracher. “Afinal, o Brasil é a nossa casa, e é natural que a gente faça a nossa parte para mantê-la em ordem”.

O maior risco está na próxima crise. Ocasionada pelas mudanças climáticas, ela não respeitará barreiras geográficas ou políticas, assim como a do coronavírus, mas será mais intensa e duradoura. Cabe à sociedade, incluindo as empresas, e também aos governos, trabalharem para evitá-la.  

“Só no ano passado, os focos de queimadas cresceram 30%, segundo o INPE”, afirma Bracher. “Esse é um problema no qual o papel do governo é fundamental, pois cabe a ele coibir o avanço das queimadas ilegais na região”.

Para o Itaú, esse repensar da economia e do papel das empresas se materializou em um grande esforço filantrópico, superior a 1 bilhão de reais. Entretanto, não será dessa vez que a filantropia passará a ser encarada como um elemento estratégico para o desenvolvimento, e não uma forma de caridade. “Eu gostaria de acreditar que sim, mas, sendo bastante pragmático, acho que ainda não veremos isso acontecer de forma estruturada”, afirma.   

Na área da cultura, em que o Itaú é o principal financiador privado do País, Bracher defende uma maior cooperação entre os setores público e privado, além de uma nova maneira de medir os impactos das iniciativas. “Penso que essa é uma tarefa que ainda está por ser feita”, diz ele. 

Por e-mail, Bracher conversou com a Exame. Confira a entrevista completa: 

O setor financeiro e os governos devem incluir o combate às mudanças climáticas como um dos pilares para a retomada econômica pós-pandemia?

Não tenho dúvidas de que devem. Crises como a causada pela covid-19 e os impactos das mudanças climáticas não respeitam barreiras geográficas ou políticas e evidenciam desigualdades e vulnerabilidades sociais. Os danos causados pelas mudanças climáticas podem até ser mais lentos, mas certamente são mais duradouros do que os da pandemia que estamos vivendo. Paralelamente à pandemia, estamos assistindo ao crescimento dos incêndios na Amazônia. Só no ano passado, os focos de queimadas cresceram 30%, segundo o INPE. Esse é um problema no qual o papel do governo é fundamental, pois cabe a ele coibir o avanço das queimadas ilegais na região. 

No setor financeiro, o tema que ganha cada vez mais relevância é o do ESG (meio ambiente, social e governança). Quando começaremos a ver a sustentabilidade e as questões climáticas realmente afetarem a precificação de ativos?

Os preços dos ativos, como os preços de qualquer bem da economia, são determinados pela relação entre oferta e procura. Cabe aos investidores exercer essa avaliação da importância do ESG para um ativo, demandando mais aqueles que são aderentes ao ESG e menos aqueles que não são. É isso que fará a diferença. Para nós, a avaliação ESG já é realidade, especialmente nos negócios do banco de atacado e no mundo de investimentos. Outras iniciativas nossas incluem o compromisso público de estimular setores de impacto positivo, como energia renovável, saúde e educação. Também temos oferecido ativos novos, como os green bonds, por meio dos quais as empresas captam recursos e garantem sua aplicação em projetos que tenham impacto positivo comprovado. No exterior, isso está mais avançado do que no Brasil. 

Atualmente, o Brasil atinge apenas 1 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Como acelerar essa agenda? Falta engajamento do governo ou das empresas?

É importante uma tomada de consciência da sociedade em relação a isso para cobrar do governo e das empresas uma atuação mais efetiva. Nós, aqui no Itaú Unibanco, lançamos 8 compromissos de impacto positivo em 2019, que cobrem 10 ODS em que o banco tem maior potencial de impacto. Temos metas para cada um desses compromissos, que acompanhamos de perto. 

Comparando a crise atual com a de 2008, percebe-se que o setor bancário está mais sólido. Em 2008, no entanto, os esforços para salvar os bancos, embora necessários, não vieram acompanhados de um novo modelo de desenvolvimento. Ainda que modificadas, as instituições permaneceram as mesmas. Como consequência, tivemos o surgimento de movimentos de protesto, como Occupy Wall Street, e de novas forças políticas, a exemplo do Tea Party, nos EUA, e tantos outros mundo afora. A crise atual, que é muito mais profunda, será suficiente para quebrar paradigmas de mercado, especialmente em relação ao propósito das empresas e ao papel do Estado?

As crises, especialmente quando são provocadas por um fator externo, como esta, têm a capacidade de deixar muito mais claro o propósito de atuação de uma empresa. A crise atual trouxe para primeiro plano o papel fundamental do setor bancário em dois aspectos: auxiliar o cliente a atravessá-la e, em seguida, apoiar na reestruturação de suas finanças. Mas o que estamos passando é tão grave que nos sentimos obrigados a ir além desse papel. Pensando como uma empresa relevante no mundo corporativo, com a responsabilidade de dar o exemplo, criamos o Todos pela Saúde, que começou com uma doação nossa de R$ 1 bilhão e que depois recebeu aportes adicionais dos principais acionistas do grupo, totalizando R$ 1,2 bilhão. Em relação ao papel do Estado, o que observamos é que, no mundo todo, governos foram chamados a atuar. No Brasil, há iniciativas importantes, como o chamado coronavoucher de R$ 600 e as linhas de financiamento que os bancos repassam para empresas. Nesse contexto, há um entendimento sobre a necessidade de o governo brasileiro elevar seus gastos fiscais em 2020, mas é importante retomar o caminho do equilíbrio fiscal, uma vez passada a crise. 

Como o sr. enxerga o papel do banco em um contexto em que as instituições serão mais cobradas? Cabe ressaltar que diversas pesquisas mostram que, embora a credibilidade das corporações, de forma geral, caiu, as pessoas confiam mais no seu empregador do que no governo. Como definir os papéis e as prioridades das empresas nesse cenário?

Creio que boa parte da resposta para esta questão esteja na sua pergunta anterior. O principal e inalienável é você ser incomparável no atendimento às necessidades dos clientes, especialmente em um momento de crise. No entanto, já há algum tempo, não basta o que você faz. É preciso ter atenção enorme ao como você faz. Nesse sentido, atuar de forma ética e com responsabilidade social e ambiental passou a ser fundamental. Afinal, o Brasil é a nossa casa, e é natural que a gente faça a nossa parte para mantê-la em ordem.

A cultura de enxergar a filantropia como um elemento estratégico para o desenvolvimento social e econômico, e não como uma forma de caridade, é pouco difundida por aqui. Porém, é um pensamento dominante nos Estados Unidos. O Itaú fez um grande esforço filantrópico na pandemia. O sr. acha que essa crise tem potencial para elevar a filantropia a um patamar mais estratégico para o País?

Eu gostaria de acreditar que sim, mas, sendo bastante pragmático, acho que ainda não veremos isso acontecer de forma estruturada. Acompanhamos esse tipo de mobilização em grandes tragédias humanitárias, mas não como um hábito ou como algo incorporado à atuação das pessoas e das empresas. Não temos essa cultura no Brasil, até porque existe pouco estímulo para que isso aconteça, se nos compararmos a países como os Estados Unidos. Acredito, no entanto, que esta crise deixou muito claro o preço das desigualdades sociais e a urgência de reduzi-las. A filantropia se mostra uma das ferramentas nesse processo.

O Itaú é hoje o principal financiador privado de cultura do País. Tem um dos maiores acervos de arte brasileira (talvez o maior) do mundo. Na literatura, é o principal apoiador do Prêmio Oceanos e da Flip. A área cultural, no entanto, enfrenta uma crise severa. Como resolver essa questão do financiamento cultural e como trazer mais empresas para o setor?

Todas as áreas enfrentam uma grave crise, e não é diferente com a da cultura. Aqui estou falando de cultura “latu sensu”, incluindo o que se convencionou chamar de cultura, mas também a educação. É nisso que o banco investe. É importante conseguir uma maior cooperação entre o público e o privado, e a sociedade em geral. Para isso, é necessário deixar mais clara a forma de medir os impactos positivos que o investimento causa no setor. Penso que essa é uma tarefa que ainda está por ser feita.

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