FÁBRICA DA VOLKS: a empresa perdeu 30 bilhões de dólares de valor de mercado após os escândalos / Carsten Koall
Da Redação
Publicado em 27 de junho de 2016 às 12h29.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h18.
Os problemas da Volkswagen parecem não ter fim. A poucos dias do fim do prazo dado pelo juiz federal Charles Breyer, a Volks chegou a um acordo de 10,2 bilhões de dólares em multas e indenizações nos Estados Unidos por causa do escândalo de emissões de poluentes revelado em setembro do ano passado, de acordo com pessoas ligadas à negociação. É o maior acordo de indenização da história da indústria automobilística – mas não encerra o caso.
Além dos ressarcimentos, a empresa deve pagar 4 bilhões de dólares para um fundo de reparação de danos ambientais e se comprometer a desenvolver carros mais “limpos”. O acordo também não inclui penalidades para os carros de motor 3.0 da Audi, Porsche e Volks, que emitiam menos gases que os de motor 2.0.
E ainda há , tanto nos Estados Unidos como em outros países, multas a ser aplicadas por governos e processos criminais em andamento: na última sexta-feira 24, a Coréia do Sul emitiu o primeiro mandado de prisão contra um executivo da montadora no país, por violação da lei de preservação da qualidade do ar. Isso sem falar nos danos à imagem da Volkswagen, difíceis de calcular (o mercado financeiro, no entanto, dá uma ideia: as ações, que valiam 170 euros antes do escândalo, hoje estão por volta dos 114, uma queda de 33%).
O escândalo surgiu quando autoridades ambientais americanas perceberam que os carros se comportavam de forma diferente nos testes e nas ruas e a VW confessou ter criado um software especialmente para passar nos testes de emissão de gases, principalmente o óxido de nitrogênio (NOx), um subproduto da queima do diesel.
No século passado, acreditava-se que o diesel fosse mais limpo que a gasolina (uma das razões para a frota europeia ter mais carros a diesel), mas estudos revelaram que o NOx faz mais mal do que se supunha, e há dez anos as autoridades americanas reduziram drasticamente os limites aceitáveis do poluente (os motores a diesel liberam pelo menos o triplo de óxido que os motores a gasolina).
A Volkswagen, como todas as montadoras, tinha que fazer opções: limitar a emissão de poluentes implicava em menos potência. Em vez de aceitar a escolha, a montadora apostou em ludibriar as autoridades. Com um chip inteligente, o carro percebia (pela velocidade, temperatura do motor, posição do volante etc.) quando estava sendo testado para emissões e se comportava de acordo; fora dessas condições, privilegiava a potência. Como resultado, os carros 2.0 emitiam 40 vezes mais NOx do que o máximo permitido.
A fraude atingiu cerca de 11 milhões de carros no mundo todo (no Brasil, a empresa quase não vende carros a diesel; apenas a picape Amarok tinha o dispositivo). Nos Estados Unidos, o acordo compensa 482.000 proprietários. Segundo o que foi vazado dos termos, a montadora alemã vai pagar entre 1.000 e 7.000 dólares por carro, além de consertá-los gratuitamente ou recomprá-los pelo valor de mercado de setembro de 2015.
Renúncia e recompensa
O escândalo custou o cargo do CEO da VW, Martin Winterkorn. Não sem um polpudo pacote de 8 milhões de euros, sendo 5,9 milhões de euros (22 milhões de reais) um bônus por desempenho. Está certo, é menos que a metade do que ele tinha ganhado em 2015. Mas, considerando que a empresa reservou 16,2 bilhões de euros para lidar com as consequências do escândalo, e isso a levou a registrar um prejuízo recorde de 1,58 bilhão de euros, compreendem-se os protestos de acionistas e sindicatos.
Winterkorn não foi o único a receber recompensa por um desempenho sofrível. O total de pagamentos a 12 executivos em 2015 chegou a 63,2 milhões de euros, mais do que a companhia pagou de dividendos a seus acionistas no ano.
Para aplacar a ira dos acionistas, o presidente do conselho supervisor da VW, Hans Dieter Pötsch, anunciou na semana passada que a empresa está estudando se vai pedir compensação de executivos, atuais e prévios, devido ao escândalo. O anúncio veio dois dias depois de promotores da cidade de Braunschweig, perto da sede da VW em Wolfsburg, abrirem uma investigação sobre se Martin Winterkorn e outro executivo agiram para manipular o mercado financeiro. A suspeita é que ele tenha demorado demais para revelar a manipulação de dados sobre emissões de poluentes.
Durante meses a companhia afirmou que a fraude foi obra de “um pequeno número de maus empregados”. Em março, porém, foi revelado que Winterkorn recebeu um memorando sobre irregularidades nas emissões de alguns veículos, e em julho ele compareceu a uma reunião em que o assunto foi discutido.
Os companheiros japoneses
Na esteira do escândalo, houve quem pusesse em questão a sobrevivência da Volkswagen. Apesar das perdas gigantescas (só em valor de mercado, o caso fez evaporarem quase 30 bilhões de dólares), o prognóstico parece exagerado. A companhia disputa com a Toyota a supremacia no mercado mundial de automóveis e arrebatou, nos últimos anos, marcas poderosas, como Porsche, Audi, Bugatti, Bentley e a tcheca Skoda.
Mesmo assim, o abalo é considerável. Quando assumiu o posto de chefe do conselho de supervisão, Pötsch declarou: “Estou firmemente resolvido a dar minha contribuição para que a Volkswagen ganhe de volta a confiança de seus consumidores, do público, dos investidores e de seus parceiros de negócios”.
Vai ser um caminho árduo, como demonstra o caso da montadora japonesa Mitsubishi Motors, parte do grupo Mitsubishi. No início dos anos 2000, a empresa escondeu problemas de segurança que a levaram a um prejuízo considerável com recalls. Como é comum na cultura japonesa, o episódio levou a pedidos de desculpas públicas e inclinações de corpo em profunda reverência – apenas para se repetir de novo este ano.
“Nós achávamos que tínhamos investigado o suficiente depois do nosso caso de fraude em 2003, mas não foi o bastante”, disse o presidente do conselho de administração da Mitsubishi, Osamu Masuko, em maio, pouco depois de a empresa revelar que vinha falsificando testes de eficiência de consumo de combustível durante décadas.
O caso fez a Mitsubishi prever um prejuízo de 1,4 bilhão de dólares para este ano fiscal. Mais: a desvalorização das ações, uma perda de cerca de 3 bilhões de dólares no valor da empresa, permitiu à Nissan comprar um terço da Mitsubishi, o que lhe dá poder de veto sobre decisões estratégicas. (A Nissan anunciou que enviaria seus engenheiros para endireitar a unidade da Mitsubishi responsável pelas fraudes.)
O que se revelou no caso da Mitsubishi foi uma cultura fechada, de governança precária e desdém pelos consumidores e autoridades.
Este é o fantasma que a Volkswagen tem o desafio de afastar.
(David Cohen)