A contradição da CSN: números recordes e medo da lama
Uma audiência judicial entre a siderúrgica e o MP que representa moradores de Congonhas reacende o debate sobre o risco de novos rompimentos de barragens
Da Redação
Publicado em 13 de junho de 2019 às 06h49.
Última atualização em 13 de junho de 2019 às 10h01.
Quase cinco meses após Brumadinho, uma audiência judicial entre a CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) e o Ministério Público que representa os moradores de dois bairros do município de Congonhas (MG) reacende hoje o debate sobre o risco de novos rompimentos de barragens. O Ministério Público quer que a CSN banque a remoção das famílias que vivem abaixo da barragem da mina Casa de Pedra e pede que a companhia pague 3 mil reais aos moradores que quiserem deixar suas casas. Cerca de 2.700 pessoas vivem nos bairros mais próximos à barragem. Há casas a 300 metros da estrutura.
Desde o rompimento da barragem da mineradora Vale, em Brumadinho (MG) , que deixou 233 mortos e 37 desaparecidos em janeiro, os moradores de Congonhas vivem com medo de a barragem da CSN ruir também. “Verificamos aumento no número de casos de depressão e problemas físicos. Se aquela barragem se romper, a população será atingida em menos de 30 segundos”, afirma o promotor de Justiça Vinicius Galvão.
Após a tragédia, o Ministério Público conseguiu uma decisão na Justiça que obriga a CSN a alugar espaços longe da barragem para abrigar a escola e a creche que funcionam nos bairros Cristo Rei e Gualter Monteiro. A creche fica a um quilômetro da estrutura da companhia. Juntas, escola e creche atendem um total de 244 crianças. A decisão tem como pano de fundo uma mudança feita na legislação após a tragédia da Vale. Pela nova regra, deve haver uma distância mínima de dois quilômetros entre a barragem e locais com aglomerações de trabalhadores. O desastre em Brumadinho soterrou o refeitório e o escritório da mina bem na hora do almoço.
O Ministério Público se baseou nisso para argumentar que, se não pode haver agrupamento de funcionários, agrupamentos de crianças muito menos. O pedido foi acatado pela Justiça. Agora, o Ministério Público argumenta que, além de estudarem em segurança, as crianças e os demais moradores têm direito de dormir e conviver com suas famílias com tranquilidade, o que não acontece nos bairros que ficam abaixo da barragem da CSN. A barragem não está classificada hoje como de risco nível 3, quando há risco iminente de rompimento. “Nossa ação é preventiva. Essa barragem já teve problemas gravíssimos. Não vou esperar chegar ao nível 3”, afirma o promotor.
A audiência acontece em um contexto peculiar para a CSN. Após o rompimento da barragem em Brumadinho, e a consequente paralisação de parte das operações da Vale, o preço do minério de ferro foi às alturas – chegou a 100 dólares a tonelada no mês passado, maior patamar desde 2014. A consequência foi um aumento nas receitas da CSN: o ebitda (resultado antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ajustado no primeiro trimestre de 2019 foi de 1,7 bilhão de reais, 39% maior que o do mesmo período de 2018 e o maior da história da companhia, que atua na mineração e na siderurgia. O lucro líquido, porém, caiu de 1,5 bilhões de reais para 87 milhões de reais.
O presidente da CSN, Benjamin Steinbruch, chegou a afirmar que o segundo trimestre será o melhor da história da empresa. A audiência judicial de hoje coloca em contato as duas realidades da CSN: de um lado os resultados financeiros que animam o investidor (a ação da CSN valorizou 70% desde janeiro), do outro o embate com os moradores que vivem ao pé da operação da companhia em Congonhas.