HAMBÚRGUER DA BEYOND MEAT: produtos de origem vegetal podem ter mais sódio e tantas calorias quanto os tradicionais / Beyond Meat/Divulgação
Lucas Amorim
Publicado em 6 de agosto de 2019 às 17h20.
Última atualização em 6 de agosto de 2019 às 19h31.
Os investidores da produtora de carne bovina Marfrig estão entusiasmados com a entrada da empresa no sexy nicho das carnes vegetais, tido por muitos como a salvação da indústria de proteína animal. As ações da Marfrig subiram 6,5% nesta terça-feira após anúncio de parceria com a empresa americana Archer Daniels Midland, especializada em alimentos de origem vegetal.
A Marfrig se une, assim, à gigante JBS, que já havia anunciado hambúrgueres vegetais, e a startups incensadas, como a brasileira Fazenda do Futuro, a chilena The Not Company e as americanas Impossible Foods e Beyond Meat. A rede de restaurantes Burger King anunciou na semana passada que vai começar a oferecer um sanduíche de hambúrguer vegetal em todas as suas 7.000 lojas nos Estados Unidos a partir de 8 de agosto.
Em comum, essas companhias desenvolveram hambúrgueres que têm gosto e textura de carne bovina, mas são feitos com base vegetal. São, por isso, chamadas de foodtechs — um termo cool que caiu no gosto dos investidores. Em julho, a Fazenda Futuro recebeu 8,5 milhões de dólares de investimento liderado pelo fundo brasileiro Monashees. A Not Company tem investimento do homem mais rico do mundo, Jeff Bezos, dono da varejista Amazon. A Impossible Foods já atraiu quase 400 milhões de dólares em aportes.
Mas a estrela da turma é a Beyond Meat. Criada em 2009, a companhia estreou em maio na bolsa de tecnologia Nasdaq, e viu suas ações passarem de 25 para 235 dólares em dois meses, levando seu valor de mercado para 14 bilhões de dólares. É o maior exemplo do enorme potencial de empresas que usam tecnologia para cortar a dependência da carne bovina, com um produto sustentável e que cai nas graças dos consumidores mais jovens e antenados. Parece um passaporte garantido para o futuro, certo? Nem tanto.
Os números de mercado potencial que decoram as apresentações dessas empresas para investidores são de fato grandiosos. Um estudo do banco UBS calcula que o mercado carne à base de plantas faturou 5 bilhões de dólares em 2018 e pode chegar a 85 bilhões de dólares em 2030.
Segundo o UBS, os hambúrgueres devem seguir a trajetória de outros produtos de base vegetal, como os leitos de soja e amêndoas, que cresceram 60% entre 2013 e 2017, para 21 bilhões de dólares. São produtos que seduziram não só os intolerantes à lactose ou os preocupados com o bem-estar animal ou os danos ao meio ambiente causados pela pecuária, mas também quem procurava bebidas gostosas e saudáveis, e estava disposto a pagar por elas. A conta do UBS projeta que as carnes vegetais conquistem além dos vegetarianos, que hoje respondem por 5% da população dos EUA.
Os leites vegetais já respondem por 12,6% do participação de mercado em produtos lácteos nos EUA, numa dinâmica semelhante à vista no mercado de cervejas artesanais, que cresceu a ponto de ameaçar as gigantes. A reação de cervejarias como a ABInBev, a maior do mundo, foi comprar dezenas de artesanais e lançar suas próprias linhas.
São exemplos que mostram que o consumidor está sedento por novidades, e vai precisar delas, à medida que o planeta deve ganhar 2 bilhões de novos moradores até 2050. Resta saber se a carne vegetal é uma delas.
Com o sucesso recente do produto, o lobby contrário deve crescer. O Canadá, a União Europeia e alguns estados americanos estão discutindo leis que proíbam que as carnes vegetais sejam chamadas de “carne” ou de “hambúrguer” nos rótulos. O preço tende a ser outra barreira natural a manter as carnes vegetais restritas a um nicho de consumidores abastados, ao menos por um tempo. O preço médio da carne de vaca nos Estados Unidos é de 10 dólares o quilo, ante 24 dólares do hambúrguer da Beyond Meat e quase 200 dólares de bifes gerados em laboratório.
Debates sobre os benefícios nutricionais dos bifes de planta também estão em alta. Uma reportagem do jornal Wall Street Journal mostra que, embora as startups afirmem que seus produtos têm menos colesterol e gorduras, nutricionistas apontam para o fato de terem a mesma quantidade de calorias e mais sódio que hambúrgueres tradicionais. Além disso, é claro, são alimentos ultra-processados, indo na contra-mão do que uma parcela desta nova leva de consumidores defende.
Sob esta ótica, os hambúrgueres de plantas podem não conter carne bovina e serem mais saudáveis sob vários aspectos, mas têm o jeitão daquela indústria ultra-processada que combina mais com o século 20 que com o século 21. Nos Estados Unidos, a rede de restaurantes Chipotle não vende carne vegetal por afirmar que evita conservantes e cores artificiais em seus ingredientes.
A maior ameaça para que os hambúrgueres vegetais passem de nicho para o novo normal pode não estar no apego ao consumo diário de carne tradicional. Mas sim no fato de que há alternativas mais saudáveis, baratas e sexies: são as frutas, os legumes e as verduras.