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Angra 3: a obra mais enrolada do Brasil que levou Temer à prisão

Delator afirma que fez pagamentos de propina ao que o MPF chama de “um grupo criminoso liderado” pelo ex-presidente

Angra 3 segue o padrão já conhecido para outras obras e negócios fechados na Lava-Jato (Eletrobras/Divulgação)

Angra 3 segue o padrão já conhecido para outras obras e negócios fechados na Lava-Jato (Eletrobras/Divulgação)

CR

Carolina Riveira

Publicado em 21 de março de 2019 às 17h09.

Última atualização em 5 de maio de 2019 às 15h54.

A prisão do ex-presidente Michel Temer pela Lava-Jato do Rio na manhã desta quinta-feira devolveu os holofotes para uma obra que há 35 anos habita o noticiário nacional: a usina nuclear de Angra 3. A prisão, segundo o Ministério Público Federal, está relacionada a desvios de recursos nas intermináveis obras da usina.

As acusações mostram que Angra 3 segue o padrão já conhecido para outras obras e negócios fechados na Lava-Jato, com acusações de desvio de verbas capitaneadas por empreiteiras privadas e políticos. A Petrobras tem uma coleção delas: a questionável compra de 50% da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), em 2006, mesmo que as obras exigissem custos extras não previstos; a construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, envolvendo desvios com a construtora Camargo Correa; ou ainda a obra do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), envolvendo as construtoras Odebrecht e UTC.

Angra 3, por sua vez, é gerida pela Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras. Iniciada em 1984, a obra até hoje é um elefante branco no cenário energético brasileiro. Sua primeira paralisação veio dois anos depois de iniciadas as obras. Mesmo antes da prisão de Temer, o empreendimento já havia entrado na mira da Lava-Jato em 2015, quando foi preso o presidente da Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro.

A obra está paralisada desde então. Na ocasião, as investigações apontaram que Pinheiro teria recebido 4,5 milhões de reais em propina entre 2009 e 2014 por esquemas de corrupção relacionados à usina. Outro preso em 2015 foi José Antunes Sobrinho, dono da empresa de engenharia Engevix, uma das contratadas para construir Angra 3. A prisão de Temer é justamente fruto da delação premiada de Sobrinho.

Em sua delação, Sobrinho afirmou que fez pagamentos de propina ao que o MPF chama de “um grupo criminoso liderado por Temer”. Em resumo, o MPF aponta que as empresas contratadas para fazer um dos projetos de Angra 3 — a Argeplan, do Coronel Lima, ligado a Temer — não tinham expertise para tal. Por isso, subcontrataram a Engevix. Mas não de graça: segundo o MPF, o grupo de Temer solicitou à Engevix o pagamento de propina.

O dono da Engevix afirma que pagou 1 milhão de reais em propina a pedido do Coronel Lima e do ex-ministro Moreira Franco, com o conhecimento de Temer. A propina teria sido paga em 2014, depois do início da Lava-Jato.

Os valores pagos às empresas sem capacidade de realizar a obra — que superam 10 milhões de reais — também são vistos como desvio de recursos pelo MPF. A investigação apura crimes de corrupção, peculato e lavagem de dinheiro. A Engevix, tal qual outras construtoras envolvidas na Lava-Jato, prosperou sob o esquema de corrupção envolvendo o governo brasileiro.

Os esquemas de corrupção envolvendo a usina Angra 3 vão além. Também nesta semana, em um outro caso, o Tribunal de Contas da União (TCU) proibiu as construtoras Queiroz Galvão, Empresa Brasileira de Engenharia, Techint Engenharia e Construção e UTC Engenharia de fechar contratos públicos devido a fraude em licitações de Angra 3.

Os problemas de Angra 3

A construção de Angra 3 ficou duas décadas parada devido a problemas econômicos e à desaceleração do programa nuclear brasileiro. Acidentes como Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, e recentemente Fukushima, no Japão, em 2011, também desaceleraram os planos para a usina.

Mas entra governo, sai governo, Angra 3 volta aos planos. O atual ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, havia anunciado que Angra 3 seria incluída como projeto prioritário Programa de Parceria de Investimentos do governo Bolsonaro.

A expectativa era lançar um edital para a usina em junho. “Angra 3 é um projeto prioritário para o governo”, disse o ministro, em café da manhã com jornalistas. O governo chegou a afirmar até mesmo que construiria entre quatro e oito novas usinas nucleares em todo o país.

Durante os anos de bonança dos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, Angra 3 fez parte dos chamados projetos estruturantes — junto à usina de Belo Monte e ao Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, com as usinas de Santo Antônio e Jirau. Todos os projetos foram feitos sob polêmicas ambientais e discussões sobre sua real lucratividade.

Nessas décadas de indefinição, sobraram problemas. Além dos casos de corrupção envolvendo a empreitada, os números oficiais apontam que a obra já consumiu 8,9 bilhões de reais dos cofres públicos (6,6 bilhões em investimentos diretos e 2,3 bilhões em investimentos indiretos). O governo Temer havia estimado que seriam necessários outros 17 bilhões de reais para terminar a obra.

Claudio Frischtak, presidente da consultoria Inter.B e especialista em infraestrutura, aponta que os valores gastos até hoje podem ser ainda maiores, levando-se em conta o custo real da operação.

Angra 3 também é dona de um dos maiores empréstimos já feitos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ficando atrás dos financiamentos feitos para a Petrobras. Em 2011, foi assinado contrato de 6,1 bilhões de reais. Apenas 2,7 bilhões de reais foram sacados, uma vez que a operação foi paralisada após entrar na Lava-Jato.

As leis brasileiras não permitem que a exploração de urânio e geração de energia nuclear sejam realizadas por empresas privadas. Por isso, todo o investimento nos projetos de Angra 3 são de recursos públicos da Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras. A Eletronuclear já vem pagando parte do empréstimo ao BNDES.

“Geralmente, usinas nucleares são caracterizadas por grandes atrasos e custos muito acima dos programados. E no Brasil, há a particularidade de um processo de corrupção generalizado em obras públicas”, diz Frischtak.

Atualmente, as usinas de Angra 1 e 2 respondem por cerca de 1% da geração de energia no Brasil. Mesmo se pronta, Angra 3 pouco contribuiria para um efetivo aumento deste percentual, servindo apenas para mantê-lo, de acordo com o professor Edmilson Moutinho dos Santos, do Instituto de Estudos Avançados da USP e que estudou por muitas décadas o setor nuclear.

Angra 1 e 2 foram importantes no período do apagão brasileiro na década de 1990. Angra 3 viria para colaborar na segurança energética brasileira, mas, com o passar dos anos, novas formas de energia mais baratas e eficientes — e menos perigosas — tomaram a frente.

Assim, vale a pena todo esse esforço pela usina? A maioria dos especialistas em infraestrutura acredita que não. Atualmente, os especialistas apontam que, para além das hidrelétricas (principal matriz energética brasileira), a melhor aposta é energia eólica, que é mais barata e sustentável, e o gás, que é abundante no pré-sal e via importação com o gasoduto Brasil-Bolívia.

Há o discurso de que é vantajoso terminar Angra 3 porque os equipamentos já estavam prontos, e que abandonar a usina levaria a desperdício. Mas o professor Santos afirma que, na prática, não há tantos equipamento assim. “Não se pode usar um equipamento parado há 30 anos. Além disso, vários outros equipamentos já foram usados para repor peças em Angra 2”, explica Santos.

Existe ainda o argumento de que o Brasil não pode sair dos investimentos nucleares por uma questão estratégica. Com a predominância de militares no novo governo, a tendência é que esse discurso se prolifere. O governo Temer estimou que somente desativar a usina, sem continuá-la, custaria 12 bilhões de reais. Assim, Angra 3 deve seguir no noticiário como um centro de debates e investigações de corrupção, mas sem um único quilowatt de energia gerado.

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