Acordo de Boeing e Embraer ainda tem muito a ser resolvido
Ainda é preciso definir os termos financeiros da proposta, escolher um nome e uma equipe de administração baseada no Brasil
Gabriela Ruic
Publicado em 8 de julho de 2018 às 19h34.
Após meses de negociação sobre a estrutura da joint venture de US$ 4,75 bilhões para a fabricação de aviões comerciais de menor porte, a Boeing e a Embraer estão prontas para dar o próximo passo: continuar negociando.
Ainda falta definir detalhes fundamentais sobre os termos financeiros da proposta de nova empresa anunciada na quinta-feira, é preciso escolher um nome e uma equipe de administração baseada no Brasil. As cúpulas das companhias estão se esforçando para finalizar os termos até o fim de outubro ou o início de novembro e depois buscarão a bênção oficial do governo brasileiro, dos acionistas e dos órgãos reguladores de pelo menos 10 países.
Trata-se de uma longa lista de tarefas após extensas negociações e um jogo de sedução entre a Boeing e a Embraer que começou há anos. A falta de detalhes sobre o acordo não vinculante desconcertou alguns analistas e frustrou as expectativas por um prêmio mais generoso para os investidores da Embraer.
“Nas quartas de final” foi o título escolhido por Sheila Kahyaoglu, analista do Jefferies, para um relatório aos clientes, na quinta-feira.
“Apesar das bases estratégicas, o anúncio parece prematuro e uma série de detalhes fundamentais foi omitida pela administração”, escreveu Robert Spingarn, do Credit Suisse.
As ações da Embraer caíram 14 por cento, para R$ 23,10, no fechamento do pregão em São Paulo, maior queda em quase dois anos. Os papéis da Boeing registraram pouca alteração e fecharam a US$ 333,18 em Nova York.
Estrutura básica
Segundo o esquema básico acordado até o momento, a Boeing pagaria US$ 3,8 bilhões pelo controle de 80 por cento das divisões de aviação comercial e de serviços da fabricante brasileira. A Embraer ficaria com os 20 por cento restantes e continuaria produzindo aviões militares e jatos executivos. As duas empresas formariam uma joint venture separada para fomentar a comercialização de produtos de defesa como o avião de transporte de carga KC-390 da Embraer.
A parceria reforça o duopólio da Boeing e da Airbus em meio ao surgimento de ameaças competitivas de rivais da Rússia, do Japão e da China. Adicionando a família E-Jet da Embraer ao seu portfólio, a Boeing expandirá sua base de fabricação no exterior e estenderá seu alcance para o mercado de aviões de 100 assentos.
Apesar de as empresas terem discutido a combinação por mais de uma década, as negociações ganharam urgência nos últimos meses com os preparativos da Airbus para assumir o controle do C Series -- o novo avião que consumiu bilhões de dólares da canadense Bombardier. A Airbus deverá detalhar seus planos para a família de jatos em 10 de julho, dias antes da tradicional feira de aviação em Farnborough, na Inglaterra.
Benefícios claros
Os possíveis benefícios de uma parceria entre as fabricantes de aviões número 1 e número 3 do mundo são claros, mesmo que as implicações em termos de impostos, capital de giro e dívida ainda sejam desconhecidos. Com os aviões menores da Embraer, o portfólio da Boeing abrangeria todo o mercado comercial, de 70 a 450 assentos. A Embraer contaria com uma parceira endinheirada para ajudar a comercializar os aviões E-Jets e a se defender das ameaças da Airbus e de outras empresas.
“Estamos vendo consolidação na cadeia de fornecedores e também na aviação comercial. Além disso, estamos vendo novos atores, como a China”, disse Paulo César de Souza e Silva, presidente da Embraer, em uma teleconferência com analistas. “Ou seja, muitos fatores novos no mercado nos levaram a pensar que neste momento uma parceria como essa faz muito sentido.”
Força no mercado
A Boeing e a Embraer podem trabalhar juntas para “pressionar os fornecedores”, disse Richard Aboulafia, analista aeroespacial da Teal Group. Elas podem conseguir ampliar as vendas dos jatos de 100 assentos, um nicho de mercado menor, por meio de redução de custos, disse. Além disso, a Boeing deverá atrair receitas para sua divisão de serviços e aproveitar os talentos de engenharia e a capacidade de fabricação da Embraer.
“Trata-se de uma resposta competitiva à Airbus, ao C Series e à Comac”, disse Ken Herbert, analista da Canaccord Genuity, em referência à Commercial Aircraft Corporation da China. “Vejo muitos motivos para fazê-lo, nenhum deles revolucionário.” Do ponto de vista do investidor da Boeing, US$ 3,8 bilhões são apenas três meses de fluxo de caixa livre, ressaltou Herbert. “Não quebrará a banca.”
Spingarn prevê que os engenheiros da Embraer ajudarão a desenhar a família de jatos médios estudada pela Boeing, com possível entrada em operação comercial até a metade da década. Há também potencial para o que ele chama de “E3”, a sequência da família E2 da Embraer, que poderia servir de ponte para uma família completamente nova de aviões de fuselagem estreita da Boeing.