Após leilão, novela da queda da Avianca ainda não acabou
Sem slots, quase sem aeronaves e sem concessão para voar desde maio, a companhia que chegou ao Brasil em 2002 não deve mais voar
Karin Salomão
Publicado em 12 de julho de 2019 às 08h00.
Última atualização em 12 de julho de 2019 às 08h00.
A Avianca Brasil, oficialmente OceanAir Linhas Aéreas, vendeu grande parte de seus maiores ativos em leilão, mas a novela em torno de sua derrocada ainda está longe de acabar. Com a venda de slots, ou direitos de pouso e decolagem em grandes aeroportos, a companhia aérea brasileira, em recuperação judicial, pode sinalizar seu fim.
Sem slots, quase sem aeronaves e sem concessão para voar desde maio, a companhia que chegou ao Brasil em 2002 não deve mais voar. “Não consigo enxergar a Avianca a voltar a operar, sem slots e com poucos aviões”, afirmou Fabio Falkenburger, advogado especialista em aviação da Machado Meyer Advogados.
A companhia aérea arrecadou 147 milhões de dólares em leilão de venda de slots, que ficou centralizada entre Gol e Latam, maiores companhias aéreas nacionais. As rivais adquiriram quase todas as Unidades Produtivas Isoladas (UPI).
Os slots garantem às aéreas o direito de se movimentar em aeroportos saturados, como Congonhas e Guarulhos, em São Paulo, e Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Por serem limitados, são também valiosos e, por isso, atraíram a atenção das companhias aéreas concorrentes. Como resultado, o mercado nesses grandes aeroportos pode ter ficado mais concentrado. O programa de fidelidade da companhia, Amigo, não gerou interesse, assim como a última UPI.
O valor levantado com o leilão é pequeno perto das dívidas de 2,8 bilhões de reais que a companhia tem, o que gera dúvidas sobre como a aérea irá cobrir o restante das dívidas. Além disso, o leilão pode ser cancelado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o que significa que a Avianca deixaria de receber esse valor.
Contrárias ao leilão
No entanto, a validade do leilão é contestada pela rival Azul, que não participou do leilão, e pela Anac. A justificativa é que os slots não são ativos da companhia aérea e, portanto, não poderiam ser vendidos.
O declínio da Avianca Brasil pode ter prejudicado até a venda do que ela tinha de mais valioso. Por pressão de credores, a Avianca iniciou o processo de devolução de suas aeronaves arrendadas em 12 de abril. Em maio, todos os voos foram suspensos pela Anac, por questões de segurança. Como a companhia não tinha condições de operar, a concessão aérea também foi suspensa.
Segundo a Anac, a própria inaptidão da Avianca de operar os voos fez com que ela perdesse, aos poucos, os direitos de seus slots. "Conforme o previsto na Resolução nº 338/2014, a Avianca Brasil, ou qualquer outra companhia que viesse a assumir os seus ativos, só teria direito a usufruir dos slots atribuídos à empresa aérea se cumprissem com as metas de regularidade estipuladas para cada aeroporto", diz a agência em comunicado.
A agência obteve, semana passada, decisão favorável da Justiça de São Paulo e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para a redistribuição normal dos slots, conforme as regras vigentes, nos aeroportos de Guarulhos, Santos Dumont e Recife. Os slots da Avianca Brasil em Congonhas ainda não foram redistribuídos. O objetivo é diminuir a concentração de mercado na mão de apenas duas companhias e facilitar a chegada de novas empresas no mercado.
Além da Anac, a Azul também contesta a operação e sua legalidade. A aérea desistiu de participar da negociação, pois afirmou que o formato do leilão com a divisão dos slots em sete UPIs não era atraente. O objetivo da Azul, que chegou a fazer uma oferta por todos os slots da Avianca, era ganhar espaço no aeroporto de Congonhas e, enfim, conseguir operar na ponte-aérea Rio-São Paulo.
Custos da demora
A demora na resolução do conflito teve seu custo, não só para a Avianca, mas também para passageiros e aeroportos. Durante meses, a Avianca cancelou voos e não usou seus horários de pouso e decolagem, por ter tido a concessão de voo suspensa. Esses horários também não foram preenchidos pelas companhias aéreas concorrentes. Assim, havia menos opções de voos para passageiros. Para os aeroportos, o efeito foi a queda nas receitas.
Em Congonhas, o aeroporto mais cheio, o impacto foi de 75 mil reais por dia a partir de maio, por conta da não utilização de 21 slots diários, cerca de 7,6% do total.Para o aeroporto do Galeão, no Rio de janeiro, o impacto foi de 7 milhões de reais na receita de tarifas aeroportuárias, entre os meses de abril e junho. Já o aeroporto de Guarulhos perdeu 40 milhões de reais desde que a Avianca parou de operar no país. O fluxo de passageiros caiu 6% no período, o que levou o aeroporto a perder receitas de tarifas, segundo o Valor.
Com a redistribuição dos slots pela Anac ou por meio do leilão, os voos devem ser retomados. A dúvida sobre o futuro da Avianca e o cenário da aviação no Brasil, no entanto, permanece.