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A paella de R$ 900 do dono do Giraffas, o rei do arroz com feijão

Fundador do fast food Giraffas, Carlos Guerra cozinha paella para os amigos enquanto torce pelo fim da crise. Rede vai faturar R$ 700 milhões em 2018.

O empresário Carlos Guerra, dono da rede de fast food Giraffas, em entrevista e jantar em sua casa (Germano Lüders/Exame)

O empresário Carlos Guerra, dono da rede de fast food Giraffas, em entrevista e jantar em sua casa (Germano Lüders/Exame)

Mariana Desidério

Mariana Desidério

Publicado em 13 de dezembro de 2018 às 06h00.

Última atualização em 14 de dezembro de 2018 às 11h23.

São Paulo – Dono da rede de restaurantes Giraffas, Carlos Guerra ganha dinheiro com refeições rápidas e populares de arroz com feijão, bife e batata frita. A especialidade do empresário, no entanto, passa longe do cardápio da rede de fast food, uma das maiores do país. Guerra é conhecido entre os amigos por cozinhar uma deliciosa paella, prato típico da Espanha.

A receita envolve arroz, temperos como açafrão e frutos do mar. Assim como os negócios, a paella é assunto sério para Guerra. Nos tempos mais animados, o empresário chega a preparar o prato toda semana, em reuniões de amigos que seguem madrugada adentro. Em Brasília, já cozinhou paella em um evento para 3 mil pessoas para arrecadar dinheiro para a campanha de um político. Mais recentemente, Guerra repetiu a dose para ajudar o filho, Alexandre Guerra, candidato derrotado ao governo do Distrito Federal pelo Partido Novo nas eleições deste ano.

Guerra recebeu EXAME em seu apartamento em São Paulo numa noite de outubro para uma paella feita para 15 pessoas. Era a terceira paellada em um mês. Opção honesta de almoço no shopping para quem não quer se render à gordura do junk food, o prato mais barato do Giraffas custa 12,90 reais; o mais caro sai por 34,90 reais. Para a paella daquela noite, a conta do mercado ficou em 900 reais – 60 reais por cabeça. Perto das 21h, Guerra começa os trabalhos: acende o fogo da paellera vinda da Espanha – uma panela rasa com duas alças laterias de 60 centímetros de diâmetro – e, enquanto espera o alho fritar, fala sobre o Giraffas.

A rede se recupera do baque sofrido com a crise econômica. Vai fechar 2018 com um faturamento de 700 milhões de reais, 8,2% a mais que o resultado de 2017. Durante a recessão, o grupo fechou lojas e precisou encerrar sua operação nos Estados Unidos, que chegou a ter onze unidades. Se em 2015 tinha 430 lojas, hoje são 410.

O maior mercado da marca é São Paulo, mas a rede é popular mesmo em Brasília, onde nasceu e tem 80 restaurantes – um para cada 40 mil habitantes. Lá, o Giraffas consegue entregar pedidos via delivery em toda a cidade. Em 2006, a rede promoveu um festival de música em Brasília para comemorar seu aniversário de 25 anos. A festa reuniu 120 mil pessoas. "O Giraffas está vinculado à história da cidade”, diz o empresário.

A rede de fast food foi fundada em 1981 por Carlos Guerra e um amigo da faculdade, Ivan Aragão. Na época, Guerra estudava engenharia elétrica na Universidade de Brasília. A primeira loja ficava na 105 Sul e vendia sanduíches, crepes, sucos e sorvetes. Alguns desses sanduíches — como o Brutus, de carne de hambúrguer, e o Galo de Briga, de peito de frango — existem no cardápio até hoje. Pouco tempo depois, os sócios resolveram apostar no que todo brasileiro gosta de comer: arroz com feijão. Nascia o Giraffas como o conhecemos. Hoje, Aragão não está mais no negócio, que hoje é gerido por uma diretoria executiva presidida por Guerra.

Segredos da paella

O empresário coloca rodelas de lula na panela e muda de assunto para explicar alguns segredos da arte de fazer paellas. “Quanto mais horizontal, mais gostosa ela fica. Não dá para fazer na panela de pressão”, diz. Um dos motivos é o socarrat – a crosta marrom e crocante formada pelo arroz que pega no fundo e nas bordas da panela.

Carlos Guerra dedicou o dia para preparar a paella. Depois de uma reunião de trabalho pela manhã, seguiu para o Mercado Municipal, no centro da cidade, onde gosta de comprar seus ingredientes. “Nunca dá certo se deixo outra pessoa comprar. Cozinhar é ter os ingredientes que você quer”, explica. O processo é parecido com o da escolha de fornecedores para o Giraffas, que são visitados in loco. “Tem que ter o fornecedor certo e um ingrediente que faça sentido no nosso cardápio”, afirma.

Enquanto distribui cuidadosamente as lagostas e os camarões – “Cada pedaço da paella precisa ter todos os ingredientes” –, Guerra conta do sonho de ter um restaurante especializado no prato. “A cada seis meses penso nisso, já criei até nome e tudo. Não vou em frente porque não se mistura diversão com trabalho. E porque o Giraffas exige muito a minha presença”, afirma. O empresário come de uma a duas vezes por semana no Giraffas. Seus pratos preferidos são o filé mignon, o coxão e a picanha.

O interesse pela gastronomia, e mais especificamente pelo fast food, veio depois que Guerra passou uma temporada nos Estados Unidos, aos 17 anos. Era a década de 1970, as cadeias norte-americanas de fast food ainda não tinham a força que têm no Brasil, e Guerra ficou maravilhado com o mundo fantástico dos hambúrgueres. “Conheci todos os fast foods dos Estados Unidos, era fissurado”, lembra o empresário.

Até hoje, quando viaja, seu hobby é comer. “Já fiz viagens gastronômicas pela Europa em que almocei em uma cidade e jantei em outra”, conta. Na década de 1990, ele e alguns amigos fizeram uma viagem a Nova York. Cada um tinha o seu programa e o de Guerra era procurar restaurantes. Um prato especial ficou na memória do empresário: o carré de cordeiro. De volta ao Brasil, o empresário fez questão de colocar o item no cardápio do Giraffas. “O pessoal perguntava se era bode!”, diverte-se. Hoje o carré não está mais disponível no menu da rede. O Giraffas também já teve garrafinha de vinho e um cardápio especial gourmet, todas iniciativas com origem no interesse do dono pela gastronomia. O dedo de Carlos Guerra também está no feijão servido na rede, que é receita dele.

A paella mais famosa da cidade

Já a paella, infelizmente, não deve chegar aos consumidores do Giraffas. Além de cara, ela não fica boa se congelada, explica o empresário. Mas há outro restaurante onde o leitor pode encontrar uma paella parecida com a feita por ele. É o Oliver, que fica dentro do Clube de Golfe de Brasília. Quando fundado, o Oliver tinha cinco sócios, dentre eles Guerra, um de seus filhos e um sobrinho.

O empresário conta que, pouco antes da inauguração, os sócios fizeram uma degustação do cardápio e estava, em suas palavras, “horrível”. Ele próprio decidiu então criar os pratos, buscando referências na culinária mediterrânea. “Fiz um cardápio baseado em tomate e azeite de oliva”, lembra. Até hoje o restaurante figura nas listas dos melhores restaurantes de Brasília. O empresário não é mais sócio do negócio, mas sua paella ainda está no cardápio e é classificada como “a mais famosa paella da cidade” pelo guia Comer & Beber da Veja em Brasília. Em São Paulo, o empresário não se lembra de uma boa paella que valha recomendação. “O Don Curro tinha uma ótima, mas não faz mais”, lamenta.

A receita da iguaria o empresário aprendeu com uma amiga casada com um espanhol. “A gente se reunia e essa amiga sempre fazia paellas. Um dia ela não estava e quem fez a paella fui eu”, lembra. Ao longo dos anos, Guerra vem aprimorando a receita e criou variantes que substituem os frutos do mar por bacalhau, carne seca ou carne de porco.

A paella desta noite é mais tradicional: frutos do mar (lagosta, lagostim, camarões, lula, vieiras e vôngole), pimentão, alho, azeite, arroz, temperos e um caldo com tomate. “O segredo do prato está no arroz”, explica o empresário-cozinheiro. “A função dos outros ingredientes é principalmente dar sabor”.

Container e happy hour

O empresário coloca o arroz, os últimos frutos do mar e finaliza o prato com o caldo. É hora de comer. Enquanto degustam a paella os executivos do Giraffas afirmam que a rede está preparada para quando a crise passar. A avaliação é de que a rede fez a lição de casa durante a recessão, melhorou a gestão e os processos internos para cortar custos e focou esforços em desenvolver novos produtos e modelos de negócio para ampliar as receitas.

Recentemente, o Giraffas lançou um modelo de franquia em container, que barateia os custos de operação e permite instalar lojas em locais antes inacessíveis. O lançamento do formato já rendeu restaurantes da marca em aeroportos e rodoviárias. Os containers facilitam a implantação – a unidade já chega quase pronta, bastando apenas ter um terreno adequado e realizar integração com o sistema de água e energia do local escolhido. Enquanto a implantação de um container leva 45 dias, a implantação de uma loja tradicional é de 120 dias.

A rede também tem se empenhado em aumentar o fluxo de clientes fora do horário do almoço, com a estratégia do happy hour. Na modalidade, oferece porções de batata frita, calabresa e picanha fatiada para comer depois do expediente. A tática leva o Giraffas de volta a suas origens. No início do negócio, a opção pelas refeições com arroz e feijão veio da tentativa de aumentar o movimento no horário do almoço, e acabou se tornando a principal fonte de renda da rede. A expectativa do grupo é conseguir em 2019 atingir números equivalentes aos de 2016. Se os esforços para superar a crise derem certo, Carlos Guerra provavelmente vai comemorar cozinhando.

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