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À procura da uva do sertão

As vinícolas brasileiras tentam descobrir no vale do São Francisco uma casta que represente o país no mundo do vinho

No semi-árido a Miolo e a Vinibrasil investiram mais de 40 milhões de reais na produção de vinhos na região

No semi-árido a Miolo e a Vinibrasil investiram mais de 40 milhões de reais na produção de vinhos na região

DR

Da Redação

Publicado em 12 de outubro de 2010 às 18h24.

O Brasil tem três grandes regiões produtoras de vinhos de qualidade. A primeira, e a mais tradicional, é o Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul. Lá, os especialistas vaticinaram: trata-se de um lugar com enorme potencial para a produção de espumantes e inadequado para tintos (isso se deve à abundância de chuvas, o que torna o solo ácido demais). Na busca por um lugar ideal para a produção de tintos, as vinícolas rumaram para a Campanha Gaúcha, onde chove menos -- até agora, porém, os esforços não deram resultados que chamassem a atenção. Nas duas regiões do Sul do país, portanto, os produtores já sabem em que tipo de vinho apostar. No vale do rio São Francisco, na divisa entre os estados de Pernambuco e Bahia, o panorama é o oposto. As empresas do setor estão dando um salto no escuro jamais visto no país. Lá, estão sendo feitas frenéticas pesquisas em busca da uva que pode colocar o Brasil no mapa do mundo do vinho. Nada menos que 35 castas diferentes estão sendo testadas no sertão. "A Argentina tem a malbec, o Chile tem a carménère, a Nova Zelândia tem a sauvignon blanc e o Uruguai tem a tannat", diz o crítico americano Gerald Boyd, ex-editor da revista Wine Spectator. "Para competir no mercado internacional, o Brasil precisa achar a sua uva."

O cenário em que estão sendo feitas essas buscas é peculiar. Os cerca de 200 hectares plantados na fazenda da Vinibrasil, associação entre a importadora Expand e a vinícola portuguesa Dão Sul, transformam a paisagem ao final dos 35 quilômetros da Estrada da Uva e do Vinho, que liga os municípios de Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista, no interior de Pernambuco: os tons terrosos cedem espaço ao verde-vivo das vinhas. O oásis no meio do semi-árido só é possível graças à água bombeada do rio São Francisco e transportada por 600 quilômetros de tubos para gotejar lentamente sobre cada uma das cerca de 600 000 videiras. Lá, os executivos da empresa instalaram um laboratório que testa atualmente as 35 variedades de castas européias. "Compramos cerca de 20 000 das melhores plantas do mundo, direto do Institut National de la Recherche Agronomique (Inra), na França", diz o português João Santos, agrônomo da Vinibrasil. Dentre elas estão exemplares genéticos que levaram 30 anos em desenvolvimento pelos especialistas europeus. "Até agora, a casta mais bem-sucedida na região é a syrah", afirma Santos. A empreitada já trouxe alguns bons resultados. No ano passado, o vinho premium Paralelo 8, da linha Rio Sol, grande aposta da Vinibrasil, foi o primeiro brasileiro a aparecer na revista americana Wine Spectator, referência mundial no assunto. "São vinhos muito modernos e feitos de maneira competente", diz Jancis Robinson, colunista do Financial Times e uma das críticas mais influentes da atualidade.

Juntas, as duas maiores empresas da região, a Vinibrasil e a gaúcha Miolo, investiram mais de 40 milhões de reais nos últimos anos. Na fazenda Ouro Verde, na Bahia, a Miolo produz cinco rótulos da linha Terranova e o brandy Osborne, um destilado de uva. Desde que se instalou na região, em 2002, o grupo gaúcho já investiu 30 milhões de reais e contratou o consagrado enólogo francês Michel Rolland. Todo esse investimento em uma região sem tradição na produção de vinhos tem dois motivos principais. O primeiro é financeiro. Os governos da Bahia e de Pernambuco deram às empresas generosos incentivos fiscais, e o custo da terra equivale a cerca de 5% do preço do hectare no Vale dos Vinhedos. O segundo motivo é o clima da região do semi-árido. Em áreas normais, as vinhas se tornam improdutivas no inverno. Como a temperatura e o número de horas diárias de luz são constantes no sertão, é possível colher duas safras por ano, vantagem competitiva inédita no mundo. "Como não dependemos tanto dos ciclos da natureza, podemos produzir bem mais rápido para entregar o que o mercado pede", diz Santos. Além disso, a ausência de chuvas ajuda na produção de vinhos finos. "Antes, a gente achava que o frio era importante para a vinha, mas hoje sabemos que o importante mesmo é que não chova", diz Antônio Miolo, diretor da empresa. A água faz inchar a uva e, com isso, os sabores da fruta são diluídos. Hoje, a região responde por 15% da produção nacional.

O objetivo dos produtores é incluir o Nordeste no novo mundo dos vinhos, tendo como grande modelo a Austrália, país em que a vinicultura movimenta 5 bilhões de dólares por ano. "Eles ousaram produzir em regiões quentes e secas, como o vale, e conseguiram alta qualidade com a ajuda da tecnologia", diz Ricardo Carmignani, presidente da Expand. Mas esse é um trabalho que leva tempo. Mesmo com mais de um século de experiência e milhões de dólares em investimento -- só em pesquisa, foram 150 milhões de dólares em 2005 --, os vinhos australianos começaram a conquistar o mercado mundial apenas na última década. No momento, os enólogos buscam a uva adequada ao solo do Nordeste. Depois, a idéia é seguir os passos da Austrália e ganhar o mercado internacional. Para os especialistas, porém, a empreitada é extremamente complexa. Isso porque a alta produtividade das vinhas cobra seu preço na queda da qualidade. "Não se devem esperar grandes vinhos dessa região", diz Michel Rolland, o enólogo da Miolo. "Acho que é possível, sim, fazer vinhos muito bons, mas não ótimos." Para uma região que foi desbravada há menos de cinco anos, não é pouca coisa.

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