KHERLAKIAN: ele reinou entre 74 e 2006. Agora, retorna como embaixador da marca que criou / Gustavo Scatena
Da Redação
Publicado em 20 de junho de 2016 às 12h43.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h25.
Nunca houve uma marca de jeans no Brasil como a Zoomp. Não é exagero. Ela reinou no mercado de 1974 e 2006, graças a uma combinação aparentemente imbatível: o boom das indústrias de confecção no país e a força criativa de seu criador, o empresário Renato Kherlakian. No auge do sucesso, Kherlakian chegou a comandar 800 funcionários e possuir metade das 84 lojas da marca espalhada por dez países.
Até que, como um raio – símbolo da marca –, a Zoomp definhou, não conseguiu administrar o seu próprio gigantismo, enfrentar a abertura do mercado aos produtos importados, e teve falência decreta em 2009, revogada dias depois. A marca nunca mais foi a mesma e agonizou nas mãos de seu criador até ser comprada por um novo grupo (a Global Capital) e entrar em recuperação judicial.
Parecia o fim de uma saga. Agora, para a surpresa de todos, a Zoomp ensaia um retorno, dessa vez comandada por um empresário que lembra muito a impetuosidade do próprio Kherlakian. Alberto Hiar, mais conhecido como “Turco Loco”, dono da marca Cavalera, anunciou recentemente a compra da Zoomp em um leilão judicial, e tem planos para transformá-la numa marca premium. A primeira coleção deve ser lançada em outubro e chegar às lojas no primeiro semestre do ano que vem.
E quem Hiar chamou para ser o embaixador da marca? Sim, ele mesmo, Renato Kherlakian, que, por ora, não tem planos de voltar a empreender, apesar de ainda sonhar em ter sua marca própria. “Enquanto não baixar o custo Brasil, eu prefiro ajudar o Turco a recuperar o prestígio da Zoomp”, diz Kherlakian, que acaba de lançar um livro sobre sua trajetória à frente da marca de jeans.
Intitulado Uns Jeans, Uns Não (Editora Senai), a obra, escrita em parceria com o jornalista Ronald Sclavi e com introdução de Paulo Skaf (que durante a fase dourada da Zoomp presidiu a Associação Brasileira Têxtil, a ABIT), será lançado no dia 22 de junho, em São Paulo.
Kherlakian perdeu a Zoomp, mas nunca deixou de trabalhar. Pai de cinco filhos, virou um consultor que presta serviço tanto para uma gigante como a C&A como para marcas de vanguarda, menos conhecidas. Fiel às suas convicções, nunca se deixa vencer pela questão do preço e pela baixa qualidade. Ou quase. Quando isso ocorre, presta o serviço, mas não assina a coleção. “Seria jogar minha história como empreendedor fora”, diz. Na nova Zoomp, ele diz confiar no faro e no bom gosto de Hiar e num mercado de moda em constante mutação. “O público brasileiro adora roupas de grifes, tanto que volta das viagens internacionais com as malas lotadas. A diferença nessa história é que as marcas nacionais perderam o protagonismo”, afirma Kherlakian.
Faltou gestão
A aposta de relançar a Zoomp vem num dos momentos mais difíceis para o mercado brasileiro de moda. As grifes internacionais sofrem com o câmbio desfavorável. As marcas brasileiras também, e ainda penam para fazer dar certo o casamento potencialmente explosivo entre criação e gestão de custos. É um dos fatores que solapa os resultados de empresas promissoras como Restoque, dona de marcas como Le Lis Blanc, e InBrands, dona de Ellus e Alexandre Herchcovitch. A dificuldade é conhecida: enquanto os estilistas querem gastar o máximo possível para fazer as roupas mais incríveis e únicas, a área administrativa e comercial quer padrão, escala, custos baixos.
Na Zoomp, as coisas começaram a degringolar justamente em algum ponto entre os custos de criação e o descontrole financeiro. “Se pudesse voltar no tempo, a primeira coisa que eu faria seria um curso intensivo em finanças e administração”, diz Kherlakian. “Eu era um cara criativo, mas não sabia tocar administrativamente uma empresa daquele tamanho”.
A Zoomp foi uma das poucas marcas que conseguiu fazer frente à pirataria, que explodiu nos anos 1990. “Eu tinha sempre dinheiro em caixa. Montei um departamento antipirataria, com advogados, delegados, policiais, que faziam um trabalho de busca e apreensão pelo país imbatível. Esse era um dos meus diferenciais”.
Kherlakian só não conseguiu evitar a concorrência – essa legal – vinda de fora, que coincidiu com a fase mais próspera da Zoomp. “Quando atingi um patamar de faturamento e de volume de produção, o controle saiu das minhas mãos”, diz. “Foram criadas novas diretoras, os interesses da empresa começaram a ser discutidos por um monte de gente, com opiniões distintas. Virou uma toque de babel e eu, que não tinha a menor experiência em governança corporativa, não soube tomar decisões corretas num momento que a concorrência internacional vinha com tudo”, afirma.
Essa angústia não vai se repetir na nova fase da Zoomp. Como embaixador, sua missão é dar visibilidade e prestígio à marca. Hiar que se vire com o custo Brasil. Não que Kherlakian não dê os seus pitacos. Ele dará. E quem sabe ele deixe a experiência pronto para abrir uma nova marca de jeans. “Já tenho muita coisa na cabeça, é preciso só que o país ajude. Por enquanto estou curtindo os meus cinco filhos, contemplando esse mercado maluco. Quando chegar a hora, voltarei com tudo”. Se tudo der certo, além de competir com os importados, ele terá que bater de frente com outra marca que conhece bem – a Zoomp.
(Tom Cardoso)