Ao gosto do freguês
Você costuma freqüentar as lojas paulistanas da Blockbuster? Conhece bem suas prateleiras? Pois saiba que é a Blockbuster que conhece você. Seus executivos monitoram cuidadosamente os títulos de filmes que você aluga, quantas vezes você vai à loja por mês e o tipo de filme de que você mais gosta. Por trás da padronização aparente, […]
Modo escuro
EXAME.com (EXAME.com)
Publicado em 14 de outubro de 2010 às, 13h16.
Você costuma freqüentar as lojas paulistanas da Blockbuster? Conhece bem suas prateleiras? Pois saiba que é a Blockbuster que conhece você. Seus executivos monitoram cuidadosamente os títulos de filmes que você aluga, quantas vezes você vai à loja por mês e o tipo de filme de que você mais gosta. Por trás da padronização aparente, das fachadas azuis e amarelas e dos cartazes luminosos, o que orienta a estratégia da Blockbuster em São Paulo é a segmentação de acordo com o público de cada loja. Na Zona Leste, por exemplo, a porcentagem de versões dubladas de filmes chega a 30%, contra apenas 10% na Zona Sul. Da mesma forma, a porcentagem de DVDs no total de filmes nesta região é superior -- concentra quase 30% de usuários de DVD, contra 20% na Zona Leste.
Também conhecida como micro- marketing, a estratégia já vem sendo adotada por grandes empresas, como Coca-Cola, 3M, Nestlé, Sadia, McDonald's, Pão de Açúcar e Unilever. Seus executivos constataram que, numa cidade cosmopolita como São Paulo, a segmentação por região e público tornou-se uma necessidade. Com a concorrência acirrada, preço e produto tornaram-se commodities. É o relacionamento com o consumidor, seu entendimento e sua valorização que fazem a diferença.
A nova tendência apenas resgata um dos fundamentos do varejo: o conhecimento do cliente. "Antes trunfo das pequenas mercearias, essa arma está chegando agora às grandes redes", afirma o consultor Eugênio Foganholo, da Mixxer, especializada em varejo. Isso se deve a investimentos e tecnologia, como o CRM, sigla da moda para softwares que gerenciam o relacionamento com o consumidor (veja quadro na pág. 40).
O McDonald's, por exemplo, conduz duas pesquisas anuais para traçar o perfil de consumidores da rede e de cada uma de suas quase 600 lojas. A Blockbuster, por sua vez, obtém informações com base nas mais de 30 000 locações diárias, nas 2 500 sugestões mensais dos clientes e nas contribuições dos gerentes. Na Nestlé, o perfil dos consumidores é levantado em pesquisas da própria empresa mescladas com dados de institutos como Nielsen e Ibope.
Mas nenhuma empresa parece ter ido tão longe quanto o Grupo Pão de Açúcar. Com um investimento de 5 milhões de reais, lançou no ano passado um cartão de relacionamento que possibilita conhecer os hábitos de consumo de mais de 1,6 milhão de famílias paulistas. "Buscamos encantar o cliente e impedir que ele se frustre por não encontrar na loja o que queira comprar", diz Eduardo Romero, diretor de marketing institucional do grupo.
Segundo Romero, desde 1994 o grupo já vislumbra entre seus consumidores diferentes clusters -- jargão que significa grupos de clientes unidos por um denominador comum. O Grupo Pão de Açúcar contratou a consultoria McKinsey com a missão de posicionar o consumidor no centro das estratégias do grupo. Os supermercados passaram a ser desenhados conforme a clientela local. Isso significa que variáveis como sortimento de produtos, penetração de certos itens e definição de seções mudam de uma loja para a outra para atender às necessidades dos consumidores.
Em três supermercados Pão de Açúcar localizados nos bairros de Higienópolis e dos Jardins, por exemplo, existe desde 1996 uma seção específica para produtos kosher, voltados para a numerosa comunidade judaica que mora nessas regiões. Já na loja da Rua Conselheiro Furtado, localizada ao lado do bairro da Liberdade, há gôndolas específicas para produtos orientais. "Visito a loja pelo menos duas vezes por mês, e quase sempre compro algo na seção de produtos orientais", diz a professora Lídia Keiko Suzuki. "Não preciso mais comprar em lojas especializadas da Liberdade."
Outro exemplo é o Pão de Açúcar localizado na saída de um terminal rodoviário e ferroviário em Santo André. Reinaugurado em outubro, ele agora oferece produtos para os clientes de origem nordestina, que têm forte presença na região. Lá, eles podem encontrar desde carne-seca e rapadura até quirera e feijão-tropeiro. Diferentemente de outras lojas da rede, também estão à venda eletroportáteis e roupas, produtos que atendem à demanda de consumidores da região, na maioria das classes B e C.
Na Blockbuster da República do Líbano podem ser alugados filmes infantis em inglês, em razão do grande número de estrangeiros e de escolas infantis bilíngües. Filmes cult ou europeus estão disponíveis somente na metade dos 40 pontos de sua rede paulistana, em bairros como Itaim e Jardins. Já títulos de ação como O Sexto Dia, com o grandalhão Arnold Schwarzenegger, são mais expostos em bairros como Vila Carrão, Ipiranga e Vila Prudente. "Com essa estratégia, conseguimos aumentar o desempenho em 15% a 20%", afirma Arthur Negri, presidente da Blockbuster.
Na rede McDonald's, cada região de São Paulo tem ações de marketing sob medida. No centro, por exemplo, onde a maioria dos consumidores é de pedestres que estão de passagem, foi criada uma promoção com grande apelo visual para atrair o cliente para dentro da loja. Enquanto durou a promoção, o número de visitas às lojas cresceu 13%. Na Zona Norte, onde predominam famílias e casais, o McDonald's decidiu premiar clientes em datas comemorativas, como Dia das Mães ou dos Namorados. Resultado: crescimento de 40% nas vendas. Na visão do consultor de marketing Raimar Richers, da RRCA, a segmentação é uma tendência irreversível. "Trata-se do início da era do consumidor. No futuro, será ele quem influenciará toda a cadeia de abastecimento", diz Richers.
Apoio da indústria
Outra estratégia que pode dar resultados semelhantes é o gerenciamento por categorias. Adotado principalmente pela indústria nas gôndolas varejistas, o conceito propõe que produtos sejam organizados da forma como são vistos pelo consumidor -- não mais pelo fabricante, o que é uma grande novidade.
Um exemplo: após uma sugestão da Coca-Cola, alguns varejistas colocaram na seção de churrasco uma prateleira com refrigerantes. Resultado: lucro de até 15% superior na categoria. A venda de assadeiras de pizza igualmente explodiu quando elas migraram da seção de panelas para a de congelados. O filtro de café vende muito mais ao lado do pó de café que na seção de artigos descartáveis. Menos óbvia, a colocação de fraldas ao lado de cerveja em lojas de conveniência dá ótimos resultados --porque geralmente são homens que visitam esse tipo de estabelecimento, muitas vezes de madrugada.
Mas não é fácil saber o que se passa na cabeça do consumidor. São necessárias inúmeras pesquisas, filmagens e observações de clientes durante as compras. Esses dados em seguida têm de ser analisados para que possam ser convertidos em estratégias e táticas para o varejo. É exatamente isso o que faz a consultoria paulistana Integration para clientes como Nestlé, Sadia, Gillette, Arno, Bauducco, Ambev, Klabin e Fotoptica. "Facilitar a vida do consumidor o torna mais rentável e reverte em lucros tanto para o varejo como para a indústria", afirma Andrea Aun, diretora de desenvolvimento de mercado da Integration.
Gerenciar uma categoria numa rede de varejo não sai por menos de 150 000 reais. É por isso que, hoje, a estratégia é mais usada pelo varejo de médio e grande porte, como Sondas, Bompreço, Wal-Mart, Carrefour e Pão de Açúcar. Para atender ao pequeno varejo, a Nestlé criou o Gerenciamento Virtual por Categorias. Em um site na Internet, o lojista tem acesso a um guia que o ensina a entender o ponto de vista do consumidor e o ajuda a pôr em prática mudanças eficientes em sua loja. Um software converte suas informações de vendas em táticas moldadas para sua loja. O resultado é que, enquanto indústria e varejo comemoram os lucros, o consumidor gasta mais, e ainda sai da loja mais satisfeito do que nunca.
Como conhecer seu cliente
Daniel Moreira, vice-presidente de CRM da Oracle, define os quatro passos para estabelecer um relacionamento eficiente com o consumidor.
Segundo Moreira, a implementação de ações eficientes de relacionamento pode gerar um lucro médio de 21%. Uma solução completa de CRM, que inclui um software, uma equipe dedicada e equipamentos de telecomunicações, não sai por menos de 200 000 dólares.
Empresa | Como conhecer o consumidor | Táticas de segmentação | Resultados buscados / atingidos |
Pão de Açúcar | Pesquisas periódicas terceirizadas Cartão de relacionamento que monitora os hábitos de 1,6 milhão de famílias em São Paulo |
Adaptação do sortimento de produtos por loja ou por região | Fidelização do consumidor pelo relacionamento, e não por pontuação Conhecimento profundo dos hábitos dos consumidores, de forma individual |
Blockbuster (varejo) | Base de dados registra 30 000 locações por dia Clientes enviam 2 500 sugestões e críticas por mês Gerentes contribuem com informações de cada loja | Gêneros de filmes são selecionados de acordo com os hábitos do consumidor Porcentagem de DVDs, filmes dublados e legendados mudam de uma loja para a outra | Aumento de 10% a 15% no desempenho de locação Maior satisfação do consumidor e menor índice de clientesfrustrados |
McDonald's (varejo) |
Pesquisas realizadas duas vezes por ano, na rede toda e em cada uma das 570 lojas |
As cidades são divididas em | Algumas lojas registraram aumento de fluxo de consumidores da ordem de 13% Aumento nas vendas chegou a 40% com algumas ações de marketing |
Nestlé (indústria) | Pesquisas próprias Dados de institutos (Nielsen e Ibope) Informações dos varejistas (via pesquisas ou através de site específico na Internet) | Trabalha o gerenciamento por categoria de produto junto com os varejistas Desenvolve estratégias específicas para cada rede, segmentando por loja e por regiã |
Numa rede de varejo em São Paulo onde foi aplicado o
|